Excelentíssimos Senhores Oficiais, Sargentos e Chefes, Praças, Guardas e Agentes e Civis

«E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.» (Lc 2, 6-7)

1. Surpreende-nos a afinidade existente entre a substância dos principais Mistérios da vida de Cristo e a substância profunda dos nobres propósitos da missão salvífica da vida Militar e das Forças de Segurança.

Tanto assim é, que o Natal promove a sintonia do seu mistério com a essência das nossas missão e vida, particularmente na anotação do lugar onde acontece o Mistério do nascimento do Filho de Deus: num lugar não previsto nem confortável, num não-lugar, “por não haver lugar para eles na hospedaria.”

Os não-lugares encontram-se onde Militares e Forças de Segurança desenvolvem a sua ação e afirmam a sua presença: nas frentes, a lutar pela paz nas FND’s; nos desamparos das inclemências, a oferecer amparo e auxílio às populações; nas periferias sociais dos abandonados, onde mais ninguém se sente capaz de responder às emergências; nas Unidades, onde se promove a afirmação da soberania nacional; nas estradas, a velar pela salvaguarda da integridade da vida; enfim, nos navios, nas aeronaves, no mar, em terra, ou no ar…

As Forças Armadas e as Forças de Segurança, com um desempenho nascido da força da humanidade inaugurada por Cristo, são promotoras da atualidade do mistério natalício: defendem a paz, onde há guerra; promovem segurança, resistindo à insegurança; incrementam a ordem, contrariando o caos; atuam a solidariedade, num mundo cada vez mais individualista; e, quando a indiferença se afigura cada vez mais pungente, continuam a servir a nação e os cidadãos. Na celebração do “Cristo que nasce longe”, distante da vida social num não-lugar, oferecem a todos a extraordinária possibilidade de participarem no Mistério da vida e da esperança.

2. A história do nascimento de Jesus suscita tantas outras histórias, autênticas parábolas de vida e instantes de descoberta de novos horizontes de luz, que se nos impõem como ocasião propícia para o reencontro com o sentido da existência.

Um desses acontecimentos ocorreu a vinte cinco de dezembro de mil novecentos e catorze, no próprio dia de Natal, em plena Primeira Guerra Mundial, na Bélgica, algures nos arredores de Ypres. Após cessarem-fogo, os soldados alemães começaram a sair desarmados das suas trincheiras para irem ao encontro dos soldados ingleses, os quais, em resposta, imitaram os mesmos movimentos e propósitos. Durante algumas horas, confraternizaram, trocaram prendas e votos de Feliz Natal… vivendo um momento de fraternidade, que para a história ficará conhecido como as «tréguas de Natal».

Esta memória evocada revela bem o que efetivamente celebramos – o gesto heroico de ir ao encontro: alguns homens desarmados foram ao encontro de outros homens, tal como Deus veio até nós, desarmado da sua poderosíssima majestade divina e assumindo a condição de pobre e humilde criança.

Saíram das trincheiras como o Filho de Deus que, ao vir ao mundo, saiu do Pai. Também nós somos desafiados a sair das nossas trincheiras: das zonas de conforto, da indiferença, dos estados de paralisia que bloqueiam. Façamo-lo sem hesitar, para irmos ao encontro dos outros, das suas dificuldades, das suas realidades de vida, das suas angústias.

3. «Por não haver lugar na estalagem”, Jesus foi recostado numa manjedoura. Iluminados pela força da Vida que se faz luz, para nós, caminhemos ao encontro de Cristo que continua a nascer: vamos aos não-lugares das bermas dos passeios onde jazem, pobres e famintos, muitos desistentes da vida; vamos aos não-lugares da desesperança, que tantas vezes geram mecanismos de culpabilização e depressivos sentimentos de inutilidade; vamos aos não-lugares da pobreza fingida ou encapotada, onde se gastam tantas horas no dilema de escolher entre o vestir ou o comer, entre ter luz para iluminar e aquecer a casa ou o combustível para o transporte; vamos aos não-lugares da indecência, onde é posta em causa a dignidade das pessoas enquanto pessoas.

Sim, fecundados pela presença de Deus em Jesus Cristo, brota dentro de nós uma força poderosa, a força que nos leva a sair das trincheiras para ir ao encontro dos irmãos, cidadãos de tantos não-lugares deste mundo, para que, nas noites da solidão, de fadiga e de egoísmo, resplendeça e brilhe a Luz da esperança e do amor.

Votos de um Santo e Feliz Natal.

+ Rui Manuel Sousa Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

Lisboa, 20 de dezembro de 202