Sede imitadores do Senhor” (1Cor 11, 1)

Ao olhar para esta ampla igreja, a maior da cidade de Beja, e ao ver tantas fardas e roupa civil, confirma-se em mim aquilo que já suspeitava: o povo deste Portugal profundo, aprecia, acarinha e sente orgulho nas suas Forças Armadas, aqui representadas no Exército, e este aproxima-se do povo que serve. De facto, o Exército veio celebrar o seu dia a Beja, e este coração do Alentejo sente gosto de se posicionar ao lado dos militares e, com eles, erguer as mãos para dar graças e implorar as bênçãos d’Aquele em quem acreditamos como Pai amoroso e providente. O Exército está com o povo, o povo está com o Exército e a Igreja está com um e com outro.

Dando como suposto que a Igreja acompanha o povo, esteja ele onde estiver, e permanece até ao fim, mesmo que os serviços, as estruturas e os equipamentos públicos se retirem, permitam-me, então, uma especial referência ao acompanhamento espiritual aos militares. A Igreja acompanha os militares em qualquer circunstância. É verdade que, em tempos de paz, este serviço é mais fácil e simpático. Mas também é certo que, mesmo em situações de guerra, os que prestam assistência espiritual sabem compartilhar os mesmos riscos. Estando em Beja, não poderia deixar de recordar o exemplo desse grande herói que viria a ser Bispo desta Diocese: o Padre, mais tarde «Dom» José do Patrocínio Dias, aquele que soube tão bem personificar a assistência aos militares que ficaria para sempre conhecido como o «bispo-soldado». Como é sabido, naquela altura, ele e muitos outros exerceram este ministério com forte oposição do poder constituído, grandemente dominado pela carbonária e pelo republicanismo anti-religioso. Mas as exigências dos militares e suas famílias e os corações sacerdotais destes padres falaram mais alto. E o povo simples, apreciou o gesto, de tal forma que se cotizou para lhes pagar as viagens e oferecer um insignificante «pré» que quase sempre acabava por ficar nas trincheiras, traduzido em guloseimas ou em maços de cigarros, pois nessa altura desconhecia-se o malefício do tabaco.

Nos nossos dias, este apreço da Igreja pelos homens e mulheres que servem as Forças Armadas é bem visível em dois dados. O primeiro, é o facto de os valorizar tanto que criou para eles a estrutura máxima da sua forma de organização: o Ordinariato Castrense, uma verdadeira Diocese pessoal, em tudo igual às outras, com a mesma dignidade e exigências das territoriais. Assim acontece em todos os países que pertencem à NATO, onde o catolicismo é significativo, e assim acontece também em muitos outro países do mundo, mesmo naqueles cujo regime não prima pela simpatia para com a Igreja. Por isso –estou em crer- o Portugal de futuro não irá recuperar a animosidades infelizes do passado. Repare-se que há campos que, ou pela tradição ou pelo que representam de possibilidades de futuro, são muito importantes para a Igreja. Pense-se, por exemplo, na assistência hospitalar e prisional e nas largas dezenas de milhares de jovens do ensino superior: a Igreja dedica-lhes o melhor que pode, mas, curiosamente, nunca lhes criou qualquer estrutura canónica como criou para os militares.

O segundo dado prende-se com a disponibilização de clero. Não obstante a enorme carência de Padres com que os bispos, hoje, lutam em todas as Dioceses do país, tenho encontrado, da parte dos meus colegas, uma enorme abertura para esta causa. Dou um exemplo, para mim muito significativo: esta Diocese de Beja, rica na profissão da fé, em bens culturais e em história, é carente em clero. Não obstante, para além de um que, como ele diz com muita graça, é «o único padre franciscano e alentejano de todo o mundo», disponibilizou dois dos seus sacerdotes para este Ordinariato. Na pessoa do seu bispo, senhor D. António Vitalino, o meu profundo agradecimento à Diocese de Beja que tão bem sabe ser solidária e partilhar os seus magros recursos humanos.

Caros militares, se a Igreja está convosco, não vos peço tanto para estardes com a Igreja, mas com o único «produto» -deixai que use esta linguagem do dia a dia- que ela coloca no mercado global: a santidade da fé. Estas terras alentejanas viram nascer e desenvolver as grandes ordens de cavalaria. Os seus membros eram verdadeiros monges-soldados ou soldados-monges que conciliavam, com naturalidade, as múltiplas orações conventuais com os valores da defesa do território e sua população. Não vos peço, caros militares, para reconstituirdes essas ordens, hoje meramente honoríficas. Mas peço-vos, com toda a convicção, para viverdes a mesma dimensão de fé, de oração, de estilo de vida crente, de prática religiosa e até –porque não?- dos conselhos evangélicos adaptados à vossa situação.

Ainda nos lembramos das leituras que nos foram proclamadas? A primeira e o Evangelho falavam-nos de boas e de más relações quer com os outros, quer com Deus. É o mais comum na história de todos os tempos: tanto heroísmo, tanta dedicação aos outros e a Deus, tanto saber ser «homem» ou ser «mulher» na sociedade. Mas também tanta afronta, tanta baixeza, tanta violência gratuita, tanto individualismo, tanta animalidade. Aos militares e aos civis que me escutam, só tenho uma proposta a fazer, aquela que já foi feita por S. Paulo, na segunda leitura: “Sede imitadores do Senhor Jesus Cristo”. E Ele é o homem completo pelas relações equilibradas em que assentou a Sua vida: relação filial com Deus, a quem chama Abba ou Paizinho; relação de verdadeira fraternidade com as pessoas, de quem se sente, efectivamente, irmão; relação de absoluta superioridade em relação às coisas do mundo, de quem é senhor.

Ele ajude a Igreja a servir mais e melhor os homens e as mulheres do Exército e das Forças Armadas e das Forças de Segurança; e Ele ajude também os militares e os agentes de segurança a uma sempre renovada e cada vez mais intensa fé, traduzida em comunhão de vida com Deus.

Manuel Linda