Jesus faz sua a cauda da pessoa
Chama-me a atenção o relevo que os textos bíblicos concedem às refeições de Jesus com os seus discípulos depois da Páscoa. Logo na tarde do próprio dia da Páscoa, quando dois deles regressam à sua aldeia de Emaús, somente reconhecem o Ressuscitado quando, à mesa, o Senhor tomou o pão, o abençoou, o partir e distribuiu.
Passados oito dias, estando o grupo dos Apóstolos no cenáculo, Jesus aparece-lhes e, para que não ficassem dúvidas de que não estavam a ver qualquer fantasma, pergunta-lhes: “Rapazes, tendes alguma coisa que se coma?” (Lc 24, 41). E comeu pão e peixe assado com os amigos e à vista deles. Mais tarde, andando os discípulos na faina da pesca, no Mar da Galileia, Jesus chega à praia, faz uma fogueira, assa peixe, arranja pão e, deste modo, toma mais uma refeição em conjunto com os amigos.
Curiosamente, o Cristo vivo e glorioso, depois da Páscoa e ao contrário do que tinha acontecido antes, não faz qualquer milagre que arrebatasse as multidões e solidificasse a fé. Por isso, os Apóstolos, na sua habitual e frequente pregação, não invocavam os milagres para garantir a ressurreição de Jesus, mas sim aquela proximidade afectiva de ter «comido e bebido com Ele». Por exemplo, em casa de Cornélio, um oficial superior romano, mas homem que “dava largas esmolas ao povo e orava continuamente a Deus” (At 10, 2), Pedro exprime-se assim: “Deus ressuscitou-O, ao terceiro dia, e permitiu-lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois da sua ressurreição dos mortos” (At 10, 41-42).
De facto, a ressurreição de Jesus não se demonstra em laboratório nem se resume a uma fórmula matemática, a uma reacção química ou a um silogismo filosófico: sente-se! Sente-se na proximidade afectiva, no saber-se procurado e amado pelo Mestre. Sente-se na preocupação do Redentor pelo nosso bem integral, pela nossa salvação: por isso, e só por isso, é que Ele não hesitou em deixar-se pregar na cruz. Sente-se na ternura de quem não prega doutrinas vazias, mas desce ao concreto da alimentação, base da existência e, por conseguinte, de todos os valores.
Caros militares, agentes de segurança, familiares e civis que constituís o nosso Ordinariato Castrense, convido-vos, nesta Páscoa de 2015, a fazerdes a experiência amorosa de Cristo nas vossas vidas. Permiti que Ele entre no recôndito da vossa intimidade: compreendereis que a condição humana passa pelo diálogo com Deus. Reservai algum do vosso tempo para Ele: vereis que não é tempo perdido, mas o tempo mais aproveitado. E participai na Eucaristia dominical: é esta a refeição das refeições, o lugar do convívio com Deus e o espaço onde surge a verdadeira preocupação com o irmão.
Sim, não vos esqueçais que todas estas refeições de Jesus com os seus discípulos foram conjuntas, colectivas. Funcionam, portanto, como sinal da nossa condição humana: viver é alimentar-se, mas também alimentar os outros, é comprometer-se para que a ninguém falte o básico, é partilhar pão e preocupações. Viver é con-viver. Importa não o esquecer, nesta época insolidária e de terrível individualismo. A condição humana e, muito mais, a cristã, obriga-nos a fazer nossa a sorte do pobre, a tristeza do que chora, a solidão de quem é rejeitado, a angústia de quem é perseguido, a debilidade de quem a doença fragilizou, a negrura de quem viu partir um familiar ou amigo, o desmoronar da esperança de quem sentiu a sua família fraquejar.
Partilhar o pão e a bebida é, portanto, a grande metáfora da vida cristã. Começa por ser uma intimidade com Jesus, mas que se prolonga, incontornavelmente, numa experiência de amor fraterno, de uma forma especial, para com aqueles que, como o pobre Lázaro do Evangelho, são afastados até das migalhas do festim do rico avarento. Por isso mesmo, na passada quaresma, convidei a pensarmos e a comprometermo-nos com os mais carenciados, quer os que trabalham connosco, quer as muitas vítimas –reais ou potenciais- do Ébola. Porque muitos fizeram suas estas causas, o meu contentamento e agradecimento.
E santa Páscoa.
+ Manuel Linda