«A criação encontra-se em expetativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus» (Rm 8, 19)
A Encíclica Laudato Sí continua a ser a força inspiradora para a mensagem do Papa. Respeitai e convertei a criação! Reparai a criação! Francisco convida-nos a não desperdiçar “este tempo favorável” da Quaresma. Ao desejar que tornemos este tempo favorável, a Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) elabora um conjunto de propostas que deixa à consideração dos cristãos e de todos os homens e mulheres de boa vontade.
1. Exploração/respeito pela criação
Etimologicamente, a palavra “respeito” corresponde à «ação de olhar para trás: consideração, atenção, acolhida, refúgio». Que fizemos da criação? O ser humano não é o senhor absoluto da criação, usando-a apenas em benefício próprio. Vivemos na permanente ameaça das alterações climáticas causadas pela sofreguidão dos homens e das mulheres. Quem paga são os mais pobres, os menos protegidos, os mais vulneráveis. Estamos a transformar o jardim do Éden num deserto.
Prevalece a lei do mais forte sobre o mais fraco. Citando o Apocalipse o Papa afirma que a própria criação pode também “fazer Páscoa”: abrir-se para o novo céu e a nova terra (cf. Ap 21, 1). Trabalhemos para a Páscoa da criação.
2. Balancear Individual/coletivo
Urge ultrapassar «comportamentos destruidores do próximo e das outras criaturas – mas também de nós próprios –». A nossa sociedade individualista inscreve em nós uma auto-centração levando-nos a esquecer a nossa “circunstância”. Num movimento narcísico de contemplação de mim próprio/a esqueço o perigo de me deixar apaixonar pela minha imagem. Esqueço a real interdependência de todos os seres humanos. O “Outro” compele-me, responsabiliza-me, ajuda-me a descentrar de mim próprio. Partilhemos, «na alegria de um coração purificado». Sejamos solidários e partilhemos o que temos. Dar esmola para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos.
3. Direitos/responsabilidades
Este eu “autocentrado” esquece que não há direitos sem responsabilidades. Celebramos muito justificadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Reafirmamo-la, mas ainda estamos longe de a cumprir em cada ser humano. Cedemos “à exploração da criação (pessoas e meio ambiente), movidos por aquela ganância insaciável que considera todo o desejo um direito e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por destruir inclusive quem está dominado por ela” – afirma o Papa. Esquecemos que não há direitos sem responsabilidades. E a responsabilidade implica a atenção desvelada ao outro, a solidariedade, o movimento de apagamento da minha necessidade imediata para que o outro possa também usufruir da vida tal como eu usufruo.
4. Frugalidade/consumismo
A mensagem do Papa convida-nos a que reaprendamos o sentido do jejum. Jejuar, segundo o Papa é «aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de “devorar” tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração».
Somos bombardeados pela publicidade. No Natal passado gastámos como há muito tempo não gastávamos. Pensamos que a felicidade está no consumo e consumimos desenfreadamente em busca de sentido, caminhando de desilusão em desilusão. Centramo-nos na satisfação imediata. Francisco fala «de uma intemperança, levando a um estilo de vida que viola os limites que a nossa condição humana e a natureza nos pedem para respeitar, seguindo aqueles desejos incontrolados». Como passar para o outro lado? Para o lado de uma partilha responsável, de uma atenta solidariedade, na consciência de que os bens são limitados e devem ser distribuídos por todos. Como levar uma vida mais frugal naquilo que comemos, que vestimos, no lazer, nas coisas que temos? Como sermos frugais na competição desenfreada que nos consome? Como “emagrecer”? Como ultrapassar esta lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais? Como ensinamos a frugalidade aos nossos filhos? Como dar lugar ao Ser em vez do Ter?
Minimalismo aparece como uma nova palavra, principalmente entre pessoas que já se cansaram do consumismo desenfreado e agora prestam um pouco mais de atenção a coisas que o dinheiro não pode comprar, como a satisfação com a vida e a felicidade. Nesta Quaresma prestemos atenção a esta palavra e pensemos como podemos ser “minimalistas”.
5. Fechamento/Hospitalidade
Assistimos a um fechamento de fronteiras, a Europa isola-se nas suas muralhas intransponíveis. Constatamos, impotentes, o reacendimento de movimentos nacionalistas. Face a estes movimentos, os cristãos são convidados à hospitalidade. S. Paulo, na carta aos Hebreus lembra: «Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela, alguns, não o sabendo, hospedaram anjos». Hospitalidade implica receber o outro como igual: no acolhimento do outro eu aprendo a reconhecer-me a mim próprio/a. A hospitalidade é incondicional e implica uma disposição interior aberta e irrestrita. Criemos cadeias de solidariedade includentes, abertas aos migrantes, aos refugiados que buscam uma vida melhor e mais segura. No acolhimento do outro eu aprendo a reconhecer-me a mim próprio/a. Deixemos que uma hospitalidade global prevaleça no nosso quotidiano.
6. Política/Serviço ao bem público
Política tem a sua etimologia na palavra polis, que significa cidade. Torna-se necessário aprendermos a viver na polis, na comunidade. A política quer dizer servir o bem público, o bem de todos. Constatamos como a corrupção – na política como em outros setores – mina qualquer sociedade democrática. Participemos na política, mas de um modo diferente, porque, enquanto cristãos, queremos ser responsáveis pelo bem comum, pela partilha de bens e recursos, pela salvaguarda do interesse colectivo. Construamos alternativas de participação. Na «alegria de um coração purificado» trabalhemos para uma política limpa, transparente, cristalina como um espelho.
7. Rezar!
Entrar no deserto. Saborear o silêncio. Parar para contemplar. Respirar simplesmente. Deixarmo-nos invadir pelo belo, pelo bom, pelo justo. Permanecer em atenta escuta, olhando o horizonte mais amplo das nossas vidas. Balbuciar o nome de Deus, do inominável. O Papa convida-nos a «restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos, através do arrependimento, da conversão e do perdão». Que sentido tem o perdoar em tempo de Quaresma? Que entendemos por reconciliação? Rezemos uns pelos outros. Rezemos pelo Papa. Rezemos pela Igreja. E, sim, ajoelhemos face ao Mistério.
No entanto sejamos alegres. Que ninguém saiba que jejuamos, que nos privamos em favor dos outros. Que a nossa alegria irradie.
«Voltemo-nos para a Páscoa de Jesus!» – interpela finalmente o Papa, «voltemo-nos para o horizonte da Ressurreição». Acreditemos no milagre da Ressurreição. Estendamos a mão ao milagre:
Não deixes o cansaço instalar-se.
Em vez disso silenciosamente
como a um pássaro
Estende a mão ao milagre
(Hilde Domin)