HOMILIA NO DIA MUNDIAL DO DOENTE
Hospital das Forças Armadas-Lumiar – 11/2/20129
Irmãs e irmãos em Cristo
A sabedoria da Palavra de Deus, neste Dia Mundial do Doente, com a narração da criação, na 1ª leitura, e no evangelho, verdadeira página do diário de Jesus, encaminha-nos para as fontes da própria vida. Descobrimos que o começo da vida, «dom gratuito Pai», como diz o Papa Francisco na mensagem para este dia, está relacionado com três verbos que correspondem a outras tantas ações, presentes tanto na origem da vida como no seu desenvolvimento. Esses verbos são “Disse”, “Separou”, “Tocou”.
1. O primeiro é “disse”: a narração da criação insiste que Deus criou cada ser com a Sua Palavra. “Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz apareceu.” (Gn 1, 3) “Deus disse: «Haja um firmamento…» e o firmamento foi feito” (Gn 1, 6). E o mesmo acontece com os seres vivos, uma vez que a origem da vida está também na Palavra criadora de Deus. São Gregório Nazianzeno amava dizer o seguinte: “No princípio da vida ouve-se uma voz que chama.” Nós próprios somos a prova disso: o exórdio de cada um de nós deu-se quando dois jovens disseram uma palavra um ao outro, talvez “amo-te”. É com a palavra que começa a vida!
Também Jesus, com a sua palavra, restituiu a vida. Por exemplo, quando se cruzou com o funeral do jovem de Naim e se lhe dirigiu, dizendo: «Jovem eu te digo: “levanta-te”» (Lc 7, 14).
Na história quotidiana, com uma palavra, com uma palavra apenas, tanto se pode suscitar em alguém a vontade de viver, como se pode retirar, fazer com que se perca, se desvaneça… Que segredo é esse encerrado no interior da palavra, para que tenha tanta força?
Também para um doente é importante, decisivo por vezes, que ao lado do fazer técnico dos médicos e dos enfermeiros, exista também a palavra. Não a palavra demolidora, mas a palavra criadora de sentido.
2. O segundo verbo é “Separou”: Deus criou, separando a luz das trevas (cf Gn 1, 4), as águas sob o firmamento das águas que estavam por cima do firmamento (cf Gn 1, 7)… Esta separação é o gesto de afirmação da identidade de um ser. Só quando ocorre a separação é que surge, em todo o seu esplendor, a identidade de uma determinada realidade. Assim, só na separação de dar a César o que é de César, e dar a Deus o que é de Deus (Mc 12, 17) emerge a respetiva solidez, porque é graças à separação que se configuram os contornos próprios de cada um.
Também o exercício da medicina é a arte de separar os elementos portadores de doença e enfermidade, do paciente, ainda que só implicitamente. Desde logo, quando o médico aconselha o seu paciente a separar-se de determinados vícios (fumar, beber álcool em excesso…). E quando pratica a cirurgia, o que faz senão uma verdadeira separação criadora dos órgãos débeis, enfermos, do restante corpo são? Curiosamente, também a dinâmica da conversão, desígnio fundamental da nova vida evangélica, assenta na sabedoria da separação. Jesus e a Igreja lançam-nos o desafio urgente de abandonar os ímpios caminhos do pecado e enveredar pelas estradas da fé e do amor.
3. O terceiro verbo afigura-se-nos um gesto afetivo “Tocar”: “Nas aldeias, cidades ou casas onde Jesus entrasse, colocavam os enfermos nas praças públicas e pediam que os deixasse tocar-Lhe ao menos na orla do manto. E todos os que O tocavam ficavam curados.” (Mc 6, 56). Jesus quebra as distâncias, ultrapassa as barreiras através de um gesto simples, mas igualmente forte: “o toque”. E ele tocava, sem medos nem barreiras cultuais, todo o tipo de doentes, até mesmo os leprosos ou os cadáveres, que não podiam ser tocados sem que a pessoa que o fizesse se tornasse impura. Querendo, com este gesto, indicar o elevado nível de solidariedade no sofrimento e de partilha da sua condição de padecentes. Por isso, trata-se de um gesto revelador da misericórdia com que Jesus se relacionava com todos os que viviam sob a força inquietante da doença. Mais, com o seu toque, Jesus comunicava vida e força. Quem era tocado por Jesus e por Ele se deixava tocar recebia a força do Seu Espírito (cf Mc 5, 30).
Deixemo-nos também nós tocar pelas doces palavras de amor com que Jesus nos ilumina o caminho. Sejamos também nós colaboradores de Deus na obra da criação, ao ousarmos proferir palavras de alento e ternura, ao procurarmos separar os que sofrem de tudo quanto os faz padecer ou ao deixarmo-nos tocar pela misericórdia de Deus, abrindo aos que sofrem o nosso coração.