Esse retrato do Senhor que vai em busca de cada um é a mais bela expressão que a Revelação nos dá do amor misericordioso do Pai.
Em Jesus Cristo, Deus não só falou à humanidade, mas veio à sua procura como o pastor que não descansa enquanto não recupera a ovelha tresmalhada (cf. Lc 15, 1-7). É uma busca que nasce no íntimo do coração de Deus e tem como ponto culminante a sua vinda ao mundo na nossa mesma carne. Ele procura o homem, porque o ama eternamente. E é esse o motivo por que o eleva à dignidade de filho adotivo. Fiel à sua intenção primordial de nos criar à sua imagem e semelhança, Ele jamais desiste de nós.
Esta certeza deve transformar-se em missão, e todos nós somos chamados a assumir a nossa condição de missionários, sentindo-a como própria, através de uma existência animada pela fé, marcada pela caridade, pelo serviço a Deus e aos outros e capaz de irradiar esperança. Esta missão resplandece sobretudo na santidade para a qual todos somos chamados.
Somos feitos para a liberdade porque somos obra criada e redimida de Deus. Nunca cessamos de ser projetos de santidade e de vida.
Isso mesmo encontramos também na segunda leitura: tal como o pecado, também a morte condiciona o horizonte da vida humana, bloqueia-o e fecha-o. Mas, mesmo essa foi vencida, Cristo destronou-a do seu poder arrebatador, pela vitória da Cruz e Ressurreição.
E, finalmente, o evangelho vem juntar ao pecado e à morte um terceiro elemento. Belzebu, a personificação do mal, pode apoderar-se do ser humano para o controlar, dominar e até subjugar. Mas, também esse foi vencido por Jesus que o expulsa das pessoas, restituindo-as à vida e à esperança.
Em Cristo, o pecado e a sua lógica destrutiva foram esmagados. Na Cruz e Ressurreição, Ele aniquilou o poder da morte. Na Sua ação libertadora, expulsou o Maligno e destronou-o do poder de devastar a vida e manietar o ser humano. Mas reparamos também que existe algo no ser humano que o Senhor não ousa tocar ou alterar: a sua aptidão e capacidade de tomar decisões livres e agir em conformidade. Deus não nos coage, nem obriga. Respeita a nossa liberdade, ainda que a usemos para a nossa própria ruína. Ele interpela-nos, mas não nos derruba; propõe, mas nunca impõe. Por isso, quando Jesus refere que “tudo será perdoado aos filhos dos homens, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão» está a referir-se à possibilidade de se diabolizar as obras e ações de Deus e de santificar as ações e obras do mal. Ou seja, alude à perniciosa e trágica inversão de valores e à adulteração da realidade. Foi o que fez a serpente quando, junto de Adão e Eva, diabolizou o preceito divino de não comer daquela árvore, apresentando-o como mau, como se tal preceito ferisse o direito à felicidade do ser humano. E foi o que fizeram também os saduceus ao diabolizar a ação de Jesus quando diziam «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios.» A possibilidade da adulteração da obra de Deus, revela-se quando definimos as realidades santas e que promovem a dignidade das pessoas, como sendo más e, por isso, deixamos de as praticar; ou elogiamos as más e nocivas, considerando-as como boas e necessárias, e são estas que promovemos e executamos. Esta inversão não é mais do que uma das manifestações da crise de fé, mas também da crise de valores.
Por isso, com Maria, Senhora de Fátima, confiemo-nos ao Sagrado Coração de Jesus para nos manter sempre no caminho da verdade e do verdadeiro bem, porque só a verdade nos torna efetivamente livres, e é onde encontramos a eterna novidade da vida em Deus.
Novidade que norteia a nossa existência redimida, e para a qual estamos abertos, e que vem retratada nos modos e jeitos de Jesus conduzir a sua vida pública. Ele, porque não fazia como todos os outros e se aproximava dos leprosos e lhes tocava; porque, em dias de sábado, fazia curas; porque não jejuava; porque contactava e falava com estrangeiros, porque se declarava pelos pobres e desfavorecidos… veio a ser declarado como «estando fora de si».
Nesse ser diferente de Jesus, Ele quer-nos introduzir, também a nós, numa forma diferente de viver que não assenta nos preceitos do mundo, nem em forças da natureza, mas nos enxerta na força da graça e nos critérios do evangelho. E por isso, quando vivemos segundo a vontade de Deus tornamo-nos família de Jesus, a Ele conformes, e aptos a plasmar o mundo segundo o plano da salvação e os desígnios do amor. Ámen!
+Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança