Texto de D. Manuel Linda a propósito da Mensagem do Papa para o próximo Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2017).
Esta não é apenas «mais uma» mensagem para o Dia Mundial da Paz: é a comemorativa do cinquentenário da sua instituição. Compreende-se, pois, que contenha algo de refundador e até de programático.
Pense-se na Declaração dos direitos humanos. Se, em 1948, com tantas feridas abertas pela segunda grande guerra e com um mundo alinhado em blocos, se conseguiu chegar a esse verdadeiro “marco miliário da humanidade”, passados 68 anos não poderíamos estar bem mais à frente, quer na sua implementação, quer mesmo na compreensão e concretização?
O mesmo se passa com a paz. Quando Paulo VI instituiu o seu «Dia Mundial», deu expressão a uma das melhores intuições do Concílio Vaticano II que rejeitou liminarmente a guerra -qualquer guerra- e apenas admitiu como eticamente aceitável a legítima defesa. Ao longo destes 49 anos, os Pontífices chamaram a atenção para a fragilidade da paz e para as condições da sua salvaguarda. Não obstante, somos hoje confrontados com o que o Papa Francisco designa por “terceira guerra mundial por episódios”: um mundo de violência extrema e de nova «corrida aos armamentos», especialmente aos nucleares, de que o Daesh e a Coreia do Norte constituem expressões terríveis.
Face a este estado de coisas, o Papa propõe a sã utopia evangélica da não-violência ativa, como a única atitude capaz de fazer o corte com um passado que a não conseguiu edificar à escala global. Só uma «nova arma», em tudo diferente das usadas até aqui, pode assegurar a paz. E essa «arma» tem um nome: não-violência.
De facto, as terríveis grandes guerras do século XX ensinaram-nos que, para a salvaguarda da paz, é perigosamente mortífero inverter a ordem dos factores e colocar, logo ao início, meios que, quando muito, só podem aparecer ao fim. É o caso dos exércitos. Numa linha ascendente, a defesa da paz faz-se pela educação e cultura, desenvolvimento integral, capacidade de resposta às expectativas dos jovens, rearmamento moral da sociedade, diálogo, busca afincada do bem e da verdade, diplomacia, direito internacional e autoridade pública mundial, isto é, uma ONU credível e operante, o que nem sempre tem acontecido.
Ora, isto é o contrário dos recursos a que temos lançado mão: à ciência e à técnica como potenciação máxima da violência e da ferocidade. O Papa pretende a reorientação das mentes e apela a que se privilegie o coração humano. A começar pela pessoa individual e pelas famílias. Sempre sob a moção do Espírito de Deus e a exemplo de Jesus Cristo.
É neste sentido que Francisco insiste no “algo mais”. E é também por este novo enfoque humanista que esta mensagem está destinada a fazer história.
Manuel Linda