“Anunciais entre os povos as maravilhas do Senhor” (Sl 96, 3)
Estas palavras, entoadas no salmo responsorial, constituem como que o bilhete de identidade do dia de hoje, Jornada Missionária Mundial: é que, inerente à fé cristã está o desejo ardente de tornar o rosto do nosso Deus, tal como nos foi revelado em Jesus Cristo, conhecido e amado em todo o mundo. Aliás, isso constitui mandato específico do Senhor Ressuscitado: “Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinai-os a cumprir o que vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.” (Mt 28, 19-20). Tarefa que os Apóstolo cumpriram rigorosamente. E que, como tal, viria a constituir-se em sinal identificador da Igreja de todos os tempos: a sua missão, o anúncio com palavras e gestos, constituem o seu tormento e o seu êxito, a sua paixão e o seu zelo, o martírio que lhe advém do trabalho sempre em aberto e a coroa de glória de fidelidade à razão pela qual o seu Fundador a instituiu. Por isso, São João Paulo II definia a missão como “a tarefa primária da Igreja […] o seu máximo desafio […] a primeira de todas as causas” (RM 280). É que, na feliz expressão do Papa Francisco, “a acção missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG 11).
Porquê? Porque a tarefa de ir para e ao mundo –Apóstolo quer dizer precisamente enviado ou missionário- não se origina num projecto humano de proselitismo, muito menos na captação de simpatias para, depois, instaurar um novo colonialismo de qualquer ordem, mas para apresentar Aquele que, uma vez encontrado, nos faz mudar de vida, lhe concede um sentido, nos faz perceber que Deus tem sobre a humanidade um desígnio de amor, que os homens, todos os homens, são irmãos porque filhos do mesmo Pai que está nos céus e que a nossa meta e a nossa salvação é esta bem-aventurança de viver eternamente n’Ele e com Ele. Foi isto que pôs os apóstolos “em saída”. É esta convicção, coerente e vigorosa, que impele os Apóstolos de hoje, os missionários –homens ou mulheres, jovens ou menos jovens, leigos, religiosos ou sacerdotes- a duas atitudes: primeiro, a tornarem-se eles mesmos discípulos do Evangelho que proclamam e a converter-se a ele; depois, a partir para o desconhecido e, lá longe, a viverem como irmãos de gentes de outros povos, culturas, cor de pele e condições económicas quase sempre degradadas, dando, deste modo, o exemplo do que pode e tem de ser um mundo novo. A eles, aos milhares e milhares de missionários e missionárias, particularmente aos portugueses, o tributo da minha imensa admiração e o meu muito obrigado pela forma, não teórica mas vital, como me ajudam a compreender o que é ser Igreja.
Nesta manhã do Dia das Missões, o Papa encerrou o Sínodo sobre a Família e apresentou ao mundo, de maneira oficial, o exemplo de santidade de um dos grandes missionários dos nossos dias: o seu antecessor, Paulo VI. Há nisto uma forte intencionalidade. O Sínodo fala-nos de uma Igreja missionária, em saída, em direcção às periferias da existência daqueles que, devido à sua situação familiar fracassada, se sentiram desamparados pela Igreja. Na fidelidade ao depósito da fé que recebeu do seu Fundador e Guia, a Igreja diz-lhes: «Vinde. Nunca vos sintais escorraçados. Tal como Jesus, a nossa missão é anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos oprimidos pelo desânimo, ajudar a reencontrar a liberdade aos agrilhoados pelos problemas da vida, proclamar um tempo favorável» (cf Lc 4, 18-19).
E a beatificação de Paulo VI indica-nos esta mesma condição da Igreja: fidelidade ao Evangelho e abertura ao mundo. Foi ele, de facto, o grande condutor do Concílio Vaticano II, após a morte do Papa que o convocou: o profético São João XXIII. Foi ele o corajoso timoneiro da barca da Igreja na rota da verdade quando o mar se agitou devido às ondas cruzadas dos extremistas de um e outro lado que reivindicavam a verdadeira interpretação dos documentos conciliares como se o Espírito Santo só os assistisse a eles. E foi ele, ainda, o expoente máximo da abertura ao mundo, ao iniciar as viagens apostólicas, a não ter medo dos grandes areópagos internacionais, a comprometer-se decididamente com o autêntico desenvolvimento das pessoas e dos povos e ao incutir nos crentes a preocupação pela salvação integral, tão bem expressa na sua frase que soou para o mundo precisamente a partir de Portugal, em 1967, na homilia do cinquentenário das Aparições de Fátima: “Homens, sêde homens e fazei vossas as grandes causas da humanidade”.
Caros cristãos, este apelo deve interpelar-me a mim e a vós. Comprometamo-nos, efectivamente, com as grandes causas da humanidade. Até porque, se não o fizermos, outros se comprometerão em pôr o mundo de pernas para o ar. Não ouvimos falar de jovens que se comprometeram na causa da guerra, do assassinato em série, da violência mais animalesca? Os missionários, sim: são uns comprometidos com as grandes causas da humanidade. Deixem que lhes lembre um exemplo. O primeiro de fora de África a morrer vítima desse terrível vírus que é o Ébola foi precisamente um missionário: o padre e médico espanhol Miguel Pajares. Porquê? Não por, casualmente, ter ido passar férias a África. Mas por fazer sua, há quarenta anos, a causa de promoção humana das gentes da Libéria.
Neste Dia Mundial das Missões pede-se compromisso, de facto. É inquestionável que grande parte dos cristãos portugueses adquiriram a consciência de colaborarem materialmente com as Missões. Mas não estará na hora de ir mais longe e passar da entrega do dinheiro à entrega da vida a esta grande causa? Jovens, pensai nisto. E lembrai-vos do que disse o Senhor: “Aquele que conservar a vida só para si, há-de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la” (Mt 10, 39).
Que o Beato Paulo VI nos ajude a compreender isto.
Manuel Linda