Belas, 02 de julho 2020

Caras irmãs e irmãos em Cristo

0. Hoje a Polícia de Segurança Pública assinala, comemora e celebra o dia da sua fundação. É, portanto, um dia de alegria e de esperança.

1. Assinala, porque a PSP, em cada época que atravessa, nunca deixa de colocar a sua assinatura de Força de Segurança; de firmar, em cada situação que enfrenta, o seu cunho de competência e caráter; de imprimir, nos contextos onde atua, a marca dos valores e dos princípios pelos quais se rege. Também agora, no contexto de pleno apogeu da pandemia COVID 19, Portugal e a sociedade portuguesa contam com a marca e a assinatura da PSP. A marca de agir com sabedoria, o cunho de firmeza e dedicação na forma como procede estão a ser bem gravados nestes tempos tão necessitados de segurança. Sendo uma época de movediças incertezas, a presença e o trabalho da Polícia constituem um reduto de proteção, além de representarem uma fonte de serena tranquilidade.

2. Comemora. “Comemorar”, como indica a própria etimologia da palavra, significa «com – juntos, unidos; memorar – fazer memória”, “fazer memória, recordar juntos, unidos”. E é maravilhoso que o propósito deste dia especial seja em conjunto fazer memória dos feitos e empreendimentos da PSP, das suas gloriosas realizações que contribuíram indelevelmente para a formação de uma Nação, mas também para a progressiva formação de uma consciência nacional caraterizada pelos princípios da ética.

Recordamos hoje que a PSP não só promove a segurança dos cidadãos, das cidades ou da Nação, mas também, e tão importante quanto isso, contribui para a formação de uma consciência assente nos valores do respeito pela dignidade de cada ser humano, no valor da sua autonomia pessoal face à tentação de sacrificar a personalidade individual sobre o altar de interesses diversos.

A PSP não cessa de desenvolver ações que são verdadeiras fontes de civilização, como acudir prontamente aos pedidos de socorro ou responder com solicitude aos chamamentos urgentes, pondo em risco, por vezes, a própria vida, ou então não se poupar a esforços para auxiliar abnegadamente cidadãos indefesos, agredidos ou violentados, sem esquecer que, muitas vezes, a simples presença da Polícia garante a liberdade de circulação. Juntos fazemos memória de que ser Polícia significa: nunca hesitar ou recuar. Recordamos que ao longo destes 153 anos de história a PSP sempre demostrou que a vida e a defesa das pessoas vêm sempre em primeiro lugar.

Mas a própria história da PSP é, ela própria, um marco de indelével significado e importância porque testemunha um longo caminho percorrido, enfrentando e vencendo desafios, removendo obstáculos, construindo a sociedade com passos seguros e firmes; enfim, fazendo história. Mas também porque o tempo de mais de século e meio de existência se torna numa fonte de sabedoria, nomeadamente transmite-nos o sentido do relativo.

Com toda a propriedade à PSP se poderia aplicar o que se conta do imperador Carlo Magno que, quando alcançou a veneranda idade de 60 anos — ele viveu até aos 72, para a época uma proeza —, mandou cunhar no seu anel imperial uma frase simples, mas sugestiva: «também isto passará». Assim, quando o monarca estava mais abatido pelas dificuldades da batalha ou pela desolação da derrota, olhava para o anel e lia a mensagem lapidar: «também isto passará». O mesmo quando entrava na euforia dos êxitos e dos sucessos, fixando os olhos no anel encontrava a realística sentença que lhe recordava que também aquilo era efémero.

A PSP tem uma história que já lhe confere legitimidade para poder dizer, face a tudo quanto vive, «também isto passará». E não só pelo movimento imparável do tempo, mas porque o tempo tem revelado que dentro da própria PSP existem forças e energias capazes de gerar fluxos de recriação aptas para tudo vencer e tudo ultrapassar. Ora hoje fazemos «memória juntos», mas, como sempre, também estamos «juntos na memória». União essa que, de facto, habilita a Instituição a produzir, dentro de si própria, as forças que a tornam apta a renovar-se, revitalizar-se, renascer, numa palavra que a fazem ser um corpo policial à altura do tempo em que vive e ao serviço da atualidade histórica.

3. Celebra. Uma celebração só tem encanto e até razão de ser se não for apenas uma mera lembrança do passado, mas também a comemoração da sua atualidade, da sua capacidade de ser hoje e para hoje. É o nosso caso. Celebramos a fundação da PSP porque não é só um facto fossilizado no passado, mas inscrito no espaço e no tempo em que vivemos. De facto, em cada missão executada pelos agentes há como que uma regeneração da própria Polícia. Existe uma dinâmica dentro das ações policiais que são guiadas por valores imortais e princípios de justiça e de direito que geram a sua perpétua contemporaneidade. A passagem do tempo tem contribuido para o crescente rejuvenescimento da PSP que, na fidelidade à sua vocação original, tem garantido a proteção dos cidadãos, das comunidades e de Portugal, tem encontrado permanentemente a receita certa para cada nova época e respondido com a solução adequada a cada inesperado desafio. Os acontecimentos destes últimos meses têm-no confirmado plenamente.

4. A pandemia da COVID 19 tem trazido à luz do dia os verdadeiros alicerces que regem e sustentam Portugal, os pilares que têm dado confiança aos portugueses e promovido um verdadeiro sentido de segurança nos cidadãos. Um desses fundamentais pilares da vida e da Nação tem sido e é a Polícia de Segurança Pública.

Mesmo no meio de um contexto de perigo, onde a ameaça do contágio é real e pode estar em qualquer parte, a ação da Polícia tem não só salvaguardado os cidadãos e a integridade das cidades, como ainda revela uma impressionante capacidade de estimular, na consciência de cada um, o sentido da responsabilidade social.

Quero aqui testemunhar a gratidão de tantos portugueses à PSP pela forma pedagógica como atua. Procedendo dentro de um extraordinário espírito de proximidade, revela-se uma artesã de comportamentos eticamente responsáveis seguidos pela larga maioria dos cidadãos, nomeadamente no que diz respeito à prevenção do contágio. Sem o procurar, a Polícia tem-se assumido como uma escola de cidadania, uma universidade de responsabilidade, um laboratório de uma sociedade mais consciente das consequências dos atos de cada cidadão. Por isso, num tempo tão propício a radicalismos, a Polícia tem desenvolvido ações que visam contribuir para apaziguar certas tendências para a desordem social; tem protagonizado ações decisivamente clarificadoras face à opacidade e à confusão; tem evitado que eventuais e compreensíveis exigências de justiça sejam clamadas na arbitrariedade da rua.

5. A palavra de Deus escutada, vem, também ela, propor uma vida e uma ação cujos destinatários e beneficiários são todas as mulheres e homens de boa vontade.

Na Primeira Leitura, vem retratado o drama de quem é chamado por vocação a proclamar a verdade e a implantar a justiça. A missão de afirmar a verdade, se é incómoda, transforma o arauto num mártir. A verdade, sobretudo se incomoda, pode-se tornar pesada demais para ser sustentada por ombros débeis e fraco caráter. Também a denúncia da injustiça e o incremento da justiça e do direito são atitudes que, normalmente, provocam perseguições e, às vezes, até resultam no sacrifício do Profeta. É que a verdade é amiúde dolorosa, trágica e, por isso, incomoda e a implementação da justiça e do direito embate em muralhas fossilizadas de interesses, de privilégios adquiridos, que são verdadeiros atentados ao sentido de equidade que a justiça pretende promover.

Que São Miguel Arcanjo faça perseverar na PSP o sentido profético de guardiã da verdade, da justiça e do direito! Só uma sociedade iluminada por semelhantes luzes pode prosseguir no caminho da segurança e da prosperidade para os seus cidadãos.

Por seu turno, pode dizer-se que o evangelho retrata bem uma faceta da missão dos homens e mulheres de boa vontade que podemos aplicar à PSP.

Referindo-se ao grupo de pessoas que trouxe um paralítico até Jesus, diz-se que «vendo a fé daquela gente, Jesus disse ao paralítico: “Filho, tem confiança; os teus pecados estão perdoados… (e) Levanta-te toma a tua enxerga e vai para casa.”» A fé transparece nas narrações dos milagres como condição indispensável para Jesus operar a cura ou para oferecer um benefício a alguém. Contudo, nós não sabemos se o paralítico em questão era ou não um fervoroso crente! Do paralítico sabemos apenas que é paralítico. Quem detinha a “matéria-prima” da fé eram «aqueles que o transportavam».

Revejo aqui uma faceta importante do Polícia de hoje. Ao cultivar a prática de valores éticos e pautando a sua vida pelos elevados padrões civilizacionais, acaba por ser na pessoa do agente policial que reside a matéria-prima para a revitalização de uma sociedade saudável.

Por outro lado, o transporte do paralítico sobre uma enxerga por um grupo de pessoas anónimas retrata o que é a missão da instituição policial hoje: são os agentes que transportam, sobre a enxerga da sua dedicação e competência, esta sociedade tantas vezes enferma eticamente e vazia existencialmente, rumo a um sentido que está na descoberta de todos sermos necessários e importantes para todos. São Miguel proteja e guie a Polícia de Segurança Pública. Ámen!

+Rui Manuel Sousa Valério

Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança