Irmãs e irmãos

«Jesus aproximou-Se deles e pôs-Se com eles a caminho» (Lc 24, 15) é assim que o evangelho de hoje (cf Lc 24, 13-35) introduz a presença de Jesus entre os dois discípulos que deixam Jerusalém e se encaminham para Emaús. E descobrimos que a chegada, a presença e a companhia de Jesus criam nos dois discípulos um novo ambiente, geram um novo espaço, fecundam uma nova vida.

a) Em primeiro lugar, a presença de Jesus no meio deles faz com que o que diziam deixe de ser uma mera lamentação — a lamúria própria de quem viu todos os sonhos de uma vida serem defraudados pelo fracasso e pela morte do Líder que tinham seguido e pelo qual tinham deixado tudo — e se transforme em história de salvação e de amor. Sim, o que estes homens, involuntariamente, estão a contar não é uma narrativa de fracasso, mas uma história de amor e, por isso, uma história de redenção. Por mais que eles próprios quisessem insistir num tom derrotista, a verdade é que acabam por recorrer a palavras revolucionárias. Antes de mais, a Jesus, chamam «Profeta poderoso em obras e palavras» e alguém que entregou a sua vida à morte. Depois, referem que há inclusivamente testemunhas — as mulheres — que foram de madrugada ao sepulcro, mas não encontraram o corpo de Jesus. Regressaram, então, para junto dos discípulos, anunciando-lhes que lhes tinham aparecido uns Anjos a anunciar que Ele estava vivo. Porém, «a Ele não O viram». Mas isto, caras irmãs e caros irmãos, já não é outra coisa senão história salvífica; é o testemunho da ação de Deus no mundo para libertar e salvar o ser humano.

Aliás, é igualmente a presença de Cristo vivo e ressuscitado que confere força e eficácia à palavra de São Pedro na Primeira Leitura (cf Act 2, 14. 22-23). Não é o estilo, nem a retórica a que recorre no seu discurso, mas a misteriosa presença de Cristo Ressuscitado em Pedro, na assembleia reunida e na multidão do povo que dá eficácia e fecundidade à palavra proclamada.

A presença de Cristo Vivo e Ressuscitado em nós e na nossa vida a tudo dá um valor salvífico; ou seja, nada é para a nossa perdição ou em vista da nossa perdição. A presença de Cristo tudo transforma. É assim que tudo quanto vivemos são momentos da história de glória que o senhor está a escrever em nós e connosco. Neste sentido, também o presente momento que estamos a viver, com todas as suas vicissitudes e dificuldades, poderá ter um significado salvífico na medida em que é vivido na presença de Cristo Ressuscitado. Com Ele presente, até os nossos dramáticos desabafos pela necessidade de confinamento se transformam em testemunhos de vida.

b) Em segundo lugar, merece a nossa atenção o facto de os discípulos realizarem o seu percurso com alguém que lhes é desconhecido. Na verdade, não o identificaram, embora Ele caminhasse e conversasse com eles, a ponto de lhes arder o coração. Que teria sucedido se, ao chegarem perto da povoação, Jesus de facto tivesse continuado a caminhada em vez de ter entrado em casa e não se tivesse sentado à mesa, nem tivesse partido o pão? Jamais se teriam aberto os olhos aos discípulos. Jamais o teriam reconhecido. Teria sido apenas um desses companheiros de jornada que encontramos pela estrada da vida, ao qual somos mais ou menos indiferentes. Nada mais!

Algo de importante se passa quando Jesus decide partilhar com eles a mesa e a companhia. Entrar em casa, pôr-se à mesa, tomar o pão, recitar a bênção, parti-lo e entregá-lo são gestos especificamente eucarísticos. De facto, são palavras e ações próprias da Eucaristia. É no contexto desta refeição na qual Jesus é o centro que efetivamente se escancaram os nossos olhos por forma a reconhecê-lo no pão partido e na partilha da mesa. Tal como os discípulos de Emaús o reconheceram no ato de partir o pão, também na nossa vida e na vida de todo o ser humano, o primeiro lugar onde Cristo se torna mais reconhecível é no partir do pão, tanto no contexto da Eucaristia, como no contexto da vida onde solidariamente partilhamos os bens com aqueles que deles mais necessitam.

Por isso, resultam duas interpelações para nós muito vivas e significativas. A primeira é que a participação na Eucaristia nos habilita para o reconhecimento de Cristo vivo e presente no meio de nós. Daí a enorme importância de que se reveste a participação na Santa Missa, pois é esse o contexto em que os olhos da fé se abrem para a presença do ressuscitado.

Por isso, caras irmãs e caros irmãos, mesmo confinados em nossas casas, nós continuamos a participar na Eucaristia, cultivando em nós a capacidade de reconhecer a Cristo.

Por outro lado, é importante, sobretudo nestes tempos difíceis de pandemia que os militares e os elementos das forças de segurança, com e como todos os cristãos, sejam eles próprios o pão partido e repartido pelos irmãos para que o mundo reconheça hoje novamente o Cristo Vivo e em ação na vida quotidiana. E tal como os dois discípulos de Emaús o reconheceram ao partir do pão, será sempre no pão partido e repartido que Cristo está presente, se faz vivo e se mostra. É na vida diária, seja a distribuir alimentos às irmãs e aos irmãos Sem-Abrigo, seja a acolher migrantes, seja a zelar pela salvaguarda da defesa e da segurança da nação, ou a apoiar na luta contra o famigerado vírus — enquanto doação, ou seja, enquanto existência que se entrega em benefício dos outros — que Cristo ressuscitado mostra o seu coração misericordioso. Porque, como recordava a Segunda Leitura, «não foi por coisas corruptíveis, como prata e oiro, que fomos resgatados… mas pelo sangue precioso de Cristo» (1Pe 1, 18-19). O mesmo é dizer que a vida doada e oferecida salva o ser humano de tudo quanto o avilta e diminui. E nesta pandemia não é diferente, só a vida doada, oferecida e partilhada terá o poder de resgatar da solidão e pobreza em que muitos dos nossos irmãos vivem.

Sejamos, pois, caros irmãos militares e elementos das forças de segurança, como os discípulos de Emaús. Disponhamo-nos a ouvir, no caminho obscuro das nossas vidas, as palavras de Cristo que nos hão de inflamar o coração desolado. E tal como eles, não permitamos que, junto ao anoitecer, se afaste de nós. Convidemo-lo, pois, a passar connosco a noite da vida e comamos com ele o pão que ele mesmo partilha connosco. E quando o dia renascer, regressemos às nossas vidas, cheios daquela alegria que só amor nos pode dar, partilhemos com os outros o mesmo pão que Ele nos havia dado, transformando a nossa vida numa refeição eterna da qual ninguém pode ser excluído.

Amen!

+Rui Valério

Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança