Caros irmãos em Cristo
1.A pandemia foi como uma tempestade que se abateu sobre o barco do mundo, fazendo-o oscilar e revelando vulnerabilidades e fraquezas. Mas também veio mostrar quais são as âncoras que regem e sustentam as sociedades fazendo com que países e comunidades resistam ao impacto, mantenham-se à tona da água e continuando a vida. O que impressiona e enche de alegria é constatar que essas ditas âncoras são também os vetores fundamentais que regem e inspiram a vida e missão dos Pupilos do Exército. Nessa medida, a pandemia está a confirmar o absoluto valor da orientação dos Pupilos e do seu carisma.
Por razões práticas, podemos identificar em três palavras as âncoras vitais para o mundo vencer a pandemia, que reencontramos na vossa Instituição: saber, caráter e solidariedade.
2. SABER: foi graças à força do saber e do conhecimento que possuímos, desde a primeira hora, as estratégias para nos protegermos do Covid 19, com os famosos 3 Mm’s – máscara, mãos desinfetadas, metros de distanciamento. Também foi a inteligência científica que descobriu, fabricou e administra a tão esperada vacina. Confirmou-se, uma vez mais, que o saber é poder contra as doenças e adversidades.
A centralidade do conhecimento é uma prerrogativa desta Instituição. Nela se focalizam as razões de todos os seus empreendimentos. O saber, o desenvolvimento da inteligência se, por um lado, é das ações mais meritórias da humanidade, por outro lado, é das mais importantes para o desenvolvimento do ser humano na medida em que reside nesse âmbito a excelência da sua identidade. O Instituto dos Pupilos do Exército tem desenvolvido um conhecimento que, na senda das mais augustas tradições académicas, o conecta sem dúvida com as perspetivas mais completas e globais. Assim, ali se promove uma inteligência inclusiva e interativa.
Inclusiva porque alia teoria e prática, o que já Platão propunha como marca para a sua Academia ateniense. O saber, de acordo com o seu sentido mais genuíno, é um «saber fazer»; a assimilação de conhecimento e o desenvolvimento da sabedoria, por força da sua intrínseca natureza, transforma-se em ação e, nessa medida, torna-se uma força interativa enquanto transcende os limites do puro âmbito académico para se tornar um contributo para a sociedade, tendo em vista a resolução de problemas concretos que só um saber técnico consegue solucionar. Mas a inclusão desta inteligência ainda vai mais longe: engloba em si a inteligência afetiva e espiritual. Hoje, de facto, graças à perceção da complexidade inerente aos desafios do ensino, nenhum programa pode prescindir da importância que tem, num processo formativo, quer a história pessoal de vida de cada um, quer o modo como a pessoa gere os impulsos que se abrem à transcendência. E também aqui o Instituto dos Pupilos do Exército cultiva de forma cabal e dedicada essas dimensões da pessoa realizando uma formação integral. É no âmbito destes níveis que tantas vezes se decidem as prestações académicas. Não lhes dar a devida importância pode ser uma forma de bloqueio ao desenvolvimento da própria pessoa. Aliás, esta consciência de que o ser humano tem vocação para o infinito revela-se no lema «querer é poder». Nele se afirma que só na medida em que existe força de transcendência, existe possibilidade de realizar os impulsos decisivos da pessoa. Desta inclusividade brota a interação rumo à felicidade, este outro dom que ao Pupilo é oferecido. Não chega ser competente, eficaz, é preciso também sonhar com a felicidade e, por isso, são oferecidos os meios para tal. Apraz-me sublinhar o acompanhamento existencial e o cultivo da dimensão espiritual que são caminhos para o encontro com Deus e para a realização da felicidade.
3. CARÁTER. A pandemia também pôs a nu que só unidos é possível sair-se vencedor face aos grandes desafios. Ninguém se salva sozinho. Perante uma sociedade altamente individualista, como a ocidental, não foi, infelizmente, surpresa algumas atitudes que foram emergindo denotando precisamente que prevaleciam interesses individuais mesquinhos em detrimento do sentido de humanidade. Isso foi, em larga medida, o resultado de um certo vazio de valores éticos e humanistas que carateriza a atual forma de vida. Uma sociedade niilista que, como tal, e conforme profetizou Nietzsche, não só contempla a reversão dos valores, mas até o seu esvaziamento. É, aliás, por isso, que se verifica ser extremamente difícil fazer emergir desta sociedade força bastante para formar pessoas de caráter. Existe uma crise ética que, traduzida em miúdos, significa que as orientações da vida, as decisões a tomar, as ações a fazer, o rumo a seguir já não assentam nos sólidos pilares do bem, da verdade e da justiça. Tudo isso é feito em função de realidades efémeras e quantas vezes mesquinhas.
Por isso, reconhecemos o quão o Instituto dos Pupilos do Exército está deveras empenhado em formar pessoas de caráter, ou seja, cidadãos com valores, úteis à construção do tecido social, e com a viva consciência de que a construção de um mundo de rosto humano só é possível quando e onde existe sentido de responsabilidade; quando e onde houver salvaguarda e promoção da dignidade de toda a pessoa; quando e onde existir respeito efetivo, não teórico, pelo que cada pessoa é.
Como justamente escreve Miguel Torga, «Portugal é um livro de peito, é a pátria vista e decifrada pelos olhos do corpo e da alma» o que significa que essa decifração só é possível na medida em que o corpo, a alma e o coração são moradas de «Portugal. Foi a procurar entendê-lo que compreendi alguma coisa de mim. A pátria é espelho gigantesco onde se reflete a pequenez dos filhos. À nossa medida herdamos-lhe a dimensão. E a singularidade. Todos os Alcáceres Quibir e todas as Aljubarrotas estão em mim.» Ora, esta abrangência de paixão e amor pela Pátria só se realiza na disponibilidade interior de construir um projeto de vida assente no bem para todos e num plano de existência desenvolvido no serviço aos outros.
Por isso, o Instituto dos Pupilos do Exército afigura-se lugar onde se materializam os critérios de comportamento expressos na primeira leitura: «fugir do mal é o que agrada ao Senhor, e quem fugir da injustiça obtém o perdão dos pecados» (Sir 35, 3). Porque cultiva o sentido do bem, repudiando todo o mal, e abraça o empenho pela justiça, combatendo e denunciando todo o género de injustiça.
4. SOLIDARIEDADE. A pandemia veio colocar na agenda da humanidade a fraternidade, como mostrou o Papa Francisco com a encíclica Fratelli Tutti. Expressa em amizade social e em formas pragmáticas de solidariedade, a esperança brota da força de sermos para os outros. A este propósito quero partilhar um episódio vivido por mim na última viagem à RCA. No encontro com o Senhor Cardeal de Bangui, perguntei-lhe em que projeto nós o poderíamos ajudar com a nossa solidariedade, em que obra poderíamos colaborar com ele. A resposta do Senhor Cardeal foi pronta e incisiva: «Olhe, disse ele, depois de muitos anos de guerra e de destruição nesta terra, agora, graças à presença e à ação dos Militares portugueses, estão finalmente reunidas as condições para levar novamente as nossas crianças à escola”. A solidariedade vivida pelas nossas Forças Armadas e por nós, através de gestos de generosidade, permitiriam que as crianças de Bangui regressassem à Escola. Com a nossa ação solidária, não estamos só a proporcionar um presente temporal melhor, mas também a permitir a formação das mulheres e homens de amanhã, proporcionando-lhes um futuro. É isso a esperança. Agradecemos reconhecidamente ao IPE por oferecer uma formação que promove a solidariedade e deste modo fomenta a esperança. Como diz Jesus no evangelho, respondendo a São Pedro, quem dá recebe cem vezes mais, o verdadeiro milagre da retribuição multiplicada. É este o milagre da dádiva generosa e solidária: multiplica o que se ofereceu.
+ Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança