No contexto das negociações em curso e posterior adoção dos dois Pactos Globais das Nações Unidas sobre Refugiados e para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares;
Considerando que o sucesso dos Pactos Globais dependerá da medida em que estes contribuírem para a criação de
uma parceria global efetiva e para a partilha real de responsabilidades e de esforços por parte de todos os Estados,
para darem o apoio adequado e sustentável aos refugiados, assim como para melhor responderem aos diversos
desafios relacionados com as migrações;
Acreditando que as organizações da sociedade civil e outras partes interessadas, em especial as organizações
constituídas por, e para, migrantes e refugiados, e que trabalham sobre os direitos de outros grupos vulneráveis como
mulheres, crianças, pessoas com deficiência, têm um contributo importante a dar enquanto parceiros indispensáveis
em todo o processo de decisão, acompanhamento e avaliação de estruturas, mecanismos, políticas e ações
consequentes que afetam estas pessoas; e que estas não são meramente instrumentos de execução ou destinatários
de medidas específicas;
Respondendo ao apelo do Papa Francisco de se chamar a atenção dos Governos, especificamente dos responsáveis
pelas negociações relativas aos Pactos Globais, sobre considerações particularmente pertinentes que fomentem uma
solidariedade mais concreta para com os migrantes e refugiados1;
As organizações que integram o FORCIM (Fórum de Organizações Católicas para a Imigração), e demais organizações
da sociedade civil que desejem subscrever este Manifesto, enquanto atores relevantes e ativos, nomeadamente
nas áreas de prestação de apoio social, pastoral, jurídico, cuidados de saúde física e mental, formação, inserção
profissional, entre outras, a migrantes, refugiados e vítimas de tráfico humano que chegam a, e/ou residem em
Portugal, assim como a nacionais emigrantes/imigrantes:
Demonstram-se disponíveis, preparadas e empenhadas em apoiar o Governo de Portugal e instituições/entidades
governamentais relevantes, a alcançar as expectativas, objetivos e compromissos compreendidos nos dois Pactos
Globais, comprometidas com a proteção e defesa das necessidades e interesses de migrantes e refugiados junto das
instâncias indicadas e da sociedade em geral.
Apelamos ao Governo Português que tome em consideração as seguintes preocupações e sugestões, alicerçadas
numa relação de estreita colaboração e cooperação que desejamos estabelecer e manter sempre que possível,
complementar às responsabilidades próprias do Estado Português.
Participação da sociedade civil
Consideramos que o papel das organizações da sociedade civil (OSC) no apoio aos refugiados, embora mencionado no
Pacto Global2 não está suficientemente espelhado no documento e reforçamos a importância deste reconhecimento.
Frisamos as boas práticas e exemplos que Portugal pode partilhar com a comunidade internacional sobre o
importante papel que a sociedade civil portuguesa tem desempenhado na procura de soluções integradas e
sustentáveis para os refugiados, nomeadamente através da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). Salientamos
a mais valia do espírito de colaboração mútua que existe entre a sociedade civil e o Governo de Portugal, com vista a
servir o objetivo comum de se promover um acolhimento inclusivo e solidário.
Expressamos apreço pela iniciativa de se realizar o Fórum Global sobre Refugiados3 a cada quatro anos, enquanto sinal
de vontade e ambição política de cooperação e coordenação de respostas à situação dos refugiados em países de
saída (causas que estão na sua origem), trânsito e destino. No entanto, é preciso especificar que os mecanismos de
acompanhamento e avaliação, a serem criados para estas estruturas, incluam a sociedade civil, de forma a reforçar a
utilidade prática destas reuniões face ao discurso político veiculado nos mesmos. Demonstramos o nosso interesse e
disponibilidade para colaborar na preparação da participação de Portugal no referido Fórum, ao nível da avaliação
do impacto das políticas e medidas tomadas nesta área e/ou outros aspetos tidos por úteis e relevantes.
Reforçamos a importância e pertinência do contributo que as OSC podem e devem dar nos processos de planeamento,
decisão, implementação e avaliação de impacto de políticas sobre Refugiados e Migrações, e na verificação da sua
coerência com outras políticas que afetam direta ou indiretamente as pessoas abrangidas pelos Pactos em causa.
Acolher: aumentar as vias seguras e legais para os migrantes e refugiados
O Pacto Global para as Migrações Ordenadas, Seguras e Regulares implica o reconhecimento das migrações enquanto fenómeno humano intrínseco, que nos acompanhou e acompanhará ao longo dos tempos, e o compromisso global em garantir a proteção de todas as pessoas que escolhem ou são forçadas a migrar.
Acreditamos que a criação e promoção de canais legais e seguros para as migrações é um dos principais meios para
reduzir o sofrimento e os abusos a que estão expostos muitos migrantes que, ao procurarem melhores condições de
vida, caem em redes de contrabando e de tráfico de seres humanos. Consideramos que esta questão merece uma
maior reflexão, ao nível nacional, regional e internacional, sobre lições aprendidas e soluções futuras.
Embora reconhecendo o direito de os Estados decidirem quem pode entrar ou não no seu território4, gostaríamos de
sublinhar que esta soberania deve estar subordinada aos padrões e princípios de direitos humanos inscritos nos
instrumentos legais ratificados, que visam salvaguardar o bem comum de toda a família humana. Sublinhamos a
primazia do princípio de “non-refoulement” (não devolução), enquanto princípio orientador do Pacto para as
Migrações5, e tudo quanto este implica, nomeadamente a prevenção de políticas discriminatórias.
O princípio de “non-refoulement” deve ser respeitado e posto em prática em todas as circunstâncias, incluindo nas
situações de retorno voluntário. Este princípio deve fundamentar-se na segurança que pode ser efetivamente
garantida à pessoa e não em uma avaliação sumária da segurança geral do país. Alertamos para o facto de a
composição de listas de “países seguros” não considerar as necessidades reais de proteção dos refugiados e que os contextos são mutáveis. Apelamos a um posicionamento político que vise a defesa de abordagens alternativas que privilegiem a análise de cada caso individual, ao invés de critérios e quotas pré-determinadas que nos afiguram como sendo injustos e discriminatórios.
Proteger: defender os direitos e dignidade dos migrantes e refugiados
Sob o princípio da não discriminação e de não deixar ninguém para trás, assumidos na Agenda 2030, a
vulnerabilidade dos migrantes deve ser minimizada, independentemente do seu estatuto ou proveniência.
Assim, o acesso a bens e serviços essenciais, tais como a educação, a saúde física e mental, alojamento, o trabalho,
entre outros, assim como a sua qualidade, devem ser garantidos a todas as pessoas, independentemente do seu
estatuto legal. No entanto, constatamos que a morosidade dos processos de pedido de asilo e de autorização de
permanência e/ou de residência (nomeadamente na análise dos processos (instrução), atrasos na renovação dos
títulos por razões alheias aos requerentes e consequente perda de direitos em virtude da caducidade dos
documentos) tem um impacto negativo e prejudicial no acesso e usufruto desses bens e serviços essenciais. Tal,
favorece situações de instabilidade, vulnerabilidade e exclusão social (por exemplo: perda de direito a abonos
sociais, dificuldades de celebração ou renovação de contrato de trabalho).
Salientamos que a morosidade dos processos tem um impacto alargado a toda a família dos requerentes, incluindo as crianças, cujo bem-estar e interesses são também afetados pela situação dos seus progenitores ou cuidadores, em particular, e do seu agregado familiar em geral. O interesse superior da criança tem de prevalecer em todas as instâncias, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Reforçamos o alerta para o vazio em que persistem alguns imigrantes indocumentados, sem um visto que comprove
a sua entrada legal e que tardam em obter a documentação necessária junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
as dificuldades que persistem em algumas repartições da Segurança Social para atribuição de números de identificação
a imigrantes; e outras dificuldades de resposta sentidas ao nível das entidades/instituições que lidam com
documentação necessária à legalidade e cidadania. Criam-se ciclos viciosos de índole burocrática que pouco ou nada
contribuem para a integração e direitos quer de migrantes, quer de refugiados. Apelamos a que a avaliação do
desempenho destas entidades/instituições inclua a adoção de reformas ou medidas concretas urgentes, com vista a melhorar a capacidade e qualidade de resposta.
Apelamos a uma maior garantia dos direitos dos trabalhadores migrantes, frequentemente expostos a abusos por
parte das entidades empregadoras que os exploram em razão da sua vulnerabilidade, colocando-os em situações
de grande precaridade social e humana. Chamamos a atenção particular para o caso dos trabalhadores migrantes
domésticos, na grande maioria do sexo feminino, e dos trabalhadores sazonais na agricultura, pescas, restauração e turismo, muitas vezes vítimas de tráfico humano.
Promover: favorecer o desenvolvimento integral dos migrantes e refugiados
Estamos convictos de que Portugal procurará, na medida do possível, responder aos apelos dos Pactos Globais e
aumentar (ainda que gradualmente) a sua Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e contribuição na área da ajuda
humanitária. Salientamos a importância de respostas que vão ao encontro dos grandes desafios e emergências
internacionais, pelo que se espera um apoio a uma escala menos circunscrita e mais abrangente ao nível global.
Congratulamo-nos com o papel que Portugal assumirá enquanto membro do comité de direção para a aplicação do
novo plano de cooperação UE-África no domínio das migrações para 2018-2020. Temos uma grande expectativa na
habilidade diplomática portuguesa em gerir os grandes desafios da difícil dicotomia entre Segurança e Direitos
Humanos. Sendo estes dois pilares fundamentais para as políticas migratórias, esperamos que Portugal consiga
reunir consenso em torno de uma visão humanista sobre as migrações, que assente no importante contributo da
mobilidade humana para o desenvolvimento nos países de saída, trânsito e destino.
Manifestamos particular preocupação com a tendência de “externalização” crescente da governança da migração,
intensificando se colaborações com países de trânsito e vizinhos (ie. Turquia, Líbia) a custo dos direitos humanos.
Constatamos o aumento de negociações de acordos e parcerias com países terceiros para a readmissão de migrantes irregulares, frequentemente à porta fechada, e a instrumentalização da Ajuda ao Desenvolvimento para interesses estratégicos de países Europeus relativos à governança de migrações e controlo fronteiriço.
As migrações estão presentes e interligam-se com vários aspetos da agenda global de desenvolvimento, a qual define
como meta específica “facilitar a migração e a mobilidade das pessoas de forma ordenada, segura, regular e
responsável, inclusive através da implementação de políticas de migração planeadas e bem geridas”6
A Agenda 2030, e especialmente o compromisso de não deixar ninguém para trás, é essencial para promover o
desenvolvimento sustentável global, combatendo algumas das causas que estão na origem das migrações forçadas.
No entanto, a Cooperação para o Desenvolvimento não deve ser encarada como uma ferramenta para travar as
migrações, mas antes garantir que a política de desenvolvimento e a utilização dos seus fundos respeitam o seu
objetivo central: contribuir para a redução da pobreza em todas as suas dimensões.
É ainda nossa profunda convicção que é necessário construir parcerias estratégicas de longo prazo com países em
desenvolvimento, que não se limitem a acordos de retorno/readmissão de migrantes ou às políticas migratórias,
implementando dessa forma abordagens mais abrangentes e coerentes que permitam responder às causas profundas
das migrações forçadas.
Relembramos o artigo 208º do Tratado de Lisboa, o qual expressa que o objetivo principal da política da União no
domínio da Cooperação para o Desenvolvimento é “ a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza”, e que chama a atenção para a importância da coerência das políticas: “Na execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a União tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento.”
Reiteramos que a coerência das políticas, que deverão sempre procurar uma abordagem de direitos humanos e
desenvolvimento integral humano, é fundamental para se combater as causas que estão na origem das migrações
forçadas; assim como os conflitos e instabilidade político-social que levam tantas pessoas a pedir proteção
internacional e refúgio em comunidades ou países vizinhos, ou em outros, incluindo os países da União Europeia.
Enquanto esta coerência não se verificar, estes Pactos Globais, e demais esforços para a promoção dos direitos
humanos e desenvolvimento, serão sempre insuficientes.
Integrar: enriquecer as comunidades locais por meio de uma maior participação de migrantes e refugiados
Os migrantes devem ser reconhecidos como atores importantes de desenvolvimento dos países de origem
(nomeadamente através do envio de remessas, transferência de conhecimentos, futuro retorno e investimento no
seu país em todas as vertentes), assim como nos países de chegada e residência, sublinhando-se o enriquecimento
mútuo ao nível cultural, económico, social e humano.
É preciso favorecer a integração, promover a interculturalidade e o desenvolvimento integral de todas as pessoas
acolhidas. Neste sentido, revestem se de particular importância o desenvolvimento de políticas de apoio à
aprendizagem da língua, integração no mercado de trabalho, reagrupamento familiar, a criação de mecanismos de
flexibilidade na lei que promovam a regularização de migrantes residentes durante longos períodos.
Sublinhamos a importância que assume o apoio às comunidades locais que tão generosamente acolhem os
refugiados, e reforçamos que este apoio poderá ser melhor potenciado se trabalharmos todos em parceria e
cooperação, devidamente prevista, coordenada e articulada, em torno da responsabilidade, das competências
e da capacidade de resposta e especificidade de cada interveniente.
Gostaríamos, ainda, de reforçar que a missão de acolher, promover, proteger e integrar diz respeito a todos deve
abranger todos e quaisquer migrantes. Os Pactos Globais sobre Refugiados e para as Migrações são compromissos complementares e interdependentes e deverão estar, acima de qualquer outro interesse e intuito, orientados para o bem comum e centrados na integridade e dignidade da pessoa, contemplando a visão de uma só família humana, que habita uma Casa Comum.
«Alguns consideram-nas(migrações) uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de confiança, como uma oportunidade para criar um futuro de paz».
Papa Francisco, mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2018
Os/as Signatários/as
Organizações membro do FORCIM:
Capelania da Comunidade dos Africanos
Capelania da Comunidade Brasileira
Cáritas Portuguesa
CAVITP – Comissão de Apoio à Vítima de Tráfico de Pessoas
CEPAC – Centro Padre Alves Correia
CNJP – Comissão Nacional Justiça e Paz
CNJPR – Comissão Justiça e Paz dos Religiosos
Coordenação Nacional da Capelania Greco-Católica Ucraniana de Rito Bizantino
FAIS – Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
Fundação Fé e Cooperação (FEC)
LOC/MTC – Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos
Rede Hispano Lusa de Mulheres Vítimas de Tráfico
OCPM – Obra Católica Portuguesa para as Migrações – OCPM
JRS – Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS)
1 Tendo o documento “Responder aos Refugiados e Migrantes, Vinte Pontos de Ação Pastoral” (Vinte Pontos de Ação) como umas
das bases fundamentais para a elaboração deste Manifesto.
2 Pontos i) 3; 3.2 34., 35.
3 Contemplado enquanto Mecanismo Global para Cooperação Internacional, em versão preliminar do Pacto Global sobre
Refugiados
4 Ponto 14, versão preliminar do Pacto Global para as Migrações
5 Igualmente previsto no ponto 14.
6 Em Agenda 2030, meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 10.