O Presidente da Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização, D. Manuel Linda, presidiu, no passado domingo, 18 de Outubro, à Missa do Dia Mundial das Missões, na paróquia de Carnaxide, em Lisboa, transmitida pela TVI.

Na sua homilia, apelou a uma organização da Igreja em Portugal à “maneira missionária” e disse que o sínodo dos bispos sobre a família, que decorre no Vaticano, «não é um duelo» entre «conservadores» e «progressistas».

Concelebrou o bispo de Zaria, na Nigéria, D. George Jonathan Dodo, uma das zonas mais massacradas pelo fundamentalismo islâmico.

De seguida, apresenta-se a homilia pronunciada.

 

Missões: lembrar à Igreja que a sua condição é «em saída»

Permitam-me que comece com uma nota de bom humor. O grande general Alcibíades, governador de Atenas, que viveu cerca de quatrocentos anos antes de Cristo, deixou-nos um texto que, traduzido para português corrente soa mais ou menos assim: “O meu filho mais novo tem um poder incrível. Basta dizer que é ele quem manda na mãe, e que esta, por sua vez, manda em mim, em mim que mando em todos os atenienses”. Sim, como no caso da criança, por natureza, consideramo-nos o centro do mundo e queremos que todos girem à nossa volta.

Com Jesus, é o contrário. Ele coloca os outros em primeiro lugar. Ele faz do serviço fraterno o verdadeiro centro de gravidade. Por isso pode afirmar: “Quem, entre vós, quiser ser grande, torne-se servidor dos outros; quem quiser ser o primeiro, faça-se escravo. Vede o exemplo do Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos” (Mc 10, 43-45).

De facto, o Filho do Homem, Jesus, é exemplo e modelo: vai ao encontro das necessidades dos outros e cura as doenças, dá pão a quem tem fome, dá vida aos mortos e transforma a água corrente em vinho bom, expressão da alegria e da felicidade que hão-de chegar a todos; presta os serviços mais humildes, a ponto de, na última ceia, se pôr de joelhos e lavar os pés aos Apóstolos; tudo faz com extraordinária paciência, suportando as incompreensões dos discípulos, as investidas dos escribas e fariseus e até o iníquo julgamento de Pilatos. Mas é modelo, fundamentalmente, ao mostrar-nos a sua infinita capacidade de amar, como expressão concreta do ser amoroso de Deus Pai. Por isso, compreende-se bem a síntese que de Jesus fez S. João, preâmbulo necessário para se perceber o relato da Paixão: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo” (Jo 13, 1).

Nos dois mil anos de história da nossa Igreja, multidões incontáveis apreenderam este amor de Jesus e responderam-lhe com um outro amor que, frequentemente, atingiu o heroísmo e o martírio: os Apóstolos edificaram a Igreja com o seu sangue; não obstante a debilidade humana, inúmeras pessoas de todas as idades e condições caminharam tão afincadamente para o horizonte de Deus que são mesmo enormes santos, com ou sem canonização; e hoje, não obstante a diferença de intensidade, cerca de dois mil milhões de cristãos procuram responder à barbárie com a elevação de vida, ao ódio com a benevolência, às dores dos outros com a proximidade caritativa. O que é verdadeiramente notável, pois num mundo que se rege pelo princípio do “sai daí que eu quero esse lugar bom e eu tenho mais força do que tu”, há tantos que contrapõem: “Fica com esse lugar para ti que eu ligarei a minha vida à vida dos mais pobres dos pobres, dos que vivem na noite contínua, pois ainda não possuem a luz da fé que é Jesus Cristo”.

Ora, é precisamente aqui que se inserem dois dados que, no dia de hoje, não podemos ignorar: o Sínodo sobre a Família e as Missões. Quanto ao Sínodo, diria que não está em causa –nem poderia estar- mudar qualquer aspecto doutrinal sobre o matrimónio. O que se pretende é que, com a condução sábia e generosa do Papa Francisco, toda a Igreja tome consciência de que, tal como no princípio, têm pleno cabimento as palavras orientadoras de Jesus: “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores” (Mc 2, 17). Igreja de Deus, como dás seguimento concreto a esta linha orientadora que vem desde a tua fundação?

Quanto às Missões, a problemática é muito semelhante. Os missionários não se fabricam por encomenda: os missionários surgem espontaneamente quando as paróquias, as comunidades crentes, os cristãos no seu conjunto forem capazes de proceder a esta passagem mental e existencial do indiferentismo ao amor, do «não te rales» ao compromisso, da «vontade de poder» à imolação por razões válidas, de uma religiosidade pietista a uma militância destemida, do domínio ao serviço, enfim, de uma crença adormecida e escondida a uma fé assumida e inegociável. É a problemática do Evangelho de hoje: a reviravolta, que só Jesus Cristo sabe fazer, do ficar «sentado, no reino, um à direita e outro à esquerda», como desejavam os irmãos Tiago e João, até ao “beber o cálice” e “sofrer o baptismo” que eleva do homem natural ao homem espiritual.

É, em síntese, quanto nos ensinam dois documentos fundamentalíssimos para a actividade missionária da Igreja: o Decreto “Ad gentes”, do Vaticano II, aprovado há 50 anos, e a Carta Pastoral dos Bispos portugueses intitulada “Como eu vos fiz, fazei vós também. Para um rosto missionário da Igreja em Portugal”, que faz cinco anos. A respeito do primeiro, do Ad gentes, seja-me permitido transcrever o que aprovaram os cerca de trezentos participantes nas recentes Jornadas Missionárias 2015: “A missão acontece na experiência de Cristo no meio de nós; a Igreja é missionária na sua natureza e, como tal, quando falta a missão, não há Igreja; a pastoral nas paróquias só se entende se organizada de maneira missionária; a finalidade da missão é fazer discípulos; os caminhos da missão terão que passar pelo testemunho, caridade e diálogo”.

Igreja que estás em Portugal, organiza-te de maneira missionária e verás que muitos dos teus problemas se ultrapassarão. Verás que a «missão no exterior» só gera ânimo para a «missão no interior»; que o Sínodo não é um duelo entre os ditos conservadores e progressistas, mas a resposta ou não aos desafios dos sinais dos tempos; que a pretensa «sensatez» no acolhimento aos mártires do nosso tempo, especialmente aos do Médio Oriente, não pode ficar refém de temores de quem possa vir no meio deles, mas é tarefa urgente que se nos impõe em nome do humanismo e da fé; enfim, que uma religião tíbia e burguesa, há-de dar lugar, profeticamente, à fé evangélica.

Que Deus nos ajude.

+ Manuel Linda