Seja qual for o dia em que se celebre, a Missa Crismal constitui, para todas as Igrejas/Dioceses do mundo, um motivo de especialíssima alegria porque os Presbíteros se reúnem com o seu Bispo para fortalecerem a consciência da sua configuração íntima a Jesus Cristo, renovarem a sua união e identificação com o Bom Pastor, benzer ou consagrar os óleos com os quais se santifica o Povo de Deus e para revigorar os laços familiares que a todos nos funda como verdadeira família, quase como se fossemos portadores dos mesmos laços de sangue. Para mim, em início de ministério neste Ordinariato Militar para Portugal, essa alegria é redobrada, não só por ser a primeira vez que me encontro convosco a este nível, mas também porque recebo a vossa visita com os mesmos sentimentos com que um pai abre a porta e os braços aos seus filhos: Entrai. Sede bem-vindos. A casa é vossa.
Neste clima de familiaridade, escuto-vos e falo-vos. Permiti que agora seja eu a dirigir a palavra.
Quero começar por agradecer a vossa entrega diária e generosa ao ministério. Sei que sois queridos, desejados, apreciados e acarinhados nas vossas Unidades. Isso acontece porque vos dedicais, leal e heroicamente, àqueles a quem servis. Se agradeço a todos a oferta da vossa vida ao serviço do Evangelho e da edificação do Reino de Deus, permiti que refira expressamente os Padres Jorge Manuel Almeida, António Loureiro, Benjamim Silva e José Marcelino Pereira, em jubileu pelas suas Bodas de Prata Sacerdotais. Parabéns porque durante estes vinte e cinco anos, por vosso intermédio, o mundo acumulou graça e santidade! Sem vós, efectivamente, seria um mundo menos humano e bem menos espiritual. Igual agradecimento vai para os caríssimos Padres José Ilídio e Manuel Amorim. Como sabeis, o P. Ilídio anuiu generosamente ao meu pedido e aceitou desempenhar as funções de Vigário Geral, em acumulação com as que já lhe estavam distribuídas. Quanto ao P. Amorim, ele não só liga o seu nome à história recente do nosso Ordinariato como continua a trabalhar pro bono na Marinha, com a generosidade e a dedicação com que o fazia anteriormente. A um e a outro, o meu muito obrigado.
Nesta proximidade de corações, quero ainda, certamente em nome de todos, garantir que faço meu o sofrimento do P. Luís Seixeira pelo falecimento do seu irmão. P. Seixeira, rezei e rezarei pelo eterno descanso do P. António José e para que Deus te ajude a superar, na esperança, este momento de especial dor.
Não obstante toda a diversidade de situações e acontecimentos, o dia de ordenações de novos padres e a Missa Crismal constituem sempre momentos cimeiros na vida das Dioceses. Devido à nossa especificidade, nós, Ordinariato Castrense, pelo menos para já, não temos ordenações. Mas não serão impossíveis e até temos de pensar muito a sério na oportunidade de um seminário próprio, a exemplo do que acontece noutros países. Se não temos ordenações, vejamos neste dia da Missa Crismal e da renovação das nossas promessas sacerdotais um dos momentos mais altos do nosso Ordinariato. É que, se todos somos ramos da mesma videira cuja cepa é Cristo (cf Jo 15, 5), a circulação em nós da seiva da graça leva como que a esta necessidade de proximidade física para, assim, melhor exprimirmos o mistério de um dom que não equivale a uma profissão ou ganha-pão, mas se constitui como missão confiada a um grupo de eleitos e que é insubstituível para a acção salvífica de Deus no mundo. Vede, caros Padres, a imensa dignidade e responsabilidade que repousa sobre os nossos ombros. Para o vincar bem, gostaria de insistir em dois únicos pontos.
Em primeiro lugar, um ponto de natureza teológica. O memorial da Eucaristia, instituída em Quinta-feira Santa e concretizada no altar da cruz e na ressurreição gloriosa do primeiro dia da semana, é o «santo e senha», o garante e a expressão da nossa identidade. Mesmo que o Senhor não nos tivesse mandado que o celebrássemos para sempre em sua memória –o “Fazei isto em memória de mim” (1 Cor 11, 24)- certamente nos sentiríamos vinculados tão intimamente ao sacerdócio de Cristo que veríamos a Missa como indissociável e razão de ser do nosso ministério. Celebremos, pois, quotidianamente a sagrada Eucaristia por aqueles que nos estão confiados e pela obra da graça e da salvação em todo o mundo. Fazei-o em união de sentimentos com a Igreja, por intermédio do bispo a que vos ligais, e com os irmãos presbíteros que igualmente servem os homens e as mulheres que constituem as Forças Armadas e de Segurança de Portugal. E fazei-o de modo a não desvirtuar o sacrifício de Cristo: com dignidade e simplicidade, com sobriedade de palavras e gestos, em clima de concentração e espiritualidade, no maior respeito pelo rimo litúrgico e pela dignidade de quem participa, edificando pela probidade e pela virtude. Numa palavra: celebremos como Jesus celebrou. Chega isso. Não nos esqueçamos que todos somos pontífices. E a dignidade e unção espiritual da liturgia ou «faz a ponte» entre um Deus que quer cumular o povo com a sua graça e o povo que precisa de ser «elevado» até Deus ou… não é liturgia cristã porque não cumpre a sua razão de ser. E temo que, algumas vezes, não só não aproximemos o povo de Deus e Deus do povo, mas até dificultemos esse contacto.
Em segundo lugar, como consequência desta base teológica de inserção no único sacerdócio do Bom Pastor, gostaria de chamar a atenção para outros dados ou necessidades. Por uma questão de simplicidade, apenas as enumero:
– Fraternidade sacerdotal com os irmãos do Ordinariato e das Dioceses/Con-gregações de origem. Esta é a fonte do apostolado eclesial e até da santidade pessoal. A fraternidade aproxima-nos de quem sabemos que mais precisa.
– Disponibilidade total, expressa na maneira como acolhemos os fiéis, particularmente aqueles que nos pedem serviços como a confissão e a direcção espiritual: eles constituem a razão de ser do nosso ministério.
– Formação contínua, vista como direito pessoal e como dever para com a Igreja, já que a necessária renovação da vida eclesial supõe, porventura mais que nunca, a conformidade da inteligência com graça ou aquele «esforço do conceito» que nos capacite a respondermos de maneira nova a problemas novos.
– Uma simpatia que exprima as razões da nossa esperança (cf 1 Ped 3, 15), traduzida em afabilidade, simplicidade, alegria, amabilidade, acolhimento, maneira de ser polida e delicada. Não tenhamos ilusões: é por aqui que se salva ou se perde definitivamente a nossa relação com os outros e se abrem ou se fecham, porventura para sempre, as portas do acesso à interioridade, onde se implanta a graça. O Papa Francisco tem repisado muito esta tónica
Seja-me ainda permitida uma palavra sobre o ministério em contexto militar. Há meio ano, quando saiu a notícia da minha nomeação para Bispo das Forças Armadas e de Segurança, uma senhora Professora escreveu-me a dizer que, num primeiro impacto, preferia ver-me colocado numa Diocese territorial. Mas que, pensando bem, lhe parecia não menos importante a missão que o Santo Padre me distribuía. E justificava: “No passado mês de Junho, encontrava-me em Fátima por ocasião da peregrinação nacional dos militares; infiltrei-me numa das celebrações e apreciei aquela extraordinária “massa humana” tão jovem, tão disponível e tão orgulhosa da farda envergada. Percebi o quanto a presença institucional da Igreja de Cristo nesse meio pode ser importante”.
Sim, os militares e os agentes de segurança reclamam a nossa presença. Não como mais um no meio deles, mas como símbolos visíveis de uma fé salvadora. Estaremos aptos a aceitar este desafio? Por outro lado, no meio castrense, ainda predominam os jovens. Ora, se, para a Igreja todos têm o mesmo valor, estes, por aquilo que representam em termos de transmissão da fé à sua família, constituem uma prioridade. Assumimo-la como tal? Mais ainda: eles orgulham-se da farda que envergam. E nós também nos «orgulhamos» da nossa condição clerical ao serviço desta parcela tão importante do Povo de Deus? Estas perguntas ficam aí como desafio.
Caros Amigos, com a melhor disposição que nos nasce de um coração agradecido pelo facto de Deus ter feito em nós maravilhas, renovemos a nossa entrega com uma forte confiança no valor salvífico do nosso ministério. Revigoremos a vontade de nos dedicarmos, com toda a força anímica, ao serviço da evangelização e da santificação e disponhamo-nos a tornarmo-nos os primeiros samaritanos dos pobres, dos doentes, dos desempregados e de todos os portadores de carências e de sofrimento. E agradeçamos ao Senhor a confiança em nós depositada ao confiar-nos a tremenda responsabilidade de O representarmos no meio do seu povo.
+ Manuel Linda