D. Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e de Segurança, presidiu hoje, na Igreja de S. Domingos, em Lisboa, à Celebração Eucarística que deu início a este dia principal das Festas de Nossa Senhora da Saúde.
Transcrevemos a sua homilia.
Caros irmãos em Cristo
1. São João Paulo II, no seu testemunho sobre os dramáticos factos ocorridos na Praça de S. Pedro em 1981, amava dizer que graças a Nossa Senhora tinha sido protegido e salvo porque, explicava, “foi uma mão materna que guiou a trajetória da bala“.
Esta aliança entre Nossa Senhora e a salvação da vida da humanidade e das pessoas tem sido uma constante que o decorrer do tempo só tem confirmado. Sempre se reconheceu a Nossa Senhora a Sua dedicação à proteção e salvação da humanidade de todos os perigos. Ela é por nós louvada e aclamada como a Senhora da Saúde porque, vivendo e confiando na sua maternal intercessão, está garantida a integridade de cada um de nós, tanto no corpo como no espírito, comona alma. Nossa Senhora, a Nossa amada protetora,defende-nos com o escudo do seu manto de ternura; e o baluarte com que nos protege é o amor de verdadeira e terna mãe para connosco,seus amados filhos. Maria Santíssima, a cidadela onde encontramos abrigo seguro, defende-nos de tudo o que atente contra a nossa vida e dignidade de seres humanos.
Maria, Vós sois o milagre da medicina divina que cura as nossas feridas do corpo e da alma. Com o bálsamo da Vossa doçura maternal suavizais as mágoas que as quedas ao longo das estradas escorregadias da vida provocaram em nós. Confortai-nos, protegei-nos, vinde em nosso auxílio e socorrei-nos. Pois aqueles que amais estão novamente expostos ao perigo. E como em 1570 viestes em socorro da amada cidade de Lisboa para a salvar da Peste dizimadora, em sinal de atenta escuta às preces dos Artilheiros, e, em 1917, visitastes Portugal quando esta terra a Vós consagrada era flagelada pela peste da guerra e do desespero, hoje Vos rogamos, Nossa Senhora da Saúde, que intercedais por nós junto de Cristo Senhor, como outrora intercedestes junto d’Ele nas bodas de Caná, para que Ele lance o seu divino olhar sobre nós, seu povo eleito, e, uma vez mais, Vos coloque a nosso lado e nos ofereça a Vós como, na Cruz, Vos ofereceu o discípulo amado dizendo: “Mulher, eis o teu filho.” E no coração de cada um de nós ressoe novamente as palavras do Dom: “filho, eis a tua Mãe”.
2. A palavra de Deus, que tivemos a alegria de escutar e acolher, revela a Páscoa de Jesus Cristo, com a Sua morte e Ressurreição a perpetuar-se no tecido existencial dos discípulos, em todos osmomentos e circunstâncias. Hoje são dois os momentos da história e da vida dos Apóstolos onde aconteceu a Páscoa.
O primeiro é referido no livro dos Atos dos Apóstolos (5, 27b-32.40b-41), ao narrar que os discípulos do Senhor compareceram na presença do Sinédrio onde foram julgados, condenados ao silêncio e açoitados. Também Jesus tinha sido conduzido ao Sinédrio para ser julgado pelas mesmas autoridades. Às acusações respondera com o silêncio, fora flagelado e condenado. Mas Deus, pelo seu poder, exaltou-O com a Ressurreição. Também os apóstolos agora vivem a glória da Ressurreição. Eles próprios ressuscitam na coragem de anunciarem e daremtestemunho de Jesus Cristo e da obra que Deus realizara em Seu favor e naquela encantadora alegria que os inunda por terem merecido serem ultrajados por causa do nome de Jesus.
Também o evangelho mostra como, na mais pura e trivial simplicidade da lide quotidiana,aconteceu a Páscoa: primeiro fizeram uma autêntica experiência de morte, quando labutaram uma noite inteira na faina da pesca e, como refere o evangelho, ”naquela noite não apanharam nada”. Uma frase vertida no texto sagrado eescrita em tom quase precipitado, escondendo o drama de trabalhar em vão, da inutilidade do esforço despendido. É deveras uma experiência de morte a que resulta de um trabalho não valorizado, no qual a pessoa sente o absurdo da inutilidade. Também hoje, em muitos lugares do mundo e até em Portugal, há muitas pessoas que, no seu trabalho, fazem ou são obrigadas a fazer essa experiência de morte quando não são tratadas com dignidade nem com respeito.
Mas, para os discípulos pescadores, à experiência de morte sucedeu a glória da Ressurreição, vividana obediência à Palavra do Ressuscitado: «lançai a rede para a direita do barco e encontrareis». E eles assim o fizeram prontamente podendo vivenciar o êxito da pesca milagrosa. Contudo, a mais forte experiência da Ressurreição por parte dos discípulos aconteceu na adquirida aptidãopara reconhecerem Cristo Ressuscitado ali presente, a falar com eles, naquele lugar da faina,naquele pequeno reduto onde era possível viverem condensadamente tanta desilusão e, agora, tanta esperança.
Eis o melhor Remédio que Nossa Senhora da Saúde nos pode conceder! Quão suave é obálsamo oferecido pela sua bondade infinita aoajudar-nos a descobrir que a nossa própria vida é lugar de Páscoa, não obstante as suas dificuldades e desilusões. Os seus desafios e as suas cruzes, as suas amarguras e os seus dramas põem-nos em comunhão com o sofrimento e com a morte do próprio Jesus. Mas também é Ela que nos permiteviver em Cristo a Páscoa da Ressurreição. Com Ele Ressuscitamos quando em nós a força da solidariedade supera a do egoísmo; com Ele Ressuscitamos quando a confiança em Deus é mais forte que a confiança em nós próprios e nas forças do mundo; Ressuscitamos quando a dedicação solidária aos outros vence a mesquinhez da indiferença e do egoísmo.
3. Mas à Senhora da Saúde pedimos, solícitos, que nos conceda a graça de nos dispormos “a obedecer antes a Deus que aos homens.” Ou seja, de assimilarmos os mesmos critérios de Deus para entender os mistérios da existência e avaliar os fluxos da história. Se é verdade que cada um é aquilo que a altura e profundidade da sua visão do mundo lhe conferem, então devemos reconhecer que, no mais das vezes, nos falta grandeza e elevação e que os nossos horizontes são atávicos e mesquinhos. Só a medida dos padrões de Cristo é suficientemente sublime e nos confere elevação e grandeza. Só quando os discípulos interiorizaram as medidas do próprio Deus se tornaram, eles próprios, grandes face às metas que procuravam.
Pensemos nesses heroicos Artilheiros que, no fatídico ano de 1570, ousaram elevar alto o seu olhar, não cederam à tentação do desânimo que a força devastadora da peste incutia, mas subiram ao elevado nível da confiança e suplicaram à Senhora da Saúde que protegesse e salvasse Lisboa, porto de abrigo, mas sobretudo porto de partida de tantos missionários pelas estradas do mundo.
Nossa Senhora, protegei-nos, contra a mesquinhez. Ajudai-nos a assumir os critérios e as medidas de Deus para construir um mundo à sua imagem e semelhança.
4. «Simão, filho de João, tu amas-Me?» – «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Ouvíamos ainda ecoar no evangelho. A grandeza empolgante da Páscoa em nós é protagonizada dentro do nosso coração quando deixa de ser, quando morre, o coração de pedra e se transforma em coração de carne, em coração que ama. Ama incondicionalmente. O melhor testemunho que São Pedro nos dá de homem Ressuscitado, que agora de facto é, está na sua incondicional resposta de amor a Cristo Jesus.
Nossa Senhora da Saúde, a pior enfermidade que nos pode infetar é o não-amor, é o ódio! Não nos deixeis enfermos, acamados e acomodados no leito do ódio ou da indiferença. Curai-nos. Que Ressuscitemos na novidade de amar a Deus e aos irmãos e de servir a todos, sobretudo aos mais frágeis.
5. Num famoso e erudito sermão constatava Padre António Vieira: “Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, Maria, Mãe de Jesus, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde.” (Do Sermão do Nascimento da Mãe de Deus, § 6). Atendei, Mãe gloriosa, como haveis sempre atendido, a prece que hoje elevamos para Vós: sejamos protegidos de todo o mal, concedei–nos , a nós e à nossa cidade, saúde, paz e esperança.
+ Rui Manuel Sousa Valério
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança