As comemorações deste dia da Polícia de Segurança Pública começam com uma celebração eucarística. Não porque a Polícia seja uma associação confessional ou dependente de uma qualquer instituição religiosa. Mas porque, aceitando e defendendo o princípio de uma sadia secularidade, traduzida na separação entre a Igreja e o Estado, os homens e as mulheres que se orgulham de pertencer a este corpo policial reivindicam, com a mesma convicção, a liberdade religiosa e, consequentemente, o direito de crer, viver, exprimir e manifestar publicamente a sua fé. Ou de não o fazer, evidentemente. Por isso, é em estrita legitimidade democrática e na mais profunda expressão dos direitos humanos que ajuntam esta Missa aos actos festivos deste dia, já que a sua fé os leva a marcar os grandes acontecimentos da sua vida pessoal e da Instituição a que pertencem com o timbre daquela espiritualidade que lhes faz levantar o olhar para o Alto, para louvar, agradecer e pedir.
Sim, louvamos a Deus porque a Polícia, enquanto tal, quer aqui, quer nas missões internacionais, em muito tem contribuído para a paz, a liberdade e estabilidade deste mundo no qual nos é dado viver. Agradecemos as incontáveis graças e todo o bem que chegam às vossas vidas, às vidas dos nossos familiares e amigos e a esta força de segurança enquanto tal. E pedimos. Pedimos fidelidade à nobreza do passado e correspondência àquilo que a sociedade tem direito a esperar de vós, nos âmbitos fundamentais da protecção das pessoas e bens e da sua liberdade; pedimos protecção de todo o mal físico, psíquico e moral; pedimos força e luz para suportar as condições adversas nas quais, frequentemente, tendes de realizar o vosso trabalho; e pedimos a graça divina para quantos vos são queridos, particularmente para os vossos filhos, muitos deles a surgir para a vida e que queremos seja uma vida de felicidade, não obstante os perigos que os rodeiam. E pedimos ainda o eterno descanso dos defuntos, sejam os que Deus vos deu como vossos familiares directos, sejam os que também serviram a PSP.
Além de tudo isto que, por si, já seria muito nobre e digno, esta celebração também nos concede pretexto para reflectirmos sobre as implicações da fé na vossa vida e vosso trabalho. Gostaria de contribuir para essa reflexão com um breve comentário a partir das bem-aventuranças, agora mesmo proclamadas no Evangelho.
Na Sagrada Escritura, aparecem frequentes referências a bem-aventuranças. Por exemplo, Nossa Senhora é declarada pela sua prima Santa Isabel como bem-aventurada por nela se cumprir o plano de salvação de Deus para o mundo. Mas todas as bem-aventuranças possuem um denominador comum: têm sempre a ver com um dom recebido, uma correspondência a esse dom do Alto, uma consequente missão e um específico estilo de vida. Esse dom garante e exprime a proximidade de Deus junto de quem sofre, a ponto de esse Deus fazer Sua a causa do carente e do rejeitado. No texto que escutamos, fala-se mesmo em quatro categorias de sofredores: do pobre, do faminto, do perseguido e do aflito. Jesus garante estar do lado deles, não para os manter nessas negatividades ou para lhes dizer que devem aceitar passivamente essa situação, mas para lhes assegurar que Deus toma a seu cargo a sua defesa e promoção. E, por contraste, para lhes garantir que o futuro absoluto não é dos que pensam dominar o mundo pela força do dinheiro, pela arrogância, pela violência e pelo gozo desenfreado, mas precisamente pelos que optam seguir por outras vias: pela não-violência activa, pela misericórdia, pela preocupação pelos outros a ponto de se tornarem obreiros da paz social e pelos que o fazem com total transparência ou limpidez de coração. Isto é, Jesus indica claramente situações que degradam e atitudes que elevam.
Caros membros da PSP, não será difícil retirar daqui fortes implicações para a vossa vida e actividade. Sabeis bem que esta passa, fundamentalmente, por dois momentos: prevenção do mal e repressão do crime. Para isso, tendes leis, regulamentos e normas de actuação previamente determinados. O que é bom. Mas isso não exclui a possibilidade de um modelo de actuação e de um «suplemento de alma» para que aquilo que deve ser uma força libertadora jamais decaia em instrumento de opressão. Para tal, vede a vossa missão como «dom do alto» que Deus faz à sociedade dos homens para que esta seja isso mesmo: harmonia de pares e não imposição da lei da selva. O que implica um estilo de vida que mais se reclama aos agentes de segurança.
Pois bem, como crentes que sois, deixai que vos aponte o modelo de Jesus Cristo. Ele não fez acessão ou diferenciação de pessoas. Mas sempre demonstrou uma especial sensibilidade para com os pobres, os marginalizados, os sofredores e para com todos aqueles que não podiam acompanhar o ritmo da sociedade do seu tempo. Fazei vós de igual modo. E sempre na perspectiva do amor fraterno e da vivência e proclamação daqueles valores que a cultura dominante muitas vezes rejeita: as bem-aventuranças. Para isso, é preciso muita coragem e muita força. É preciso estar possuído do alento da graça de Deus, que se obtém nos sacramentos, na oração, na meditação e na participação na vida da comunidade crente. Não tenhais vergonha desta dimensão religiosa e de a testemunhar com a vida e com a palavra. É por aqui que passa o tal «suplemento de alma» que acima referi.
A vós e à vossa Corporação, encomendo-vos a São Miguel Arcanjo. Que ele vos proteja para que vós nos possais proteger a nós.
Manuel Linda