Este Domingo, dia 29 de agosto, vai ficar gravado na história de Paço, Freguesia de S. Bartolomeu dos Galegos e Moledo, Concelho da Lourinhã, devido à inauguração e bênção de um Memorial aos Combatentes.

Fotografia: União de Freguesias de São Bartolomeu dos Galegos e Moledo

O cerimonial contemplou dois momentos fundamentais: às 15h30, Missa Campal presidida pelo Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança, concelebrada pelo Pároco, Pe. José Luís, e pelo Pe. Carlos Caetano – Diretor Nacional de Missão e Migrações em Paris. Estiveram presentes o Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã; a Presidente da União de Freguesias de S. Bartolomeu dos Galegos e Moledo; o Chefe da Casa Militar da Presidência da República, Vice-Almirante Sousa Pereira; o Vice-presidente da Liga dos Combatentes, Major-General Fernando Aguda; o Comandante da Escola de Sargentos do Exército, Coronel José Simões; os Núcleos da Liga dos Combatentes de Peniche e de Torres Vedras (Lourinhã), entre outras entidades civis, militares e policiais e às 16h45 bênção do Memorial, pelo Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança, e inauguração; seguindo-se diversas intervenções e Homenagem aos mortos em combate.

Transcrevemos a Homilia proferida por D. Rui Valério na Celebração Eucarística.

1. “Só onde existe memória, também existe esperança. É o sentido do passado que sustenta a construção do futuro” escrevia S. João Paulo II. E hoje, acolhemos da história a magnitude dos atos heroicos dos Combatentes de todos os tempos; daqueles que a partir das frentes de batalha suportam o presente e projetam o futuro. Celebramos acontecimentos, mas igualmente atos e sobretudo pessoas. Em homenagem, em reconhecimento, mas também em oração e louvor. Por isso, estão connosco todos os Combatentes que, no Campo da Honra, derramaram a sua vida por um mundo livre e mais justo; ofereceram a sua vida por todos nós. A nossa atitude é certamente de reconhecimento, mas também de admiração, porque todo o Combatente sabe que em todas as batalhas há vencedores e vencidos e o simples facto de as enfrentar, na incerteza do desfecho, já revela carácter e grandeza; ao mesmo tempo está consciente de que o conquistado triunfo nunca lhe pertence, torna-se património da Pátria e da humanidade. Ele apenas é um humilde servo que alcança o êxito que a todos pertence.

2. Perante os atos heroicos dos nossos Combatentes e das vicissitudes humanas vividas nas Batalhas em que foram chamados a lutar e até a derramar o próprio sangue, confesso que me sinto sem palavras à altura dos seus feitos e desse acontecimento incontornável no devir da nossa história. Por isso, me socorro da Palavra Divina que escutámos e que, providencialmente, constitui uma preciosa gramática do que celebramos.

3. “Agora escuta, Israel, as leis e os preceitos que vos dou a conhecer e ponde-os em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor,” (Dt 4, 1) ouvíamos na primeira leitura (cf Dt 4,1-2.6-8). Escutar e pôr em prática quanto determina o Senhor Deus é o caminho e a condição para entrar na posse daquela terra, daquela terra que se afigura Pátria. Por isso, tanto o seu nascimento como a sua consolidação dependem largamente da capacidade dos seus filhos atuarem na escrita senda de uma vontade superior, no cumprimento do desígnio divino, que brota e situa-se além dos desígnios humanos. Na disponibilidade a essa grandeza reside o timbre do verdadeiro Combatente que protagoniza um sentido de obediência além do contingente e do efémero, pois é praticada na escuta e no cumprimento do plano de Deus para a humanidade. Os nossos Combatentes seja de ontem, sejam os de hoje não agiram e não agem determinados por desígnios feitos segundo as medidas humanas, nem se orientaram por critérios plasmados por nenhuma mente criada, mas atuaram e atuam obedientes à voz de Deus que ecoava nas suas consciências e seus corações e era a palavra divina que os impelia a avançar e a dar a vida por Portugal. Sim, a raiz da grandeza de uma ação é dada pela medida da palavra que a inspira, e o heroísmo de um gesto praticado é determinado pela excelência dos propósitos que o motiva. Nos Combatentes essa Palavra, esses propósitos estão bem plasmados e identificados: á a Palavra de Deus que suscita capacidade de ser trigo dado à terra para morrer e dar a vida pelos irmãos e por Portugal.

4. Irmãos, duas anotações: a primeira é que nos sentimos interpelados a acolher a Palavra de Deus e a nos deixarmos por ela guiar; a segunda é que devemos pedir para que hoje não falte quem, em Portugal, estabeleça a medida das suas ações segundo as coordenadas de Deus e não de acordo com interesses humanos mesquinhos e muitas vezes obscuros. A Pátria, como maravilhosamente exprime Miguel Torga é “gostar de uma nesga de terra debruada sobre o mar”, forma para sublinhar o carater transcendente e superior da Pátria. Entra-se nessa nesga de terra como dom, como oferta que, no entanto, é preciso fecundar com os gestos, as obras e os combatentes fecundaram a Pátria com o seu próprio sangue. «Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descem do Pai das luzes» (Tg 1, 17)

O Evangelho (cf Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23) contém um maravilhoso hino ao essencial e é uma ode à coerência. Atualizando-o para os nossos dias: que virtude existe em cultivar a boa aparência, usar roupas de marca, fazer operações plásticas para promover a imagem, quando a sua vida, do ponto de vista ético, não passa de… lixo? Qual o sentido de possuir um guarda fatos digno de modelo de passarela quando os seus atos são corrupção, mentira, engano? E não tem sido essa a desgraça deste país? Nos últimos anos, os desvarios mais hediondos não têm sido praticados precisamente por quem investe no charme, na boa aparência, e que, no entanto, não hesita em praticar atos que põem em xeque tantos cidadãos e contribuem para a desgraça da Nação?

Os Combatentes, quase por inerência do destino, têm sempre um aspeto nada atraente: desde o rosto que mostra as marcas do sofrimento, de noites não dormidas, de banhos não tomados, e até de fome subida… possuem, contudo, uma interioridade brilhante, são homens e mulheres de alma pura, de consciência embebida em sentido do dever, de coração disponível a dar a vida pelos portugueses e pela Pátria. Coerentes, honestos, verdadeiros, autênticos, dispostos ao sacrifício pelos outros, nunca desistem do bem, do bem mais para os outros, do que para eles próprios. Eles são farol para hoje.

5.Os muitos que derramaram sobre o seu sangue nos campos da honra, bem como aqueles que aí verteram a própria vida foram heroicos combatentes, que travaram sempre, e contemporaneamente, Batalhas em três frentes distintas.

a. A mais evidente das frentes é, sem dúvida, a bélica. Defrontando a incerteza do desfecho de batalhas atrozes, o Combatente iluminado pelo vigor do patriotismo e pela força da fé não hesita em se identificar com o pequeno David face ao gigante Golias, e certamente procura configurar-se a Cristo que não vacila face à crueldade da Cruz do Calvário. E é exatamente nessa disponibilidade ao sacrifício que se torna evidente a corajosa bravura e a abnegada entrega destes homens, cuja glória reside no facto de, ancorados à rocha segura que é Deus, permanecem firmes na dureza da peleja, quando, por vezes, se torna claro um desenlace porventura letal.

b. Mas todo o Combatente, no desenrolar da tormentosa batalha, não se confronta apenas com um inimigo externo. Todos têm de enfrentar os seus demónios interiores. Dois deles, constituem as outras duas frentes com que se veem obrigados a confrontar-se: a descrença e o desespero.

Descrer de si próprios, do seu valor, de toda a possibilidade que o futuro possa oferecer reduz o ser humano a um mero objeto sem dignidade. Quantas batalhas perdemos na vida por não acreditarmos em nós mesmos, nas nossas capacidades, no nosso valor enquanto pessoas? Porém, todos os nossos heroicos combatentes desde São Mamede, de Ourique, de Aljubarrota, a La Lys, passando por África, Ásia e América, até aos atuais campos da República Centro Africana, do Afeganistão, ou do Iraque, ou Mali, ou no Golfo da Guiné sempre acreditaram e acreditam até ao fim e esse é um dos mais honrosos aspetos da sua glória. Decerto, para todos chega o momento de se perguntar “onde está Deus misericordioso e bondoso, esse Deus protetor, esse guardião do ser humano?” Muitas das respostas terão sucumbido com eles no terror do campo de batalha. Mas o facto de lá terem permanecido e permanecerem até ao limite das suas forças diz bastante acerca da sua crença em si próprios e da sua fé em Deus que, apesar das aparências, jamais abandona o ser humano quando este tropeça junto ao abismo da morte.

c. À terceira frente de batalha — a do desespero —, responderam e respondem os nossos soldados com a seiva da esperança, que corria e corre nas veias da alma com a mesma prontidão com que pronunciam o seu “sim” à chamada para o serviço. E se a esperança projeta o ser humano no futuro e o faz confiar num amanhã possível e radioso, como foi e ainda é possível, perante as adversidades, manter essa chama acesa?

É possível graças à convicção de que a existência de cada um faz parte de um todo bem maior do que o indivíduo e de que o sacrifício da própria vida pode fazer sentido, quando há futuro para os outros em relação a quem se foi solidário até à dádiva da própria vida. E os valorosos soldados sabem que Portugal há-de permanecer para lá da sua morte e, eventualmente, graças à sua morte. A esperança, toda a esperança tem um carater transcendente porque orientada sempre para um futuro absoluto, não efémero ou transitório, que só em Deus encontra abrigo definitivo. Para lá da morte, ainda cintila uma pequena luz que aos olhos da fé é dado apenas entrever.

E é assim que, parafraseando Camões, os nossos Combatentes “se foram da lei da morte libertando e podem ser recordados pelos seus concidadãos por causa da valentia, da coragem, da confiança e da esperança que a sua persistência tão eloquentemente manifestou.”

Que Nossa Senhora e São Nuno de Santa Maria nos protejam, acompanhem e conduzam pelas estradas do serviço e da santidade. Amen!