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“Jesus é o rosto da misericórdia e do acolhimento”.

Mensagem do Ordinário Castrense aos fiéis que possuiem a condição militar ou policial.

Jesus é o rosto da misericórdia e do acolhimento

Caríssimo fiéis que possuis a condição militar ou policial,

dou-me conta de que, nas duas mensagens de Natal que escrevi enquanto Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, me deixei guiar pela prosa poética de Sophia de Mello Breyner e referi Gaspar e Baltasar, tal como ela os apresenta no seu conhecido conto “Os três reis do Oriente”. Então, porque Melchior também merece, desta vez vou tê-lo como referência.

1. Diz-nos Sophia que este rei vivia intrigado com uma antiga placa de argila, por sinal bem pequena, frágil e sem especial valor artístico. Nela estava escrito qualquer coisa que desorientava os sábios: uns afirmavam que se referia a assuntos do passado, outros que dizia respeito a imperadores e não messias, outros que o seu valor se reduzia apenas ao labirinto espesso que era o trabalho da sua interpretação, outros que… Os mais subtis teciam profundas lucubrações e sentenciavam que tudo se confinava ao estilo poético: “Este texto é um poema e coloca-se por isso à margem do vivido. O poema não se refere aquilo que é, mas sim àquilo que não é. Pois a natureza é uma caixa cheia de coisas da qual o poeta extrai uma coisa que lá não está”.

Melchior, porém, não se satisfazia com estas razões. Ou sem razões. Agradeceu aos sábios e mandou-os sair. E quando já estava só, encostou a cabeça à placa. Longamente. Então, a curiosidade que sentia por ela, transformou-se em amor. E porque a amou, descobriu o que os sábios não descortinaram: que ela se referia a uma mudança completa na história do mundo e das pessoas e seriam testemunhas desse evento somente aqueles que se inserissem na sua mística.

2. Não será difícil compreender o paralelismo entre a metáfora de Sophia e o nosso tempo: quantas pessoas, atualmente, se embrulham e enredam em lucubrações e pseudo-cientificidades e não mais descobrem no acontecimento de Cristo o início da nossa salvação! Para quantos o Natal é apenas uma designação –nem sabem bem de quê- ou, quando muito, uma poesia que dá sempre jeito para cortar com a aridez da vida… Muitos ouviram falar do Natal como da lua de Marte: nem nos aquece nem arrefece…

Por isso, para muitos, o Natal reduz-se ao circunstancial das compras, dos presentes, das viagens que é preciso fazer para regressar a casa, do stress da agitação que tudo isso provoca. E, no meio disso tudo, onde está Jesus Cristo, a razão de ser do Natal?

3. Talvez por tudo isto, por essa Europa fora e um pouco já entre nós, assistimos a um fenómeno verdadeiramente impressionante: a tentativa de silenciar o Natal, de o banir da nossa cultura, de o descolorir da sua verdadeira dimensão religiosa. Na publicidade, nas iluminações de rua, no «politicamente correto» de se omitir o dado religioso, tudo entra, menos Jesus Cristo. Está-se a fazer de Cristo o grande ausente, o expulso, o migrante, o verdadeiro «refugiado político» que tem de deixar o lugar onde sempre viveu porque já não há lugar para Ele. Ou corre perigo.

Porventura sem se darem conta, alguns dirigentes sociais estão a criar um verdadeiro vazio cultural no Ocidente. Mas isso pode ser perigoso. Permitam-me que repita palavras que já pronunciei: “Segundo o velho princípio da física, «a natureza tem horror ao vácuo». Também na cultura, se negarmos a dimensão religiosa cristã, outras perspetivas virão preencher esse vazio. Mas então, deixaremos de ouvir falar de paz, de amor, de fraternidade, de liberdade, etc., para passarmos a escutar apelos à guerra, à desestabilização social, à imposição de doutrina, ao terrorismo, á barbárie, precisamente em nome de uma qualquer divindade que nos é estranha. A civilização ocidental tem, portanto, de escolher o que deseja: ou respeito pela cultura humanista de base cristã ou imposição de uma outra, pouco amiga da pessoa e da sua dignidade”.

4. Frequentemente, para além da cultura, também na nossa vida pessoal afastamos Cristo. Sim, é vulgar vivermos como se Ele fosse uma mera poesia, um nome no meio dos outros, algo de que alguns falam e que muitos desconhecem.

Mas Ele é o melhor amigo. É mesmo amor, simpatia, misericórdia: acolhe-nos ainda que nós não O acolhamos a Ele. Por isso, o Papa Francisco convida-nos, durante o ano de 2016, a descobri-l’O como o próprio rosto da ternura, do carinho, da proximidade. É o Ano Jubilar da Misericórdia, de que certamente já ouviram falar. Vamos nós, então, como Melchior fez com a placa, encostar a nossa cabeça ao Seu peito e deixar que seja Ele a falar-nos, mesmo que nós não saibamos o que Lhe dizer? Vamos passar a «porta santa» do seu amor e penetrar no seu coração acolhedor, lugar de tranquilidade e de paz onde se dissolve o stress e os medos do nosso viver? Vamos fazê-lo por intermédio do da Penitência ou Confissão, Sacramento, porventura, abandonado há anos, mas do qual sentimos necessidade? Vamos chamar por Ele, pedir-lhe que venha em nosso auxílio, como Ele gosta que nós façamos

5. Caríssimos militares e polícias, que este Natal de 2015, vivido em pleno Ano Santo da Misericórdia, nos disponha a deixar de lado tantas fábulas culturais, tantos «mitos urbanos» de abandono religioso, tanto pensamento positivista e materialista que exclui a fé, tanta resistência a Deus e à sua graça e nos abra ao amor misericordioso e reparador das nossas fraturas e divisões. Nos abra… a Jesus. Não a uma ideia, a uma tradição. Mas a uma Pessoa, a um Amigo. Àquele que, “por nós homens e para nossa salvação desceu do céu e se fez homem”. E que, por conseguinte, conhece bem o que é ser pessoa.

Santo Natal! Bom ano!

O vosso Bispo e amigo,

+ Manuel Linda