O Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, D. Rui Valério, presidiu hoje, 16 de julho, a Eucaristia evocativa da Padroeira da Guarda Nacional Republicana, Nossa Senhora do Carmo.
Foi no Porto na Igreja dos Clérigos.
Transcrevemos a sua homilia.
Caros irmãos
1.“Junto à cruz de Jesus estava a Sua Mãe”, ouvíamos no evangelho proclamado (Jo 18, 20), o que mostra que o lugar preferencial de Nossa Senhora é estar presente junto aos calvários dos seus filhos. Onde há sofrimento, onde a vida se afigura como drama de abandono e de injustiça, encontra-se a mãe de Jesus. Por isso, se é certo que Nossa Senhora do Carmo habita na vida de quem se consagra a Ela e de quem n’Ela confia, essa presença faz-se sentir particularmente nas horas e nos momentos de maior sofrimento e necessidade. A vida dos militares da GNR tem revelado, ao longo da sua gloriosa história, que precisamente nas horas de maior provação se revela a maior aproximação e auxílio da sua gloriosa padroeira. As vicissitudes de maior exigência têm-se revelado lugares não de solidão, mas de aconchego e proteção. Tem sido nos seus momentos mais difíceis e dramáticos que a Guarda toma consciência de que Nossa Senhora não só conhece o que se passa em cada um, mas sabe do que cada um necessita. Por isso, hoje,contemplamos e celebramos uma das fontes da confiança que povoa a alma da Guarda.
Cada militar, na experiência pessoal com a sua padroeira, enriquece-se na grandeza da coragem, na capacidade da temeridade e na força da esperança. Mas é também essa experiência fontal que surge como imperativo que impele os militares da Guarda Nacional Republicana a ser para os demais, a agir para com os outros e a dar à grei o que eles próprios possuem e receberam. Assim, a história da GNR, e concretamente deste comando, tem-se escrito e realizado na senda do humanismo. A presença da GNR neste Comando Territorial, o maior do País, é fator de desenvolvimento humano e promotor da dignidade de cada pessoa. Tornastes-vos para cada cidadão muito mais do que a Autoridade. Vós ofereceis aquilo de que a pessoa, enquanto ser em relação, necessita. Garantis a segurança, sim, mas também protegeis a vida. Restituis alento a quem perdeu toda a esperança e ofereceis presença a quem sofre o peso da solidão. Sois os pés da Senhora do Carmo a ir ao encontro das pessoas; sois as suas mãos que servem, indicam e orientam; sois, hoje, as suas palavras quando comunicais, respondeis ou transmitis o sentido do bem. Sois o seu rosto que reflete paz e serenidade.
2.Mas Nossa Senhora do Carmo, enquanto vossa Padroeira, é fator de Memória ligando o presente às origens, ou seja, ao tempo da afirmação da nossa nacionalidade. O encontro de Nun’Álvarez Pereira, em Moura, com Ela e com os carmelitasfoi tão determinante que se traduziu em veneraçãoe desejo de consagração e honra. Dessa experiência tão imperativa resultaram dois fatores que o marcaram extraordinariamente. O primeiro foi o sentido de auxílio e proteção que Nossa Senhora do Carmo inspirava. O escapulário que reveste a Sua imagem é o símbolo por excelência da sua vocação protetora, defendendo quem se abriga sob a sua força redentora. E São Nuno de Santa Maria elegeu Nossa Senhora do Carmo como patrona dos seus combatentes porque n’Ela poderiam encontrar refúgio, segurança e proteção. Mas, por outro lado, o Condestável ficou igualmente impressionado com o caráter dos carmelitas, homens que, a partir da união com Nossa Senhora do Carmo, teciam as suas vidas com elevação de princípios, pautavam as suas ações na mais rigorosa coerência e agiam sustentados em inquebrantáveis valores morais. Todo este património humano e espiritual foi assimilado pelos herdeiros atuais dessa mística imortal que resiste ao passar dos séculos e que são, hoje, os militares da GNR.
O Comando Territorial do Porto é paradigmático na concretização dessa correlação entre «valores»e «ação». Se ao longo da sua história sempre se sustentou no valor da lealdade à Pátria, no serviço ao cumprimento da Lei e na segurança da grei, nos últimos meses tem-se empenhado na salvaguarda da vida dos cidadãos e na sua proteção contra a pandemia e suas nefastas consequências. Aliás, podemos identificar na ação do maior Comando Territorial do País, que é o do Porto, uma nítida conformidade com a postura operativa da sua Padroeira. De tal modo que visualizamos no seu modus operandi um caráter nitidamente carmelita, concretizável a três níveis:
3. O primeiro é o da solidariedade. Ao longo dos últimos meses, o Comando Territorial do Porto tem ido ao encontro de quem vive isolado e muitas vezes sozinho. Tem tido a capacidade de criar comunhão, de irromper na vida dessas populações como o sol da manhã que enche de alegria e luz a existência sombria de quem está e vive só. Parabéns, Comando Territorial do Porto, por rasgar, com a sua proximidade, o drama da solidão de tanta gente que nem um «bom dia» ouve em muitas semanas. Também Nossa Senhora do Carmo se faz ao caminho para criar presença e companhia na vida de quem necessita.
Esta faceta humanista foi, aqui, igualmente acompanhada pela resposta com alguns bens a carências práticas de muitas pessoas, conseguidos graças à generosidade praticada em muitos postos deste Comando, com a adesão dos seus militares e civis.
– Em segundo lugar, o Comando Territorial do Porto tem garantido a aplicação cabal das regras que regem o combate à pandemia com vista à minimização dos seus dramáticos efeitos. Seja em âmbito rodoviário, seja no da vida das povoações, quer a nível individual, quer coletivo, emergiu a certeza de que a segurança é a condição da salvaguarda da vida, mas também da própria liberdade. Só onde houver segurança existe verdadeira liberdade. E a GNR tem sido o garante desses valores estruturantes da vida social e individual.
– Por fim, permitam que evoque a cultura relativista que carateriza hoje a sociedade. Com o advento do niilismo parece ter entrado na vida de todos nós um «hóspede desassossegado», como lhe chamava Heidegger, o qual corrompe qualquer horizonte temporal, assim como enclausura a pessoa nas malhas da sua contingência e ainda destrói a substancialidade dos Valores. O resultado desta perspetiva é a existência de uma sociedade que já não consegue agir senão ao ritmo e segundo os critérios subjetivos de cada indivíduo.
Ora, os militares da Guarda Nacional Republicana, e concretamente os que servem neste Comando, têm agido como clarificadores sociais por intermédio da relevância ética da sua vida, bem como da sua operacionalidade. Colocar o serviço a Portugal e aos portugueses como objetivo das suas existências, enquanto Guardas, é fator de confiança e afirma-se como razão de esperança. E vós fizestes essa dádiva: sem sequer disso terdes talvez tomado consciência, plantastes nos dias sombrios e incertos do presente, e de cada cidadão, a confiança no ser humano. E isso é inspirador. Como dizia alguém, a força da fé em Deus há de levar-nos a acreditar no ser humano. E constatar a obra do Comando Territorial do Porto oferece razões para a consolidação desta confiança.
4. A primeira leitura (1Re 18, 42-45) falava-nos de uma humilde nuvem a emergir do lado do mar, tão pequena como a palma da mão dum homem, mas dessa nuvem brotaram enxurradas de água. Assim é a Guarda! Da humildade da sua postura, da simplicidade de estar com a grei, brota a imensidão do serviço, da lealdade à Pátria e à Lei, a honra pela defesa intransigente dos cidadãos.Nessa nuvem a emergir nos horizontes da Nação também reencontramos e revemos todas e todos aqueles que serviram na GNR e já partiram para a pátria eterna. A nossa homenagem à glória do serviço a Portugal.
Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós, protegei a Guarda Nacional Republicana e Portugal. Ámen!
+Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança