HOMILIA NA 38º PEREGRINAÇÃO MILITAR NACIONAL A FÁTIMA
Sexta-feira, «Sagrado Coração de Jesus»
Caros Irmãos em Cristo
1.Fátima, na sua mensagem e mística, tem uma forte ligação com a vocação e missão Militar e Forças de Segurança, revelando-nos quanto a defesa e salvaguarda da paz e segurança das pessoas e do mundo estejam enraizadas no desígnio salvífico de Deus para com a humanidade. O que atravessa toda a mensagem que Nossa Senhora, aqui na Cova da Iria, foi desvelando nas sucessivas aparições e comunicando aos pastorinhos e ao mundo é um forte zelo pela paz entre as nações e povos, e pela segurança das pessoas e comunidades. Com o vosso operar e agir, estais, pois, em conformidade com os desígnios do Altíssimo. Nossa Senhora esclarece aqui, em Fátima, o caráter transcendente da defesa da paz e da implementação da segurança. Assim, descobrimos que quem se sente chamado a responder ao apelo para salvaguardar a vida das pessoas e incrementar a concórdia entre as nações situa-se na esteira de uma vocação que não brota apenas de razões sociais ou históricas, nem tão-só patrióticas, mas afunda as suas raízes na própria vontade de Deus.
Sim, Nossa Senhora é, de certo modo, como aquele Pastor do salmo que nos conduz à água refrescante das fontes da nossa existência e missão, recordando-nos a nossa razão de ser e o sentido do nosso agir: somos chamados a realizar um dos principais momentos do grande desígnio da salvação do mundo que é a promoção da paz e da segurança. Viver para a paz e para a segurança coloca o militar e o agente de segurança na senda de uma eleição de caráter transcendente. Apelo, pois, para nunca deslocarmos o nosso olhar desse sublime horizonte. Ele motivar-nos-á, ele confortar-nos-á, ele será a verdadeira resposta que, muitas vezes, se afigura oportuna, cabal e decisiva. Não são só razões históricas ou epocais a ditar o sentido das Forças Armadas e de Segurança, pois essas são efémeras, transitórias e contingentes, ao passo que a integridade do ser humano e a dignidade de cada pessoa são bens perenes, sempre válidos, inquestionáveis, o que confere aos arautos da sua defesa e salvaguarda uma índole quase sagrada.
2.Nossa Senhora, olhando para o mundo dilacerado pela guerra, revelou a necessidade inadiável de estabelecer uma aliança, manifestando os seus dois polos essenciais: por um lado, a garantia da paz próxima em tempo tão conturbado e, por outro, o compromisso do ser humano, sobretudo do crente, em satisfazer as condições essenciais para o fomento da paz entre os homens de boa vontade.
“Rezem o terço, todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra.” Convida e convoca Ela a humanidade.
De que aliança se trata? A aliança referida pela Virgem Maria estabelece a relação entre a paz, o fim da guerra e a oração. É uma nítida referência à relevância da vida interior e da vivência da espiritualidade. A paz, o fim da guerra, exímia especialidade dos Militares e Forças de Segurança, não brota apenas do esforço da ação, nem do emprego de sofisticados meios técnicos, nem tão-pouco da aplicação de bem planeadas estratégias, mas remete-nos para a necessidade, tanto do soldado, como do polícia, tanto dos militares como dos agentes de segurança, de cultivar uma incansável vida espiritual, uma dimensão interior. «Rezai e alcançareis a paz» exprime, para nós, a envolvência do nosso ser interior naquilo que fazemos e perseguimos. A nossa ação, desenvolvida no dia a dia, ou realizada onde somos chamados a intervir, é mais, muito mais do que o mero cumprimento do que é ordenado; ela resulta e brota de uma vitalidade interior, sistematizada em padrões inspiradores que estruturam o nosso agir exterior. O Papa Francisco, constatando a disseminação da fadiga e do cansaço que hoje se vai aninhando nas mais variadas formas de vida e nos mais diversos setores sociais, diagnostica: «O problema não está sempre no excesso de atividades, mas sobretudo nas atividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne desejável.»[1]
3.Na leitura do evangelho que acabámos de ouvir, a parábola apresenta-nos uma figura, a do Bom Pastor, que não só nos vem inspirar como vem secundar quanto dizemos.
Fixando o nosso olhar penetrante nos movimentos dessa personagem, providencialmente oferecida como paradigma e modelo neste dia do Sagrado Coração de Jesus, constatamos que aquilo que realiza exteriormente, as suas ações, acaba por ser a luminosa corporização do que se vai processando dentro de si, no seu Coração de Pastor. Nesse plano interior, encontramos o oásis e o motor do seu agir. Na fonte dos seus movimentos está uma dinâmica espiritual. Como disse o Papa Francisco na ONU: “A paz, vós o sabeis, não se constrói somente por meio da política e do equilíbrio das forças e dos interesses. Ela constrói-se com o espírito, as ideias, as obras da paz.” Nunca, como hoje, uma época marcada por um rápido progresso humano, tem sido tão necessário o apelo à vivência espiritual porque é a partir dele que floresce a consciência moral do homem. De facto, o perigo não vem, nem do progresso, nem da ciência, que, bem utilizados, poderão, pelo contrário, resolver um grande número de graves problemas que assaltam a humanidade. O verdadeiro perigo está no ser humano, que dispõe de instrumentos sempre cada vez mais poderosos, aptos tanto à proliferação da ruína como para às mais elevadas conquistas. Então, acatamos quanto disse Papa São Paulo VI «o edifício da civilização moderna deve construir-se sobre princípios espirituais, os únicos capazes não apenas de o sustentar, mas também de o iluminar e de o animar. E esses indispensáveis princípios de sabedoria superior não podem repousar senão na fé em Deus.»[2]
Na fonte dos comportamentos do bom Pastor, encontramos um único princípio que se especifica em variadas ações. O gesto de deixar as noventa e nove ovelhas no deserto, de se fazer ao caminho em busca da única que se perdeu até a encontrar, de a colocar aos ombros… são tudo expressões, manifestações, concretizações do seu mundo interior, biblicamente identificado com o coração, que representa o amor. Aqui, o amor faz-se gesto, torna-se ação. Esta é a peculiaridade do Bom Pastor. Também os Militares e as Forças de Segurança, enquanto arautos da paz e da segurança, devem ser reconhecidos não só pelo que fazem, pela materialidade das suas ações, mas também por aquilo que os move, pela força interior que os mobiliza tanto para os campos da honra como para as frentes de defesa do bem comum e da segurança dos cidadãos.
Deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que anda perdida, até a encontrar: Eis o eloquente retrato bíblico de um Deus que zela pelo bem-estar e pela felicidade do ser humano. Um Deus cujo Amor o impele a deixar no deserto as noventa e nove ovelhas para ir à procura da que se havia perdido. Para Ele, tem tanto valor, tanto peso, tanta importância uma multidão de gente como uma única pessoa! Vale tanto uma pessoa como a humanidade inteira.
Mas esta é também a atitude dos que fazem da sua vida uma dedicação à defesa e proteção de todas as vidas. Não há vidas mais importantes do que outras, nem a quantidade é critério. Uma só pessoa, seja quem for, mesmo a mais perdida, é digna de merecer o risco de vida por que passa o Militar ou o agente de segurança em ordem a garantir a sua integridade física e psíquica. Toda a vida conta e conta por igual. E hoje queremos recordar, homenagear e rezar por todos e todas que no campo da honra deram a sua vida pela vida dos demais; derramaram o seu sangue pela libertação do povo.
A segunda atitude que o evangelho relata é tão eloquente quanto a primeira. Quando o Bom-Pastor a encontra, põe-na alegremente aos ombros e trá-la de regresso ao campo onde a vida plena é possível. A Bíblia não cessa de nos referir que a alegria é um atributo próprio e pertinente de Deus. A sua alegria é a luz e o fulgor da beleza do mundo. O próprio São Paulo dá disso mesmo testemunho quando nos transmite a seguinte frase do próprio Jesus: «Há mais alegria no dar do que no receber». Proporcional à alegria é o serviço e ajuda aos outros. Nada corrompe tanto a alma e tanto a envelhece como as rugas do individualismo. Por isso, é genuína a alegria deste pastor por ter encontrado quem estava perdido e tê-lo carregado aos ombros até ao campo espiritual onde a vida é possível.
Hoje, sentimos que o peso que carregamos não é apenas proporcional ao número dos que temos de transportar sobre os ombros da nossa coragem, em virtude de estarem feridos e quantas vezes também desanimados. As Forças Armadas e Forças de Segurança transportam sobretudo o peso da responsabilidade de ser, nestes tempos de neorrelativismo, um dos poucos redutos morais e um já muito raro baluarte ético. Não nos pesa a tarefa de marchar e caminhar carregando a defesa da paz e da segurança, tal como não nos custa transportar, pela estrada da história, os valores que o bem comum de uma sociedade saudável exige. Sim, é esta disponibilidade que dá sentido à vida e à missão das Forças Armadas e Forças de Segurança.
Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós.
[1] Evangelii Gaudium, 82.
[2] Papa Paulo VI, ONU 1965