Irmãs e irmãos,
1. A Palavra de Deus que hoje temos a graça de escutar e acolher inicia de forma bastante surpreendente porque põe lado a lado duas personagens, cada uma delas a exibir a sua riqueza: de um lado, a rainha de Sabá que chega a Jerusalém, movida pela curiosidade de conhecer o famoso rei Salomão, acompanhada por um numeroso séquito e ostentando “camelos carregados de perfumes, grande quantidade de ouro e pedras preciosas.” Do outro lado, está o rei Salomão, cuja principal riqueza é a Sabedoria que tinha pedido e lhe fora concedida por Deus. Também, imediatamente, percebemos como a riqueza da sabedoria é mais importante do que a riqueza dos perfumes, do ouro ou das pedras preciosas. (1Rs 10, 1-10)
2. Contemplando Salomão, encontramos nele a encarnação da sabedoria. Com esse dom, o rei de Israel está em condições de esclarecer qualquer dúvida, de construir maravilhosas edificações e de atuar de acordo com o bem. Por isso, a sabedoria de Deus é integral. Além de ser um “saber”, é principalmente um “saber fazer”, um “saber agir”. Não um agir de qualquer maneira, mas um agir realizado sob a força da impossibilidade de fazer melhor. Nesse sentido, a sabedoria acalenta a possibilidade de realizar a perfeição. Ora isto implica acreditar nessa possibilidade, crer que ela existe e está acessível. E é a este nível que se trava a batalha contra a mediocridade, a qual só será vencida quando, de facto, seacredita na perfeição. Se continuarmos a fazer as coisas apenas porque têm de ser feitas, então nada de importante será realizado. Mas quando assumimos que o nosso modo de viver e de fazer é iluminado pelo princípio da sabedoria, segundo o qual “faço o melhor que é possível ser feito”, então, da nossa ação resultará uma obra de grande valia, atemporal, sublime. Pois bem, o que confere este elevado estatuto às nossas ações e aos nossos gestos — segundo o qual não é possível fazer melhor — é o amor. E encontramos aqui o motivo e a razão pela qual uma obra, ainda que realizada por criaturas finitas, na efemeridade do tempo e na transitoriedade da história, mesmo assim, é perfeita, é metatemporal e universalmente válida, ou seja, quando e porque é feita por amor. O que significa que, quando o amor é a inspiração, a luz e o sentido do viver, ou seja,quando deixa de ser um mero sentimento e se torna princípio de ação, transformando-se numa prática, então é inegavelmente a fonte da sabedoria. Atendendo à humildade da sua vida e ao silêncio dos seus dias, por que razão as obras, ações e palavras de Nossa Senhora são eternas, duradouras e perfeitas? Porque foram feitas e ditas por amor.
3. Compreende-se assim, por que razão a sabedoria do amor se concretiza na realização de três efeitos: a revelação da verdade, a criação da beleza e a ação do bom.
Primeiro, revela a Verdade. “Salomão respondeu a todas as suas perguntas e não houve nada de obscuro que o rei não pudesse esclarecer.” (1Rs 10, 3) A sabedoria do amor traz a verdade à luz do dia, mostra-a, liberta-a das trevas que a mantinha oculta. Por isso, toda a pessoa que acalente no seu coração o amor à sabedoria é um amante da verdade, não a evita, nem foge dela. Hoje, a verdade está tantas vezes condenada a permanecer escondida na escuridão de silêncios calculistas, ou então permanece ocultada sob o manto da gritaria mediática, muitas vezes enganosa. Esta equação entre a verdade e o amor exige hoje, mais do que nunca, ser afirmada porque, se não houver amor,também a verdade será escamoteada.
Em segundo lugar, a sabedoria do amor cria e reconhece a beleza. “Vendo a rainha de Sabá toda a sabedoria de Salomão… ficou maravilhada.” (1Rs 10, 4-5) A beleza é a revelação da verdade, tal como a verdade floresce do amor. Por isso, só um coração que seja abrasado pelo amor estará deveras capacitado para reconhecer beleza em cada ser criado. O amor capacita-nos para criarmos e recriarmos a realidade. Por isso, um coração aberto à luz da beleza nunca deixará de encontrar traços de beleza em todas as formas e condições de vida. Possuirá sabedoria para vislumbrar beleza em todo o ser humano, mesmo no doente e sofredor, mesmo no idoso e desalentado. A sabedoria do amor iluminar-nos-á para construir a fascinante harmonia,integrando na mesma perspetiva de valor todos os seres humanos e formas de vida humana. É por isso que tentar expurgar a sociedade dos seus doentes ou idosos revela não só uma falta de respeito para com o ser humano, que é por natureza propenso à efemeridade, mas também uma total ausência de amor. E é esta ausência que torna o ser humano cego porque, como diz Saint Exupéry, “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.”
Em terceiro lugar, a sabedoria do amor assume-se como princípio do bem e do bom: “É pelo eterno amor que dedica a Israel que o Senhor te fez reinar, para exerceres o direito e a justiça.” (1Rs 10, 9) A capacidade de fazer o bem é uma prerrogativa concedida e possibilitada pela sabedoria do amor. Só a pessoa iluminada por ela acalenta em si o sentido de Deus, mas também o sentido do ser humano. Pois o bem, se por um lado tem uma notável referência a Deus, por outro lado inclina-se para a salvaguarda e promoção da vida humana e da sua dignidade.
4. Portanto, podemos dizer que a Sabedoria do amor é a arte de ser homem, a arte de poder viver bem e de poder morrer bem. E pode-se viver e morrer bem apenas quando se recebeu a verdade e quando a verdade nos indica o caminho para amar e ser amado. Mas também quando, na vida, somos construtores da beleza, operadores da harmonia e quando pautamos a existência pela medida do bem e do bom. Estamos gratos pelo dom de viver na sabedoria do amor que nós não inventámos, mas que nos foi dada, e assim podermos aprender a ser homens justos e retos. Por isso, é de capital importância que, nestas horas tão decisivas para Portugal, se afirme sem hesitação que toda a iniciativa e toda a ação devem estar orientadas para a realização da verdade, permitindo a consecução do bem supremo que é a vida de toda e qualquer pessoa e salvaguardando a harmonia social que se obtém no reconhecimento de iguais direitos e deveres para todos, sem exceção.
5. O evangelho situa na interioridade do homem uma das fontes do mal e do bem: “O que sai do homem é que o torna impuro: porque do interior dos homens é que saem as más intenções: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem do interior do homem e são eles que o tornam impuro.” (Mc 7,20-23) Esta afirmação de Jesus, que atribui à interioridade de cada ser humano a decisão sobre o mal e o bem, comporta a pergunta incontornável sobre o que é que realmente o torna puro ou impuro e lhe permite o estabelecimento da diferença entre o bem e o mal. A resposta depende daquilo que realmente povoa essa interioridade. E aqui tocamos novamente na contemplação do tipo de sabedoria que nos habita. Se for habitada pela sabedoria de Deus, que é a sabedoria do amor, então o interior é puro e as obras que daí advêm são obras de bem, de vida e de justiça, as quais adquirem uma densidade e um valor perpétuos. Pelo contrário, quando a interioridade do ser humano está povoada pela insensatez, e como tal é impura, resulta que as suas ações são tenebrosas e destrutivas; desta interioridade jamais florescerá a felicidade e a alegria. Como disse Jesus no Monte das Bem-Aventuranças: «Bem–aventurados os puros de coração porque verão a Deus», ou seja: a felicidade, a bem–aventurança, só floresce num coração puro. A felicidade é a maravilhosa vocação a que somos chamados, que consiste na perfeita comunhão com Deus, com os outros, com a natureza e connosco mesmo.
Por isso, permiti que faça aqui uma referência aos nossos Militares que integram as Forças Nacionais Destacadas: a vossa missão visa o restabelecimento da paz num cenário exigente e difícil. Nossa Senhora de Fátima crie e conserve em vós um coração puro, porque dessa vossa pureza interior resultarão ações de concórdia, de serviço e de compaixão. Ámen!
+Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança