Foi hoje, no espaçoso Auditório da Escola de Fuzileiros, em Vale Zebro, que teve lugar a celebração da Eucaristia com Bênção das Boinas, presidida pelo Senhor Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, D. Rui Valério.

 
O Corpo de Fuzileiros decidiu fazer coincidir a data litúrgica da Epifania (dia de Reis), 06 de janeiro, com a Bênção das Boinas, símbolo por excelência do Fuzileiro, para enfatizar a dimensão do caminho, do seguir a luz… que são valores para aquela ‘Força Especial’. Sem dúvida uma decisão digna de referência tendo em conta o significado que tem a boina para o Fuzo.
 
Transcrevemos a Homilia do prelado.

HOMILIA «DIA DE REIS»

Bênção de Boinas dos Fuzileiros

 

Caros irmãos

1. Como primeira palavra, exprimo elevada admiração e presto a minha homenagem à iniciativa de proceder à bênção das boinas, símbolo por excelência do Fuzileiro, no dia litúrgico da celebração da Epifania — 06 de janeiro — também conhecido como “Dia de Reis”. Para além do significado que tão feliz coincidência assume na vida dos novos Fuzileiros, que irão ter os Magos como inspiração para sempre, também é evidente o propósito de olhar para a identidade e missão desta ‘força especial’ como um prolongamento das vicissitudes vividas pelos Magos. E representando a humanidade no seu todo, eles identificam essencialmente muito daquilo que é ser cristão.

Hoje, desejamos ver nesses homens, vindos do Oriente, sobretudo um modelo para o Fuzileiro.

2. O primeiro traço que emerge, prende-se com o facto de terem seguido uma estrela (cf Mt 2, 2. 9-10), de se orientarem por ela para irem ao encontro de Jesus Cristo. A estrela foi uma companhia que os conduziu ao Messias. Quando se segue uma estrela, segue-se até ao fim e o cristão é aquele que, no horizonte da vida, tem sempre uma estrela que o impele, que o move e orienta. Reconhecemos que, na vida de todos nós, Nossa Senhora é a Estrela da manhã que nos conduz sempre até Cristo. Maria, nossa Mãe e protetora, vive atraída pelo Filho, Jesus, e atrai-nos também a nós para Ele. Conserva-nos no caminho da salvação e leva-nos ao Salvador. Com Ela, o nosso coração escancara-se para se aproximar e unir ao Senhor.

Também na Marinha, e concretamente nos Fuzileiros, sempre se nutriu grande devoção e carinho para com Nossa Senhora do Mar e desde há séculos que há um precioso sentido do valor da estrela polar. Nas viagens por mares agrestes e águas tempestuosas, o marinheiro confiava a sua vida à Senhora do Mar que o guiava rumo a porto seguro guiado pelo brilho da estrela polar.

Mas tal como o cristão, também os Fuzileiros na realização das suas vidas e no desempenho das suas missões se guiam pela luz brilhante que brota da estrela do querer servir; da estrela do amor à pátria e ao povo, com honra e valor. Santo Agostinho gostava de dizer a quem o interrogava sobre o que fazer: «Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.” (S. Agostinho Serm Ep 1Jo) Assim vive quem está no seguimento de Jesus e tem como grande referência existencial e critério de ação o amor. O amor a Deus e aos irmãos, traduzido em serviço e dedicação. Serviço que, tanto na vida do cristão, como na do Fuzileiro, pode conduzir ao derramamento do próprio sangue, por Cristo e pelos irmãos, e alcançar a profundidade da doação por amor.

3. Os Magos, pois, protagonizam uma experiência que, de certa maneira, exprime bem o cerne da novidade inaugurada pelo próprio Jesus, cuja «vinda na carne» constituiu uma autêntica abertura do céu à terra.

Os Magos fizeram a experiência dessa abertura e o evangelho apresenta-a em vários atos.

Primeiro, há a abertura do mundo com os três Magos — que o representam — a porem-se a caminho. Abrem fronteiras e fazem da Terra num lugar de encontro. Quando se diz que “chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente” (Mt 2, 1), torna-se evidente as milhas percorridas, os percursos trilhados, as fronteiras que se abriram para passarem… Jesus não só fez do mundo o aqui e agora da salvação, mas também o colocou como rota de encontro com a humanidade.

Depois, a abertura do olhar: “Nós vimos a sua estrela no Oriente” (Mt 2, 2)— disseram eles aos habitantes de Jerusalém. Ora, quem sabe ver as estrelas, sabe ver para além de si mesmo. Trata-se da mais importante abertura existencial que alguém pode viver, o olhar para além de si, para lá do seu mundo, do seu contexto de vida. Um poema da Sofia diz isso mesmo, explicita como ver e seguir uma estrela nos abre e conduz ao encontro do mundo e da humanidade: “Eu caminhei na noite / Entre silêncio e frio / Só uma estrela secreta me guiava. // Em direções distantes nos chamaram / E a sombra dos três homens sobre a terra / Ao lado dos meus passos caminhava / E eu espantada vi que aquela estrela / Para a cidade dos homens nos guiava” (Sophia de Mello Breyner Andersen, Livro VI). A mesma estrela que nos guia ao encontro da “cidade dos homens” é a mesma que, para ser vista, é necessário sair do conforto do sofá das nossas casinhas, de sair dos refúgios onde nos enclausuramos, abandonar os palácios de pedra que, por exemplo, aprisionavam o pobre e miserável Herodes (cf Mt 2, 3-8; 14, 3-12).

Seguidamente, foi a vez de se abrir a Sagrada Escritura. Nela encontraram a indicação do lugar onde tinha de nascer o Messias “porque assim está escrito pelo profeta: ‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’» (Mt 2, 5-6). Quem frequenta a Palavra de Deus, mergulha na revelação da verdade e do caminho da salvação. A Palavra faz-nos conhecer onde Cristo está e onde nasce. E desta luz somos iluminados para o descobrir na vida e no mundo e aquecidos para o deixar nascer no coração e na vida.

Depois, há uma outra abertura: “abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra.” (Mt 2, 11) A abertura, conduz à oferta. Foi assim com os Magos, que abriram os tesouros para os oferecer a Jesus, e também é assim na vida cristã, quando o coração se abre ao Senhor e aos irmãos e conduz à doação de nós mesmos.

Pertence à mística dos Fuzileiros a abertura à universalidade, a abertura ao mundo para ajudar a implementar a dignidade, o direito e a liberdade das pessoas. Isso mesmo vem expresso no Hino do Fuzileiro que inicia com as palavras “Como outrora cruzámos os mares” e — bem ao jeito dos Magos — prossegue por um autêntico roteiro: Bolama, Cantanhez e o Cacheu, Guiné, Zaire, Moçambique, Zambeze…

4. A apresentação dos presentes é o reconhecimento e a afirmação da identidade mais profunda daquele Menino. Na oferta do ouro era afirmado que Ele era o Rei dos reis; com o incenso, revela-se a sua condição divina, de ser Filho de Deus; com a mirra, põe-se em evidência a sua humanidade, inclusivamente se antecipa já a sua cruel morte na cruz. Aqui descobrimos que uma das obras mais importantes da nossa vocação reside no envolvimento com a afirmação da identidade sagrada de cada ser humano, ou seja, não podemos deixar de estar comprometidos com a salvaguarda e a promoção da dignidade do ser humano. Assim, caros Fuzileiros, é apanágio da vossa vocação lutar sempre e em todos os terrenos pela dignidade e grandeza de cada homem e mulher, de cada criança e idoso. Como? Ninguém vos pede ouro, incenso e mirra, mas pede-se-vos que ofereçais a paz e a liberdade; que espalheis sentido de honra; que restituais os direitos a quem os não vê reconhecidos.

5. “Regressaram ao seu país por outro caminho” (Mt 2, 12). Que expressão maravilhosa para manifestar a beleza existencial do encontro com Cristo! Encontrá-lo significa enveredar por “um outro caminho”; diferente, novo. Depois de estar com o Senhor, já não se pode, nem se quer retomar o caminho anterior, o antigo, aquele onde estávamos. Porque o encontro com Cristo provoca uma mudança, um tsunami existencial, a vida velha perde interesse e fascínio e naturalmente enveredamos pela estrada da santidade.

Também vós, caros Fuzileiros, ao fazer o vosso juramento ides abraçar um novo rumo para a vossa vida, onde o outro, a Pátria, os portugueses, os desfavorecidos estarão sempre em primeiro lugar, antes de vós mesmos. Ides trilhar um caminho muito diferente daquele que percorrestes até agora e onde os vossos camaradas já estão. Ser fuzileiro é ser como os Magos, é sentir no fundo da sua alma que o seu caminho é outro. Não é, por isso, o caminho do facilitismo. Mas o do sacrifício, o da luta, o de servir em vez de esperar ser servido. É outro caminho porque, como reza o vosso lema, “Braço às Armas Feito”, e vós sabeis que apenas o braço do serviço conduz ao amor a Deus e aos irmãos.

Nossa Senhora do Mar vos acompanhe. Ámen

+ Rui Valério

Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança