
HOMILIA 141º ANIVERSÁRIO PSP-PORTALEGRE
Quarta-feira, semana XI per anum ímpar
Irmãs e irmãos em Cristo!
1.Um famoso provérbio chinês diz que faz mais ruído uma árvore a cair do que uma inteira floresta a crescer. Este elogio à força vivificante do silêncio está bem patente na Palavra que hoje escutámos, neste dia em que celebramos o centésimo quadragésimo primeiro aniversário da PSP em Portalegre.
De facto, o silêncio é o contexto e o ambiente próprio do crescimento e do desenvolvimento. Quando a semente é lançada à terra, germina, cresce e dá fruto e tudo sucede sem ruído, no mais absoluto e total silêncio. O silêncio é o ambiente do amadurecimento. Só o que nessas circunstâncias é feito se reveste de solidez e consistência.
É imperioso reparar na profundidade do trabalho e do modo de o realizar que vós, Polícia de Segurança Pública, tendes tido ao longo destes 141 anos aqui em Portalegre. A gloriosa obra que aqui tendes realizado pode não ser assinalada nas primeiras páginas dos jornais ou tão-pouco na abertura de telejornais, mas é testemunhada pelo evidente nível de segurança da região; pelos altos níveis de civilização e cidadania que aqui são praticados. O melhor reconhecimento do valor da vossa ação é a evidência de uma cidade segura, que oferece todas as garantias de confiança ao cidadão.
2.Todos sabemos e compreendemos quanto esforço e dedicação comporta e exige este desígnio de segurança. Por ser um dado tão precioso e exigente, permite todos os outros bens que permitem um superior nível de vida aos cidadãos. É graças à segurança garantida pela PSP que é promovido um mais elevado nível de vida ou uma melhor escola; é a segurança garantida por vós que proporciona melhores condições de investimento; é a segurança o motor do desenvolvimento. Caros agentes da Polícia, a vossa missão tem um caráter universalista e transversal, na medida em que é graças ao que fazeis que uma sociedade pode viver e funcionar. Onde há segurança, há vida; surge e desenvolve-se a educação, fortalece-se a formação; é garantida a saúde; a economia tem a condição indispensável para operar.
3.Por isso, o reconhecimento do precioso labor da Polícia, seja em Portalegre seja noutro lugar, corresponde ao mais elementar ato de justiça e de discernimento social. É que o desempenho policial não pode ser colocado em pé de igualdade com outros desempenhos que são setoriais ou se referem a dimensões parciais da vida em sociedade. De facto, o vosso trabalho diz respeito ao todo da vida social. Nessa medida, a “Polícia” — palavra cuja raiz é Polis, que significa a “cidade” no seu todo — está não só ao lado das demais funcionalidades que se desenvolvem na urbe, mas afirma-se sobretudo como alicerce a partir do qual se constrói toda a complexidade da vida de uma comunidade. A segurança é, na verdade, imprescindível e vital! Este caráter fontal da vossa Missão reforça ulteriormente a nobreza do vosso agir, na medida em que testemunha estardes vós ao serviço das pessoas. Sendo a vossa ação uma das bases da dinâmica de uma sociedade, o vosso agir revela que as pessoas estão sempre em primeiro lugar, que são elas o centro e a base de tudo quanto se desenvolve na comunidade. Sim, caros agentes da Polícia, a missão que realizais tem um alcance humanista no verdadeiro sentido desta palavra: sois a garantia de que o ser humano e a sua dignidade são a base da própria sociedade e a razão de ser de toda a sua dinâmica. A medida da importância do vosso serviço tem a dimensão do valor da dignidade do ser humano.
O padroeiro da PSP é são Miguel Arcanjo e é muito significativo e sugestivo que iconograficamente se apresente com uma balança numa das mãos. Prescindindo do seu significado teológico, a balança serve obviamente para pesar. O que para a Polícia tem peso, ou seja, o que mais conta, o que mais pesa é, sem dúvida, a defesa do ser humano e a salvaguarda da sua dignidade. Estes são os valores determinantes que sois chamados a pesar no prato da balança do vosso dia a dia.
4.Providencialmente, o Evangelho de hoje oferece-nos referências que em muito contribuem para compreender, à luz da Palavra de Deus, o mundo interior de um agente de segurança. Refere-se às tradicionais praticas quaresmais – a esmola, a oração e o jejum – que visam conversão e ao melhoramento interior.
- «Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo.» Palavras particularmente adequadas à Polícia, para a qual, em muitas situações, o cumprimento do dever significa pôr em risco a própria vida, em função da vida dos outros. Para além disso, tais atos são realizados, regra geral, de forma abnegada. Vós não praticais o bem para serdes famosos ou vos tornardes mediáticos nos holofotes da ribalta. Aliás, a defesa e promoção do bem comum, apanágio da vossa índole profissional, exige tantas vezes a superação do que está estritamente estabelecido, indo largamente para além do rígido e exclusivo cumprimento do dever. Quantos cidadãos não testemunham a profunda gratuidade que a Polícia coloca naquilo que faz? Quantos não são os que, fazendo uma ronda, não se preocupam com o estado de saúde da senhora idosa, do acamado, do migrante? Quantos não gastam algum do seu tempo para ir visitar, voluntariamente, uma família que socorreram? A exaltação do valor da gratuidade é o que significa a frase do Evangelho «não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita» e corresponde à prática de muitos agentes da PSP quando prontamente auxiliam as comunidades.
- «Quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo». Sendo a vocação da Polícia servir a Polis — ou seja o lugar onde habitam muitos e diversos seres humanos, onde mora a pluralidade —, um agente de segurança necessita de ter espaços e momentos de recolhimento, de interioridade. É vital! Pois as decisões, os planos marcantes para a vida e o discernimento não se conseguem na dispersão ou confusão da rotina, mas no espaço do retiro interior. Tanto mais que só nesse oásis de silêncio e intimidade consigo mesmo e com Deus é que cada um pode verdadeiramente refletir sobre o que viveu e meditar acerca do que fez e das motivações da sua ação. Mas é também no silêncio que se aprende a trilhar a direção e o sentido do caminho a seguir. Não esquecendo que todos necessitamos de partilhar com alguém o que sentimos na alma, as nossas dúvidas, os nossos problemas, os nossos anseios e, por vezes, conflitos interiores. Deus é esse Alguém que está sempre disponível e aberto a escutar cada um e, para cada um, tem prontamente uma palavra, uma resposta, uma mensagem que pode ser escutada no silêncio e disponibilidade interior.
- Por fim, “Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam… Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai.” Palavras pertinentes para quem, como a Polícia, lida diariamente com a faceta mais tenebrosa e sinistra do ser humano. De facto, no vosso quotidiano contactais com muitas formas de violência, com pessoas que se agridem, gente que é desonesta; contactais com o crime nas suas múltiplas modalidades… e, contudo, continuais a desempenhar a vossa missão, acreditando nas potencialidades do ser humano. Todos os dias saís de casa sabendo que não vindes propriamente para o paraíso, mas para situações ou circunstâncias às vezes infernais. E, contudo, apressais-vos a responder às chamadas, aos apelos. Deixai-me que vos apresente, por tudo isso, os meus sinceros cumprimentos.
Mas hoje, à luz da Palavra de Jesus, quero evocar um outro motivo de admiração e de gratidão para com a PSP: acredito que as experiências e situações por que passais, o que presenciais, o que testemunhais, o que viveis mexa, de alguma maneira, convosco. Compreendo que, não obstante toda a formação que recebeis para lidar e gerir com as situações mais escabrosas, não saís incólumes quando as vivenciais. Quase necessariamente, o mal com que contactais tem repercussões na vossa alma. E quantas vezes a alma do agente da Polícia não sofre ou até não sangra de dor face à violência do mundo e às injustiças que vê e de que, por vezes, é ele próprio vítima! E contudo, o seu rosto nunca mostra a amargura que lhe poderá ir na alma. Parabéns por manterdes o rosto sereno e até mesmo sorridente, não revelando as lutas e os dramas que, por vezes, levais dentro de vós.
Que São Miguel Arcanjo vos ilumine, vos proteja e recompense. Ámen!
+D. Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança