HOMILIA NA PEREGRINAÇÃO MILITAR NACIONAL A PÉ A FÁTIMA

22-03-2019

Caros irmãos em Cristo!

Como peregrinos, caminhamos com Maria ao longo das estradas da nossa vida trazendo connosco a gratidão e o louvor pelas bênçãos que, por seu intermédio, recebemos da bondade infinita do Pai.

Mas também carregamos as nossas preces e súplicas que a confiança no Alto transformou em abandono e entrega ao Seu amor infinito.

Tudo depositamos aos pés de Maria e sobre o Altar da Eucaristia.

Deus, vinde em nosso auxílio: esta é a invocação que a Igreja dirige ao Senhor quando inicia a sua oração nas diferentes horas do dia. Invoca a sua vinda porque sabe e acredita que Ele vem, pois Deus caminha connosco e para nós. É uma das Suas marcas distintivas: não é tanto o homem que vai à procura de Deus, é mais o inverso: Deus que anda à procura do homem. E tal é revelado logo nas primeiras páginas da Escrituraquando o Senhor perscrutando, no declinar da tarde, o jardim do Éden, chama por Adão e por Eva. E Jesus é o Bom Pastor que deixa as 99 ovelhas no deserto e vai em busca da que se havia perdidoO próprio Senhor faz-se peregrino.“Era peregrino e recolhestes-me” adverte Ele. (Mt25, 35)

Hoje, a Palavra que escutámos é tão bela que contém duas extraordinárias histórias sobre Deus Peregrino:

1 Na linda história de Jacob que manda José, o filho da sua velhice, ir ter com os irmãos que andavam a apascentar os rebanhos em Siquém, Deus revela-se como Pai peregrino que vai ao encontro dos filhos distantes. Em Jesus, Seu amado Filho, fez-se peregrino para ir e chegar a todos, sobretudo aos que estão longe e afastados. Deste santuário digamos ao mundo que Deus quer alcançar toda a humanidade; homens e mulheres, que são os santuários da sua glória. Ele querpreencher o abismo dramático que é o estar longee afastado d’Ele.

Mas há uma outra peregrinação que nos revelaigualmente a Peregrinação de Deus: a de José. Inicialmente apresentado como um filho amado, vem depois designado como o homem dos sonhos e, por isso, fica condenado à morte, pelos próprios irmãos; mas um deles quer livrá-lo para orestituir novamente ao pai e José acaba vendido a uns mercadores que o levam para o Egito...

Um ser humano feito mercadoria, peça, objeto de comércio... Um ser humano, uma pessoa, que passou de bem-amado para acabar objeto de comércio. Um ser humano que, por uns, évendido, por outros, é comprado… Com tristeza constatamos que hoje ainda é este o caminho quealguns são obrigados a percorrer. Ainda hoje, na Europa e até em Portugal, há pessoas, gente reduzida a objeto de mercado. Que tem um preço. Um preço que é determinado pelo que produzem; um preço determinado pelo que dão a lucrar; um preço determinado pelo que consomemMulheres e homens, pessoas, mas reduzidos a mercadoria, como José.

Não tenhamos medo nem vergonha, mas ousadia e confiança para peregrinar sobre a estrada da Justiça e alcançar essas irmãs e irmãos que constituem verdadeira glória de Deus e restituí-los à verdadeira liberdade de Filhos amados do Pai,peregrinos do Senhor, de sua Santíssima Mãe na libertação dos seus amados filhos e filhas.

Não sucede só com o homem! Por vezes também o Senhor é tratado como o foi José! Trocamo-l’Opor outros bens, desfazemo-nos d’Ele.

Aceita percorrer a peregrinação da conversão: abandona a estrada da indiferença e une-te a Jesus, confia-lhe a tua vida e o teu coração.

2 Deus Peregrino foi também retratado no proprietário que plantou uma vinha e a arrendou a uns vinhateiros. Depois enviou-lhes os servos e,por fim, o próprio Filho.

Deus vem ao nosso encontro para de nós receber algo; não o que é nosso, pois nada é nosso, e, no entanto, para receber de nós! Dá-nos a possibilidade de lhe oferecer, de Lhe dar e entregar algo. Em nenhum outro gesto há tanta grandeza e elevação, realizado pelo ser humano,como no gesto de oferecer algo a Deus. Um gesto comovedor que revela como somos tratados por Ele como “gente adulta, pessoas responsáveis”. Dependemos em tudo d’Ele, mas Ele, qual bom Pai, transmite-nos a mensagem de que peregrina para nós porque espera muito de nós. Diz-nos que não somos verbos de encher, que contamos para Ele, que somos importantes... Se o Senhor Deusnão acreditasse em nós nem nas nossas capacidades, tratar-nos-ia como incapazes e nunca nos viria solicitar os frutos. Mas, mais uma vez,revela-se que somos tratados, por Ele, como pessoas, providas de liberdade, de responsabilidade e dignidade. Deus faz-se peregrino de nós estendendo as suas santas e adoradas mãos, para de nós receber os frutos. É extraordinário! Não nos infantiliza, nem nos tratacomo irresponsáveis se pede a quem se acredita que possa dar. E o Senhor acredita em nós e por isso nos pede, tal como nós acreditamos n’Ele e por isso Lhe pedimos. Há pais que, sabendo que os filhos nunca conseguirão produzir nada de relevante, também nunca nada lhespedem… Deus não nos trata desse jeito. Pede de nós, espera de nós, aguarda de nós.

É por isso, também, que Ele aceita o sacrifício do Seu Filho muito amado, tal como aceita a oferta dos nossos sacrifícios, das nossas penitências, das nossas fadigas.

Que Nossa de Fátima nos acompanhe na peregrinação da vida e da santidade. Ámen!

D. Rui Manuel Sousa Valério