Mensagem do Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança aos seus fiéis.
- A história da humanidade é marcada pela tentativa de o homem atingir Deus para obter os seus favores. Mas, neste esforço, o sujeito da acção é o homem e não Deus: o homem é quem procura e, quando muito, a divindade deixar-se-ia encontrar. Mas se é o homem quem mete pés ao caminho, que garantias possui de que não se engana? Quem lhe afiança que o que pensa ser Deus seja mesmo Deus? Como sabemos, o homem tomou por divindade as realidades mais estranhas: astros e plantas, animais e artefactos, ideias e totens.
- Em cristianismo passa-se o contrário: a nossa fé é a longa história de um Deus amoroso que não desiste da pessoa humana, mesmo quando esta lhe volta as costas. Dá início a um povo, o judeu, no qual, pelos Patriarcas, Profetas, Sacerdotes e Reis, se vai progressivamente revelando como O que faz habitação no meio dos seus amigos, O vizinho dos seus adoradores. A ponto de, em Jesus Cristo, se fazer “Deus connosco” ou “Emanuel”: bebé, menino, adolescente, jovem e homem entre os homens.
- É esta uma verdade central da nossa fé. Por isso professamos no Credo: “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu do Céu e encarnou…”. Curiosamente, ao longo da história, não faltou quem negasse que Jesus Cristo é “verdadeiro homem”, como também dizemos no Credo. É mesmo provável que tenha havido mais doutrinas falsas, heresias, que negaram o “verdadeiro homem” que o “verdadeiro Deus”. Não admira, tal é a novidade radical deste dado do cristianismo.
- Neste Natal, proponho aos homens e mulheres que servem as Forças Armadas e as Forças de Segurança a reflexão sobre as implicações de um Deus que, para vir ao nosso encontro, escolhe a condição humana. Até porque, há pouco, encerramos o Ano Jubilar da Misericórdia. Perguntemo-nos: a misericórdia exerce-se em favor de quem? De Deus? Não! Deus não é um miserável ou alguém que se portou mal que reclame a nossa generosidade ou perdão. Não! É precisamente o contrário: é a Ele que vamos buscar o exemplo da solicitude pessoal e da ternura por cada um de nós, não obstante andarmos sempre a fugir d’Ele e até a portarmo-nos mal.
- A misericórdia volta-se e volta-nos na direcção daqueles com quem lidamos. Esta é a única direcção possível de quem é misericordioso: (con)viver com os outros como quem pensa mais neles que em si próprio. Logicamente, com preocupação por eles, carinho, solicitude, ajuda, protecção. Com simpatia e alegria. Aliás, em última análise, não é este «estar ao serviço de» que concede justificação ao uso de armas por parte dos militares e dos polícias?
- Graças a Deus, o elevado sentido ético-profissional do sector castrense dá isto por adquirido. Muito bem! Mas há que repensar um outro sector, mais íntimo e onde se jogam mais emoções, que é a família de cada um. Pode-se ser bom militar ou polícia e desprezar a esposa ou marido, desamparar os filhos, abandonar os pais, ser conflituoso para com os camaradas, antipático para com os vizinhos? Compreende-se quem é portador de uma elevada ética profissional e falha na realidade mais habitual da vida?
- Neste Natal, proponho o âmbito da proximidade familiar como o difícil campo da existência a ser mais tocado pelas necessárias atitudes que nascem da fé. Peço que, nos familiares e outros próximos, sejamos capazes de descobrir o valor e a dignidade do ser pessoa, já que Deus chegou até nós pela via da humanidade. Sugiro uma especial atenção aos mais débeis e que nos perguntemos como é que Jesus Cristo, o “verdadeiro homem” agiria nas nossas situações concretas. E imploro que a «porta santa» da misericórdia nunca se feche no nosso coração.
Boas festas! Santo Natal!
+ Manuel Linda