A situação pandémica que agora vivemos impediu que as tradicionais cerimónias da festa de Nossa Senhora da Saúde se realizassem, nomeadamente a majestosa procissão, onde as Forças Armadas e as Forças de Segurança de Portugal têm um papel relevante. Esta devoção foi instituída em 1570 pelos Artilheiros de S. Sebastião, como Ação de Graças a Nossa Senhora depois de um surto de peste contido.
Esta manhã, 9 de maio, na Capela da Senhora da Saúde, Martim Moniz, celebrou-se a Missa, presidida por D. Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança, em que se recordou a Proteção que Nossa Senhora concedeu a Lisboa, na peste de 1570 e também nesta pandemia, materializada “em muitos gestos de serviço, em muitas palavras de conforto, em muito sentido de responsabilidade“, como referia, na sua homilia, o Bispo Castrense, onde agradecia a Nossa Senhora “a esperança que nos alimentou de alento, de coragem e de fé“, porque, “sempre soubemos que, tal como em 1570, Ela protegeu Lisboa da peste, assim em 2020 e 2021 nos ia proteger da pandemia“. A celebração foi transmitida pela TVI.
HOMILIA NOSSA SENHORA DA SAÚDE
NO VI DOMINGO DO TEMPO COMUM, ANO B
Caros irmãos,
1. A Palavra de Deus, com o batismo de Cornélio com todos os da sua casa, como é dito na primeira leitura (At 10, 47), abre com um hino à universalidade da salvação: toda a humanidade é chamada a ser salva. Homens e mulheres foram criados não para se perderem, ou destruírem, mas para serem salvos. Esta perspetiva e certeza, em larga medida, contrasta com a perceção dada pela pandemia ao longo dos últimos tempos que quase nos fazia crer que o mundo estava condenado.
É certo que nunca a chama da esperança esmoreceu completamente, antes manteve-se sempre acesa. E por isso, hoje, a primeira palavra de gratidão a Nossa Senhora da Saúde é para lhe agradecer essa esperança que nos alimentou de alento, de coragem e de fé. Sempre soubemos que, tal como em 1570, Ela protegeu Lisboa da peste, assim em 2020 e 2021 nos ia proteger da pandemia.
2. Com a mesma confiança dos nossos antepassados que na tragédia de 1570 outorgaram a Nossa Senhora da Saúde a proteção da cidade, também nós há um ano atrás, nesta mesma Capela, colocámos sob a proteção da Senhora da Saúde toda a sociedade portuguesa, e a vida de quem serve nos hospitais, nos lares, nas casas de repouso, nas Forças Armadas e nas Forças de segurança. E hoje estamos aqui para agradecer, reconhecidos a proteção de Nossa Senhora da Saúde, que se materializou em muitos gestos de serviço, em muitas palavras de conforto, em muito sentido de responsabilidade.
2. A salvação, como destino fundamental da humanidade, que hoje decalcamos da Palavra escutada e que reconhecemos ativa na história, é sempre obra de Jesus. Por isso, só aquilo que for pedido em Seu nome será concedido, como afirma o Evangelho. E porque fora de Jesus Cristo não há salvação, tem sido admirável, ao longo deste último ano, contemplar a Sua criatividade salvífica em ação no mundo. Por Maria Lhe agradecemos a misericórdia de fazer deste mundo um lugar onde se pode ainda sonhar com a redenção porque é um lugar onde o amor existe.
3. De facto, a Salvação é obra do amor de Deus que vence o mal e vence a morte, resgatando a humanidade para uma vida nova. E enquanto no coração dos homens e mulheres existir a força e a sabedoria do amor há esperança de que o mundo está salvo. E nós somos testemunhas de como no meio de tantas dificuldades se têm mantido acesa a chama do amor na solidariedade, na abnegação e na coragem.
E tal como, na Anunciação, a Virgem Santíssima foi Aquela que ofereceu o seu «sim» para a vinda do Messias, em nome e para o bem de toda a humanidade, assim também agora Nossa Senhora da Saúde foi e é Aquela que garante, promove e sustenta a presença do amor que salva.
A Palavra que em Maria se fez carne, oferece-nos a radiografia desse amor salvífico:
4. Amor é Ressonância, Eco, Repercussão. «Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei.» (Jo 15, 9) Há um misterioso excesso na atuação do amor que reenvia para além de si. Quem ama o seu próximo, aqui e agora, faz eco, de uma ação que tem as suas raízes no além do tempo, no Alto, porque todo o amor vem de Deus. E também Nossa Senhora diz a cada um de nós: «como estive sempre junto a Jesus, até nos momentos mais dramáticos e dolorosos da sua vida, também estarei sempre convosco»; «como procurei o meu Filho, também não desisto de ir à tua procura sempre que te sintas perdido»; «como, em Caná, soube antes de todos que faltava algo de essencial, também enxergo o que faz falta à tua vida, e à vida do mundo.»
5. O amor é uma Decisão: «Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor». (Jo 15, 10) Guardar os seus mandamentos exige tomar a decisão de assumir os próprios critérios de Deus como guia da nossa vida. Nossa Senhora assumiu esses critérios, e foi por eles que regeu os seus passos. «Faça-se em mim segundo a vossa palavra» respondeu Ela ao divino mensageiro e tornou-se proximidade de Deus junto de nós.
6. O amor é Doação. Do ponto de vista cristão, deve acontecer ao jeito de Jesus, ou seja, através da dádiva da própria vida: «amai-vos uns aos outros, como eu vos tenho amado» (Jo 15, 12). Ao longo deste ano de pandemia, o mundo tem sido como um barco a enfrentar uma temível tempestade. Têm-se revelado fraquezas, mas também méritos e virtudes. Têm-se revelado fraquezas, mas também méritos e virtudes. Têm emergido sobretudo gestos heroicos de serviço e de entrega para socorrer e salvar os irmãos. Mulheres e homens que se tornaram no braço operacional da Senhora da Saúde no meio mundo.
Aos pés da Cruz de Jesus, Nossa Senhora carregou o peso do sofrimento de mãe a participar na crucifixão do próprio Filho, agora deu a todos nós a força para suportar o peso da dor desta pandemia. Como Mãe da Igreja, Maria Santíssima quer confortar sempre os seus filhos nos momentos de maior dificuldade e sofrimento. E esta Cidade, bem como o País inteiro, recebeu muitas e frequentes vezes o socorro materno de Nossa Senhora da Saúde. Portanto, também hoje, nós confiamos à sua intercessão todas as pessoas e as famílias das nossas comunidades, sobretudo as que se encontram em situações de maior necessidade.
4. Amar é uma Práxis, um Fazer: “fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça.” (Jo 15, 16) E “Jesus passou pelo mundo fazendo o bem” (At 10, 38). Nos últimos tempos, o mundo, tornou-se num laboratório onde se ensaiou com sucesso a aplicação do Amor, do serviço, da solidariedade como medicinal para as pandemias que o afligem. Para os problemas surgidos, a Senhora da Saúde, indicou-nos o remédio e apontou para Jesus que nos oferece o balsamo do amor como o decisivo fármaco para curar os males da humanidade. E fá-lo de forma concreta e singular:
1. Em primeiro lugar, escuta-nos, ouve as nossas súplicas. A sua disponibilidade para nos ouvir é total. Foi a Ela que apresentámos o grito da nossa dor e Ela atendeu-nos, porque a sua vocação é escutar no silêncio, e muitas vezes o nosso clamor é silencioso e fala pelas lágrimas escorridas no rosto. Com a sua escuta, exerceu a vocação de Senhora da saúde que nos curou da experiência amarga de não termos a quem falar, a quem apresentar e dirigir as nossas súplicas, a quem abrir o grito dilacerante da nossa aflição.
2. Em segundo lugar, transmite-nos a necessidade da nossa disponibilidade para recebermos o Espírito de Deus. Como podemos ouvir na leitura bíblica, “O Espírito desceu sobre todos os que estavam a ouvir a palavra.” (At 10, 44) O texto refere-se ao Espírito Santo que desce sobre quem escuta a Mensagem da salvação. Esse anúncio da boa-nova de Deus é sempre ocasião para que o Espírito seja derramado sobre os corações. Orígenes dizia que “a Palavra de Deus está imbuída de Espírito e quem se alimenta da Palavra embriaga-se do Espírito”. Maria Santíssima exerce a missão de Senhora da Saúde também com a sua Palavra. Palavra que tem capacidade curativa, sarando as feridas da alma e do espírito e também da existência amarga porque a sua palavra é a ressonância da Palavra que Ela acolheu e que, na presença de Isabel, suscitou vida. A palavra de Maria, que tem força para nos confortar e dar alento, é a palavra da disponibilidade para aceitar a mobilização do Espírito Santo quando este desce sobre Ela e sobre todos os cristãos.
3. Em terceiro lugar, Maria gera o Filho em nós: “Assim se manifestou o amor de Deus para connosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito” (1Jo 4, 9) Com Maria vivemos o eterno envio do Filho de Deus ao mundo. Ele nunca cessa de vir até nós. E esta vinda acontece sempre por Maria. São Luís de Montfort diz, a este respeito, o seguinte: «Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo e é também por ela que deve reinar no mundo» (VD 1). Nossa Senhora está indissoluvelmente ligada à parábola da vinda de Jesus até nós. Ele é o seu maior dom.
Obrigado, Nossa Senhora da Saúde porque nunca nos privastes de Cristo, nem nunca Ele nos faltou, mas sempre caminhou, sofreu e exultou connosco. Amen!
+ Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança