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Uso as palavras do grande Apóstolo São Paulo para a todos saudar: “À Igreja de Deus que está” no Ordinariato Castrense de Portugal e aos homens e mulheres de boa vontade que também constituem as Forças Armadas e de Segurança, “aos santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, com todos os que em qualquer lugar invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso, graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (1 Cor 1, 1-3).

Não é sem alguma emoção que vos dirijo esta primeira mensagem para a próxima Quaresma. É que sinto sobre os meus ombros a responsabilidade de primeiro animador da fé e da vida espiritual deste sector determinante para a boa harmonia social de quantos constituem a comunidade nacional. Escrevo-a, porém, com a simplicidade e a confiança dos amigos, ainda que, porventura, não nos conheçamos visualmente.

Como sabemos, o centro e ponto mais alto do ano cristão é o mistério pascal. Na morte de Cristo, acontecida em dia de Sexta-feira Santa, e na sua ressurreição gloriosa, na manhã radiante da Páscoa, operou-se a nossa salvação e a de toda a humanidade, mesmo que o não saiba. E, por ela, as próprias realidades do mundo, reconfiguram a sua meta e a direcção do seu objectivo: Deus, no seu imenso amor, é o nosso destino e horizonte de significação. Ele nos torna participantes da sua vida de alegria e felicidade não sujeitas a qualquer «crise» ou oscilação de humor.

Por esta razão, a Igreja de todos os tempos pediu aos seus fiéis uma séria e intensa preparação para a vivência deste mistério pascal. E designou esse tempo preparatório com o nome de Quaresma. Pede aos crentes que, durante ele, se alimentem mais da Sagrada Escritura, que intensifiquem a vida de oração e que, mediante a abstinência e o jejum, exerçam aquele autodomínio sem o qual não nos conduzimos na vida, muito menos na sempre árida vida da fé. E tudo isto não como fim em si, mas com um objectivo muito claro: um encontro efectivo, amoroso e operante com Deus e com os irmãos. É o esforço contínuo do recomeço da vida nova que passa, na relação com Deus, pelos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia e, na relação com os irmãos, incluindo os que não participam da nossa fé, por uma generosidade e grandeza de ânimo que nos leve a partilhar o que possuímos e do qual eles carecem.

Esta dupla abertura deve estar sempre presente. Até porque uma exige a outra: dádiva sem imersão no mistério da paternidade de Deus é filantropia mais ou menos sentimental; devoções sem compromisso social podem não passar de lamentável alienação. Não nos esqueçamos, de facto, do que nos lembra o muito simpático e querido Papa Francisco no mais sintético dos números do documento intitulado “A Alegria do Evangelho”, cuja leitura, nesta Quaresma, recomendo vivamente: “Pequenos mas fortes no amor de Deus, como São Francisco de Assis, todos nós, cristãos, somos chamados a cuidar da fragilidade do povo e do mundo em que vivemos” (nº 216).

Evidentemente, como membro desta Igreja que todos formamos, não tenho outra coisa a propor aos fiéis e aos homens e mulheres de boa vontade desta Diocese das Forças Armadas e de Segurança. Como tal, incentivo todos e cada um a aproveitarmos esta Quaresma para aquele abraço de intimidade com o nosso bom Deus, mediante os sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Veremos que quem lucra somos nós. E lanço igual apelo para que sejamos solícitos para com os mais débeis, partilhando com eles tempo e emoções e mesmo os bens materiais que a generosidade nos aconselhar, incluindo os resultantes do sacrifício voluntário de certos extras que não são fundamentais na nossa vida. O primeiro destes aspectos é designado por “contributo penitencial”; ao segundo chamamos-lhe “renúncia quaresmal”. Por sugestão dos Capelães-Adjuntos dos Ramos e das duas Forças de Segurança, que eu aceito plenamente, este ano, o produto conjunto dos dois ofertórios, a realizar simultaneamente no dia em que cada um deseje, lá para o final da Quaresma, será destinado ao “Fundo Social Solidário” da Conferência Episcopal Portuguesa que, como se sabe, está a acudir a situações particularmente dramática. Isto, porém, não supre a nossa grave obrigação do exercício da caridade tu-a-tu para com os camaradas ou civis que suportam especiais e angustiosas situações de penúria ou carência de qualquer ordem. O cristão só possui um modelo perene e definitivo: Cristo, que Se abandonou confiadamente nas mãos do Pai e Se deu totalmente aos outros, até à dádiva do sangue e da vida na cruz. Por isso, para a pessoa de fé cristã, a plena abertura a Deus e a responsabilidade para com os irmãos não são um optativo: constituem a própria fundamentação da vida crente.

Para me despedir, por agora, permiti que recorra mais uma vez a São Paulo: “A graça do Senhor nosso Jesus Cristo esteja com todos vós! Ámen” (Rom 16, 24) e vos conceda uma santa Quaresma para que a alegria da Páscoa contagie as vossas vidas.

 

O vosso irmão e também peregrino na fé,

 

+ Manuel Linda

Bispo das forças Armadas e de Segurança