28 JUNHO 2020

1. Hoje celebramos o dia da Força Aérea Portuguesa. Fazemo-lo num contexto que é, ao mesmo tempo, singular e trágico pela força e amplitude com que a pandemia da COVID 19 atingiu Portugal e o mundo. E é nesse contexto que exordiamos a nossa celebração, interpretando-o à luz da Palavra de Deus que nos possibilita um novo olhar sobre a realidade, sobre o mundo, sobre Portugal, sobre o ser humano.

Que os Anais vivos da memória refiram que a Força Aérea tem uma história gloriosamente heroica de serviço a Portugal e aos portugueses, na defesa da Pátria e salvaguarda da paz, está assumido. Mas a tragédia da pandemia foi um vendaval que se abateu sobre o mundo. É certo que não o derrubou, mas fê-lo rodopiar sobre si mesmo pondo à mostra os seus alicerces. Também em Portugal os tempos recentes expuseram os pilares que o sustentam. E, apraz-nos constatar, que de entre esses alicerces se destacam as Forças Armadas, logo a Força Aérea. Na turbulência dos dias, onde muitas vezes imperaram dúvidas e incertezas, vimos emergir, os Militares e civis da Força Aérea, como sustentáculo seguro, sólido e firme. Por um lado, a sustentar o peso do combate ao perigo iminente e a lutar para que nenhuma carência afetasse Portugal e os portugueses, e, ao mesmo tempo, a conferir segurança e tranquilidade aos cidadãos. Num espaço e num tempo tão agitados, as Forças Armadas e, portanto, a Força Aérea, bem como as Forças de Segurança, têm sido um abrigo seguro a oferecer firmeza e solidez.

Desde a primeira hora que as Forças Armadas revelaram estar à altura do novo padrão de vida instaurado pelas novas circunstâncias. Quando as diversas comunidades, tanto nacionais como internacionais, se depararam com a iminente ameaça e foi preciso improvisar, enquanto se mergulhava no confinamento, a Força Aérea respondeu com atitude, com ação e com caráter.

1. Com atitude porque não se deixou ensombrar nem pelo medo nem pela incerteza, nem mesmo pela dúvida. Sabendo que estava na presença de um inimigo letal, silencioso e desconhecido, agiu com a confiança de um combatente para o vencer e para neutralizar os seus efeitos sociais colaterais, através da solidariedade e do auxílio a quem necessitasse.

2. Vislumbrou-se também como uma Força de ação, mas de uma ação concretizadora de um programa. Parabéns, Força Aérea, por não terem atuado ao sabor da improvisação, nem da imprudência. Nunca foram a reboque dos acontecimentos, antes, estiveram sempre na sua condução. Percebeu-se que havia um programa, um planeamento que foi escrupulosamente seguido e levado à prática.

A Força Aérea veio demonstrar que, neste momento, em Portugal, as Forças Armadas são uma instituição capaz de conduzir o combate nacional à pandemia e das poucas em condições de o fazer de forma global e sem compromissos ideológicos, estruturalmente assertiva, sem improvisações que comprometam o desenvolvimento progressivo e sem tergiversar para não pôr em risco a credibilidade e a lucidez de quem lidera.

3. Enfim, a vossa foi uma demonstração de caráter porque pautada por valores. E é aqui que a Palavra hoje escutada se faz gramática de vida e de ação para todo o povo cristão.

Primeiro, é de realçar o primado da vida e a prontidão da hospitalidade. Deparávamo-nos, na 1ª leitura, com a relação entre hospitalidade e vida. Foi graças ao acolhimento daquela família de Sunam, que hospedou o profeta Eliseu em sua casa, que o casal se tornou fecundo. Nessa hospitalidade dispensada ao enviado de Deus, aquela família adquiriu capacidade de gerar vida.

A história recente da Força Aérea Portuguesa constitui a história da força fruitiva da vida. Com a sua disponibilidade em alojar pessoas de outras culturas e etnias, as Bases e Unidades da Força Aérea mostraram ser, acima de tudo, um lar, onde todos se sentem acolhidos e são bem-recebidos. Demonstra bem como a sabedoria do acolhimento e da hospitalidade faz com que cada um seja sempre compreendido e aceite na sua singularidade e diferença e encontre força para viver. De facto, até em sentido biológico, a vida só irrompe quando e onde estão reunidas as condições para tal. Também o ser humano é assim: para viver, para emergir como pessoa e se afirmar como cidadão, sujeito de civilização, necessita de aconchego, de compreensão, de aceitação. Só quando alguém é recebido pelo que é sente em si a força e o estímulo para viver.

Em segundo lugar, as leituras expõem a elevação da dignidade. Quando Jesus diz no Evangelho «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim», entende dizer que não ser digno é não estar à altura d’Ele. Não estar ao nível da grandeza da Sua Pessoa, da Sua vida e Missão, plenamente orientadas para a salvação das pessoas. Os autênticos cristãos demonstram que são dignos da vocação a que são chamados, da missão a desenvolver e da grandeza da sua história. Estão à altura das exigências que cada momento coloca ae à altura dos elevados padrões de vida que Jesus apresenta aos seus discípulos.

Em terceiro lugar, o Evangelho define um estilo de ação que assenta na pessoa do outro, enquanto razão de ser e desdobramento da sua realização. Que significado poderão ter as afirmações de Jesus quando diz “quem perde a sua vida por minha causa, há de encontrá-la; quem der de beber a um destes pequeninos por ele ser meu discípulo não perderá a sua recompensa”, senão que é Ele, enquanto Outro, a pedra angular da dádiva da vida do discípulo e da partilha do copo de água? Jesus promove a verdadeira solidariedade, uma autêntica sabedoria de partilha quando, enquanto Outro, é o centro, a referência, a razão do viver e do agir de quem o segue. Também a Força Aérea está vocacionada para ter nos outros a motivação do que faz e do que é. O que realiza, o que desenvolve como missão é sempre pelos outros. Não vive autocentrada em si mesma, mas vive para servir. Por isso, a prontidão na defesa da Pátria é a mesma quando se trata de salvar vidas em risco, seja no alto mar, ou em qualquer recanto do território nacional ou do mundo. Com a mesma bravura com que defende o espaço aéreo, também garante o transporte de órgãos para doentes terminais. A competência na arte de bem voar demonstra-a na proteção da floresta nacional e no combate aos incêndios. Mas Jesus, além de fomentar a descentração de si mesmo, ainda incrementa o espírito da gratuidade. Fazer tudo pelo outro e em vista dele promove o desprendimento em relação às retribuições e recompensas. Servir é a maior alegria para os discípulos de Jesus, como para os Militares.

Em quarto lugar, «quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la». Ao referir-se à doação da vida, Jesus sublinha a causa que a motiva – Ele próprio é essa causa sendo isso que lhe confere a possibilidade de ser reencontrada. Num famoso poema, Ruy Belo escreve «Tem o amor a arte de tornar eterno, aquele que por amor tem de morrer.» Onde reaparece a centralidade do amor como motivo da doação de vida, o qual confere eternidade à vida oferecida e ao sangue derramado. As mulheres e os homens de boa vontade iluminam o sentido da sua existência com a dádiva de vida pelos irmãos e, se necessário, com o derramamento do próprio sangue por eles. E o amor confere grandeza e eternidade à sua vida.

Nesta celebração, recordamos e homenageamos todas e todos os que serviram na Força Aérea Portuguesa e que já vivem na morada eterna do Pai. O Senhor os possua na glória da Sua vida sem fim.

A Força Aérea ensina-nos a viver para o céu. Ao contrário da terra, em que existe o espaço e o tempo, que nos obrigam a pensar e a falar do aqui e do ali e do além; a pensar e a falar igualmente do agora e do logo…. no céu, tais categorias pura e simplesmente deixam de fazer sentido. Não há aqui nem ali, há simplesmente a imensidão espacial; não há o agora e o depois, há uma perpétua eternidade… isto faz dos cidadãos do céu autênticos paradigmas de uma humanidade diferente. As barreiras sociais, políticas e económicas que existem e teimam em subsistir no mundo, derivam das fronteiras e das barreiras próprias da terra e do tempo, mas quando tudo é vivido na senda da eternidade, então essas barreiras deixam de existir, assim como se ultrapassam as divisões… podemos falar de uma identidade de ser humano, de um estilo de humanidade que se plasma a partir do céu: livre, aberta, universal, ecuménica, cujo protótipo foi o próprio Jesus. Colocar essa nova humanidade nos horizontes das mulheres e dos homens traduz bem o que hoje é o desígnio da Força Aérea.

Nossa Senhora do Ar proteja Portugal e a Força Aérea, nos guie e ilumine. Amen!