No passado domingo, 25 de novembro, no Mosteiro dos Jerónimos, participamos, com grande júbilo, na Ordenação Episcopal do recém eleito Bispo da Diocese das Forças Armadas e de Segurança.
No final da Cerimónia, D. Rui Valério dirigiu-se à imensa multidão que enchia a Igreja de Santa Maria de Belém.
Transcrevemos a sua alocução.
Em hora tão sublime e cheia da glória de Deus, como esta que estamos a viver, sinto-me tocado pela Graça do Alto e impelido a proclamar com o Senhor Jesus
«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres.» (Lc 4, 18)
Conduzido por esse Espírito e iluminado pela Sua luz, dirijo o meu olhar para a história e reconheço que o Rosto de Cristo se revela e subsiste no rosto dos irmãos e das irmãs, de quem me quero aproximar. Na Eucaristia já todos nos encontrámos em Cristo, enquanto comensais do mesmo pão e participantes do mesmo mistério; mas porque a vida apenas tem encontros e tudo o resto são descoincidências, quero ir ao encontro de quem comigo percorreu ou vai percorrer troços de história, de vida ou de missão.
Saúdo o senhor Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente, agradeço as palavras da homilia e o modo como me comunicou a decisão do Papa Francisco de me nomear Bispo. Há muito que tenho o privilégio da sua amizade. Com muitos outros, agradecemos-Lhe o contributo que tem dado à teologia em Portugal, ao reintroduzir ou recuperar a sua dimensão sapiencial, condição para se construir a ponte entre cultura e evangelização.
Saúdo o Senhor Ministro da Defesa Nacional, Doutor João Gomes Cravinho. A presença de Vossa Excelência nesta celebração enche-me de alegria, ao mesmo tempo que revela o apreço e o reconhecimento do Estado português em relação à Igreja e para com a ação que esta desenvolve no seio da sociedade e, concretamente, no âmbito das Forças Armadas. Desde as origens de Portugal que existe uma saudável relação entre Estado e Igreja, baseada no respeito mútuo que foi e continua a ser um dos alicerces da nossa nacionalidade. A laicidade do Estado, aliás, não inviabiliza nem atenta contra a recíproca cooperação. Por isso, Senhor Ministro, pautarei a minha missão segundo o espírito de uma leal colaboração.
Saúdo o Senhor Ministro da Administração Interna, Professor Doutor Eduardo Cabrita. Agradeço a presença de Vossa Excelência, que me traz grande regozijo ao mesmo tempo que acresce o meu sentido de responsabilidade para com um setor vital da sociedade portuguesa, que são as Forças de Segurança. Apresento-me como um leal colaborador, sempre disponível a cooperar para alcançar o bem comum. Este é, aliás, um objetivo igualmente partilhado tanto pelas Forças de Segurança como pela Igreja: procurar e promover a dignidade das pessoas, proporcionando-lhes os requisitos para alcançarem uma vida conforme à sua condição de cidadãos, através da segurança, garantida pela ação dos Agentes de Segurança, e através da apresentação de Valores assentes na solidez do Absoluto, além da contingência histórica, anunciados e promovidos pela Missão da Igreja.
Saúdo o Senhor D. Manuel Linda, meu predecessor na Diocese das Forças Armadas e de Segurança. O acolhimento e o modo como me recebeu foi sempre acompanhado de total disponibilidade para ouvir as minhas muitas perguntas, responder às minhas inquietações e dúvidas. Obrigado, Senhor Bispo, e obrigado também pelo maravilhoso apostolado e trabalho pastoral que desenvolveu na Diocese Castrense.
Saúdo o Senhor D. Januário Torgal Ferreira, que foi meu Bispo em duas ocasiões. Com o Senhor D. Januário aprendi muito: a afirmação constante do primado da pessoa humana e a promoção da sua dignidade são marcas que deixou e que continuarão a ser referência para quem quer e ousa ser cultor de humanidade.
Saúdo todos os Senhores Bispos, agora meus irmãos no episcopado. Tocou-me a Vossa solicitude e a Vossa alegria para quem chegava de novo. O testemunho do Vosso amor à Igreja, Povo de Deus, e ao Santo Padre, acompanhado de uma total dedicação ao Reino de Deus, são sinais visíveis da presença e da ação do Espírito Santo. Que o Senhor e a Virgem Santa me concedam a graça de estar à altura da vossa estatura de pastores e bispos.
Saúdo o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, Senhor Almirante António Silva Ribeiro que tenho a honra de conhecer há já alguns anos, desde os tempos de capelão na Marinha. Agradeço a gentileza das suas felicitações pela minha nomeação e a cordialidade com que me recebeu nas Forças Armadas. Confesso que me senti novamente em casa. Admiro o modelo de liderança que tem praticado e transmitido e que assenta na confiança e na responsabilidade. E gostaria de deixar aqui um agradecimento pelo exemplo que tem sido para tantos, jovens e menos jovens, e também para mim, de nunca ter deixado de cultivar o amor pelo estudo e pela investigação. Isso explica, além do mais, a tão merecida recuperação da memória da figura histórica incontornável do Padre português Fernando Oliveira.
Senhor Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, a presença e o trabalho dos Capelães nas Forças Armadas, ao longo do tempo, são a melhor garantia da nossa total dedicação à Missão de colaborar sempre com o Comando. Pode continuar a contar com a nossa cooperação e com a minha em particular.
Saúdo o Chefe de Estado Maior da Armada, Senhor Almirante António Mendes Calado e, na pessoa de Sua Excelência, toda a Marinha, que foi minha casa e minha família durante alguns anos. Da Marinha recebi mais do que dei: como Capelão do Hospital da Marinha, recebi, sobretudo dos Militares da Velha guarda, o testemunho de abnegada dedicação e da honra no servir. Aí constatei o sentido da Memória, qual alicerce sobre o qual se pode construir o futuro. Depois foi a Escola Naval e a experiência dos embarques que me mostraram que ser miliar é, fundamentalmente, uma vocação, um chamamento, que nasce na pessoa, começa a amadurecer, ao mesmo tempo que vai plasmando no caráter os traços da virtude e dos valores. Com as mulheres e os homens da Marinha, que “honram a pátria para que a pátria os contemple”, também eu procurarei esse singular “Tallent de bien faire” para viver na excelência da minha prestação.
Saúdo o Chefe de Estado Maior do Exército, Senhor General José Nunes da Fonseca, e, com Sua Excelência, todas as mulheres e homens que servem no Exército português. Foi através do curso para Capelães que frequentei em 1992 na Academia Militar que entrei na grande família Militar. Para quem, como eu, transitava diretamente do Seminário e de uma Universidade Pontifícia para o Quartel, a passagem colocou-se não sob o signo da rutura, mas na senda da continuidade. A referência aos valores era tão natural que depressa compreendi estarem entranhados nos que serviam Portugal.
Permitam-me evocar uma figura que nesse ano de 1992-1993 tive o privilégio de conhecer, o grande General Temudo Barata, Cristão e Militar que serviu o seu país até ao fim. Nele prevalecia a síntese perfeita entre a fé vivida, a fé praticada e testemunhada e a sua condição de comandante de homens, de estratega (era de Artilharia e tinha sido um dos responsáveis pela defesa antiaérea de Lisboa). Granjeava respeito pela coerência e pelo humanismo. Conheci-o já ele estava na Reforma e colaborei com ele quando tinha a seu cargo o grupo de Jovens da Paróquia de S. Vicente de Fora. A grandeza do seu caráter e da sua estatura assentava na intensidade com que vivia a sua relação com Cristo, sobretudo na Eucaristia, que era, como ele gostava de dizer, o primeiro ato oficial do seu dia-a-dia, porque nunca ia para o trabalho sem antes ter tomado parte no banquete do Senhor.
Senhor General, fiz esta evocação apenas para dizer que a santidade é uma vocação e um ideal que existe, e como!, nas nossas fileiras. O que coloca alto a chama da missão de mim, como Bispo, e dos Capelães.
Saúdo o Chefe de Estado Maior da Força Aérea, Senhor General Manuel Teixeira Rolo. Na pessoa de Vossa Excelência cumprimento todos os membros da Força Aérea cujo espírito de camaradagem é lendário. Uma camaradagem que se traduz na mística da fraternidade solidária que leva a que os desafios de um sejam partilhados por todos. Isso confere autenticidade a quem faz do «À menor solicitação» lema e princípio de vida que, também eu, assumi como próprio há já muito tempo. Convosco o viverei e para vós o porei em prática, como para todos a quem sou enviado como Bispo.
Saúdo o Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, Senhor Tenente General Luís Francisco Botelho Miguel. Na pessoa de Vossa Excelência envio as mais calorosas saudações a todos os militares da GNR. Caminho convosco e convosco me entrego, “pela lei e pela grei”, para oferecer o melhor à sociedade, garantindo que todos sintam a segurança da sua integridade física, moral e espiritual. De facto, a Guarda é um fator humanista de civilização. Pode, Senhor Comandante, contar com a minha cooperação. Como vós, também eu sou vosso companheiro de estrada a caminhar sob o estandarte da Padroeira Nossa Senhora do Carmo.
Saúdo o Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, Superintendente-Chefe Luís Manuel Peça Farinha e, na pessoa de Sua Excelência, saúdo todos os Agentes de Segurança de Portugal. Admiro e comungo da vossa dedicação “pela ordem e pela Pátria”. A Polícia tem como missão promover a justiça e é um dos principais garantes da sua prática e atuação na sociedade. Por isso a sua ação e presença é decisiva a uma sociedade assente no Direito e na Justiça. Senhor Diretor, dou-lhe a minha palavra de que estarei disponível para uma total cooperação.
Saúdo o Senhor Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional, Doutor Alberto António Rodrigues Coelho. Agradeço a presença de Vossa Excelência, bem como a cordial disponibilidade em me acolher. Levando à prática o apelo do Mestre e Senhor Jesus, de pôr a render os nossos talentos, colocarei os recursos pastorais e evangélicos, próprios de um Bispo e Capelão, ao serviço dos recursos da Defesa Nacional.
Saúdo a Liga dos Combatentes, na pessoa do seu Presidente, Excelentíssimo Senhor Tenente-General Joaquim Chito Rodrigues.
Saúdo e cumprimento os excelentíssimos senhores autarcas presentes: Da Câmara e Assembleia Municipal de Ourém, Da Câmara Municipal de Odivelas; Da junta de Freguesia de Urqueira, e Junta de Freguesia da Póvoa e Olival Basto.
Saúdo os meus Caríssimos confrades monfortinos e, na pessoa do Padre Santino Brambilla, toda a família monfortina.
Saúdo todos os irmãos padres das dioceses onde servi: de Lisboa, de Beja, de Leiria-Fátima.
Saúdo os caríssimos Padres Capelães Militares que servem nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança. Antes de mais, deixai-me manifestar a minha felicidade por voltar, novamente, a colaborar convosco, agora investido de outras responsabilidades. Agradeço o vosso testemunho evangélico e a dedicação com que cumpris a missão que a Igreja vos confiou e que, tanto Forças Armadas como Forças de Segurança, esperam de vós. Sempre estivestes à altura. Sei que o Bispo, sozinho, nada pode ou pode pouco. Juntos e em comunhão, poderemos construir verdadeiras comunidades e anunciar o evangelho. Somos herdeiros de um património de santidade e de humanismo que tantos padres Capelães nos deixaram. Permiti fazer apenas uma referência que a todos certamente marcou, o Capelão Manuel Amorim. O seu amor ao apostolado castrense como padre levava-o a fazer-se tudo a todos para conquistar alguns para Cristo. Que ele interceda por nós, pela nossa diocese, por todos, homens e mulheres que servem nas Forças Armadas e Forças de Segurança.
Saúdo a minha família. Os meus pais, a minha irmã, os tios, os muitos primos que hoje aqui quiseram estar comigo a partilhar esta hora de graça. Mas hoje a minha memória vai também para aqueles que já partiram para a casa do Pai. À família agradeço, antes de mais, a naturalidade como me transmitiram a fé e o sentido de Deus. Tão natural que, em pequeno, ouvindo o testemunho apaixonado da minha avó Júlia acerca das aparições de Fátima (ela tinha estado na Cova da Iria a 13 de outubro de 1917) até cheguei a julgar, não sem razão, que Nossa Senhora era uma pessoa da família… A família transmitiu-me a proximidade de Deus, de Cristo e de Nossa Senhora. A ela devo também o valor e o sentido do trabalho.
Saúdo e agradeço as Paróquias onde servi: as paróquias do concelho de Castro Verde – Casével, Entradas, São Marcos da Ataboeira, Santa Bárbara de Padrões; ali vivi a fascinante experiência do renascimento da igreja. À Paróquia da Póvoa de Santo Adrião e à comunidade do Olival Basto: obrigado por tudo o que me deram. Devo-vos muito do que sou como padre. Destes-me o sentido da missão.
Finalmente, agradeço a confiança do Papa Francisco ao pensar neste pobre e humilde servo para uma missão tão exigente, que me foi comunicada por Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Núncio Apostólico, D. Rino Passigato, a quem saúdo e tudo agradeço. Respondi com a solicitude que a Palavra de Deus nos ensina: “Senhor, nas tuas mãos está a minha vida.” O facto de estarmos em Ano Missionário ajudou-me a identificar o propósito do Santo Padre – ser sempre missionário da Misericórdia e do Amor de Deus. E que a minha ordenação episcopal seja nesta Igreja de Santa Maria de Belém, cuja história tão aliada está à epopeia missionária de Portugal no mundo, é um dado da Providência: se outrora daqui se partia para levar o evangelho até aos confins da terra, hoje, também eu me sinto um enviado com o sonho missionário de chegar a todos.
O Evangelho apresenta uma personagem, um Centurião, que é sempre uma fonte de inspiração para a missão da Igreja nas Forças Armadas e Forças de Segurança. Dele são as palavras: «Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu teto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado.” (Mt 8, 8): quando solicitava a Jesus a cura do seu servo e não se sentia digno de O receber em sua casa.
E, no Calvário, junto à Cruz, olhando o Crucificado exclamou: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!» (Mc 15, 39)
Em ambas as circunstâncias sobressai o que de mais nobre carateriza aquele homem que, enquanto Centurião, é Militar e garante da Segurança. Em primeiro lugar a humildade – “Senhor, eu não sou digno…” e no Calvário, junto ao Crucificado que era um condenado à morte, o Centurião revela, ousada e destemidamente, outra faceta extraordinária que é o amor à verdade e a coragem de a dizer. De facto, ao afirmar que Cristo é o Filho de Deus, poderia ter posto em causa não só a sua carreira, mas também a sua vida, uma vez que Jesus tinha sido condenado precisamente pela afirmação da sua condição divina.
Estas qualidades positivas de humildade, de amor à verdade e coragem de a proclamar, reveladas pelo Centurião, despontaram no contexto do seu encontro com Jesus Cristo, quando o Militar entra em comunhão com o Filho de Deus e acredita n’Ele. Encontro aqui inspiração para o ímpeto missionário que deve animar a ação pastoral da Diocese Castrense: ser geradora e promotora de encontros de todas e todos com Jesus Cristo, para que deste encontro brote a fé e sejam cimentados, na formação do próprio caráter e nas ações de vida, os valores do Evangelho.
+ Rui Valério