Celebramos hoje a solenidade da Ascensão do Senhor ao Céu. É, ao mesmo tempo, um mistério próprio da vida de Cristo, mas, também uma referência para nós enquanto ilumina de sentido a nossa vida. Apresenta-se como projeto inspirador para a humanidade construir o mundo segundo os critérios de Deus.

Por esse motivo, elegemos as três palavras-chave que explicitam a Ascensão e em que a mesma se declina. Tais palavras são: “Passagem”, “Elevação” e “Envio”.

A primeira palavra é Passagem: “Jesus passa deste mundo para o Pai” (Jo 13, 1) e, assim, realiza a plenitude da Páscoa. Mas também se dá uma outra passagem, igualmente significativa: com a Ascensão, Jesus deixa de estar presente apenas num espaço demarcado, a Palestina, e passa a estar presente, contemporaneamente, em todo o mundo. Deixa de pertencer a um tempo, cronologicamente delimitado, para passar a ser contemporâneo de todos os tempo e épocas.

É este o perfil profundo da Ascensão: a universalidade da presença de Jesus Cristo. Ele não é uma personagem do passado, nem pertença exclusiva de uma cultura ou nação, mas O eternamente atual e universalmente presente. Por isso, Ele está connosco, sempre, em toda a parte, habita o tempo da nossa história e os lugares da nossa vida.

Hoje, o nosso olhar também se volta para quem fez e faz da sua vida uma continuação dos valores que enaltecemos no Mistério que celebramos: as mulheres e os homens das Forças Armadas que, este ano, se têm distinguido, no território nacional, pelo combate à Pandemia, ao mesmo tempo que, na senda de uma louvável tradição, continuam a constituir as Forças Nacionais Destacadas. Eles são a encarnação dessa presença salvadora de Cristo porque olham para os pontos mais complexos, ameaçadores, perigosos e conflituosos do mundo e ouvem uma voz, um chamamento para irem, destacados, defender vidas e instaurar a paz.

A pandemia tem sido, na verdade, uma violenta tempestade que se abateu sobre a barca do mundo. Expôs vulnerabilidades e fraquezas, mas também, o que é mais importante, revelou as âncoras de Portugal. Essas âncoras são as forças vivas que sustentam o país e mantêm a barca da nação à tona, mesmo quando as águas estão revoltas e agitadas. Aí, entre outros, reencontramos o Exército e as Forças Armadas. Como dizia Fernando Pessoa, elas encarnam a nossa vocação mais profunda que é a de estar no mundo como em casa.” E, nestes meses, as Forças Armadas fizeram do combate à pandemia e aos seus devastadores efeitos a sua nova casa. Estar no apoio a comunidades e grupos vulneráveis tornou-se a nova morada. Como tantos outros, revelaram-se peritos na arte da passagem: passaram da segurança dos quartéis para as exigentes frentes de combate, tanto internamente, enfrentando a pandemia e protegendo comunidades, como externamente, indo para os mais diversos terrenos do mundo para construir a paz. Eles ultrapassaram a rotina quotidiana e escancararam as portas dos seus hospitais e demais instalações para acolher e acudir quem necessitava.

Fazemos memória, sobretudo, dos que, em território nacional, ou nos campos da honra, passaram já para a Pátria Celeste. A eles prestamos a nossa sentida homenagem, certos de que nessa passagem derradeira foram ao encontro de Cristo que os acolheu na sua Glória.

A segunda palavra em que a ascensão se diz é Elevação: “Jesus foi elevado ao Céu”. A Ascensão representa o retorno de Jesus ao seio do Pai, de onde saíra, para vir ao mundo salvar a humanidade, com o sacrifício da sua própria vida. Agora leva em si e consigo essa humanidade redimida e reconciliada, para a restituir ao Pai e afazer participar na Glória, com a dignidade restaurada.

Ser elevado para o alto é um movimento só possível porque, antes, Jesus, desceu. Desceu ao mundo, à condição humana, à Cruz, baixou-se no serviço. São Paulo, no famoso hino da Carta aos Filipenses, diz isso mesmo: “Cristo Jesus, que é de condição divina, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Por isso mesmo – exulta São Paulo é que Deus o elevou acima de tudo.” (Fil 2, 6-9). A humildade, expressa na figura do abaixamento, é a forma do serviço. Cristo elevou-se e elevou-nos porque serviu.

Este mesmo itinerário vem atualizado, de certo modo, pelos Militares. Eles saem dos quartéis, e até de Portugal, para irem servir a causa da vida, da paz e da humanidade. Para restaurar e restituir a dignidade às pessoas e elevá-las na sua condição humana.

A este propósito, partilho um episódio ocorrido na minha última deslocação à República Centro Africana. No encontro com o Senhor Cardeal de Bangui, perguntei-lhe em que projeto nós o poderíamos ajudar com a nossa solidariedade, em que obra poderíamos colaborar. A resposta do Senhor Cardeal foi pronta e incisiva: «Olhe, disse ele, depois de muitos anos de guerra e de destruição nesta terra, agora, graças à presença e à ação dos Militares portugueses, estão finalmente reunidas as condições para levar novamente as nossas crianças à escola”. Onde quer que estejam, os nossos Militares garantem, sim, o presente, o hoje de povos e nações, promovendo a paz, incrementando condições devida, mas também promovem o ser humano, elevam-no, como Cristo nos elevou. Não oferecem só o presente, mas também o futuro, constroem a possibilidade de um amanhã. Tornam-se, assim, arautos da Esperança.

Agradecemos essa chama que ajudam a manter acesa na alma dos portugueses.

Mas apontar para o alto é um movimento que estrutura a vida com uma meta e lhe dá um horizonte. Somos feitos para Deus. É essa a nossa vocação e aí está a realização do nosso ser mais profundo. Como entoa maravilhado Santo Agostinho «Fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti.” (Confissões, I,1)

Tem-se dito que a pandemia nos tornou mais sedentos e famintos. A cultura do mercado interpreta esse desejo no sentido da vontade de consumir em excesso. Se tal acontecer, não nos tornaremos melhores pessoas. Nós não somos feitos para as coisas, sempre efémeras, mas para o Absoluto, e só Cristo sacia a nossa sede e extingue a nossa fome.

Vejo aqui um dos grandes desafios para a Igreja e para as Forças Armadas: indicarem hoje à sociedade o caminho da plenitude, de lhe mostrarem as coisas decisivas e definitivas da vida. Dizer às mulheres e aos homens de hoje que a estrada da vida plena se percorre pelo serviço abnegado aos outros, pelo espírito de sacrifício, pela fraternidade. Esta é a elevação que nos conduz até Deus: servir os irmãos.

Hoje é também o Dia Mundial dos Meios de Comunicação Social e a notícia, a informação que devem ter coragem de transmitir é esta: só Deus nos preenche.

A terceira palavra que o Mistério da Ascensão declina é o Envio: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho”. São palavras de envio e Missão que nos desafiam a fazer do empenho pela paz, da promoção da dignidade humana e do fomento da fraternidade uma vocação, uma razão de ser. Jesus expressa toda a sua confiança em nós, dando-nos a tarefa de prosseguir a mesma obra que Ele mesmo iniciou.

Que o nosso hino de louvor e gratidão, que hoje elevamos ao Senhor, seja por quem fez do serviço a Portugal e aos portugueses combatendo a pandemia, estando próximo das pessoas, apoiando quem necessita e ainda garantindo valores referenciais da existência a causa da sua vida e missão.

São muitos, uma multidão, graças a Deus. Aqui fica hoje a nossa gratidão e ardente obrigado aos Militares.

Santa Maria da Vitória, padroeira desta igreja, tornai sempre vitoriosos os portugueses em todas as batalhas da vida. Ámen!

+ Rui Valério Bispo das FA e FS