Teve lugar ontem, dia 08 de outubro, no Centro de Formação de Portalegre da Guarda Nacional Republicana, a Celebração do Crisma, presidida pelo Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança, D. Rui Valério.
Eram 26 crismandos e um catecúmeno (para batismo) pertencentes à 2ª companhia do 42º Curso de Guardas da GNR.
A celebração foi ao ar livre e contou com a presença do Comandante da Escola da Guarda, Major-General Domingos Pascoal, do Comandante do Centro de Formação de Portalegre da GNR, entre outros Militares da GNR.
Estes jovens fizeram a sua caminhada de preparação sob a guia do Capelão daquela Unidade, Rev Pe Marcelino Dias Marques.
HOMILIA NA CELEBRAÇÃO DO CRISMA
ESCOLA DA GUARDA – PORTALEGRE
Caros irmãos
A Palavra que escutámos ilumina-nos sobre o mistério que estamos a viver. Celebramos, no sacramento da confirmação, a descida e a efusão do Espírito Santo sobre vós. E o que testemunha a Palavra que escutámos é que se trata se um mistério grandioso, que podemos contemplar em três momentos:
1.O Espírito que recebeis, é o Espírito Santo, divino, portanto, incriado, que, na força do amor infinito do Pai, vem derramado em vós, “sujeitos” temporais, marcados profundamente pela história e pela temporalidade. O Espírito Santo que o Crisma confere vem-vos inundar, a vós e à vossa vida, com a graça do sopro divino. Tal como os apóstolos que, após a experiência do Cenáculo, passaram a ser mobilizados pela força do Espírito Santo que tinha recebido em forma de sopro de vento e línguas de fogo, também vós hoje estais habilitados para realizar a vida e desempenhar a vossa missão de Guardas na força do sentido de Deus, impelidos pelo seu sopro vital.
2.Há uma experiência curiosa que sucede com o ser humano, a qual faz pressentir a dimensão infinita existente nele.
Reparem: podemos estar a ouvir música durante horas, por vários dias, semanas até. Caso a música seja de boa qualidade, nunca nos sentimos exauridos pela quantidade do que escutámos. O mesmo em relação à escuta de palavras: pode-se ouvir vários discursos, aulas…. Imaginem a quantidade de palavras, de conhecimento, de informação que, num só dia, se é capaz de receber e assimilar sem se chegar, pela quantidade, à exaustão. Realmente, já o povo, na sua sabedoria prática, diz que «o saber não ocupa lugar». Pelo que ouvimos, aprendemos, recebemos de conhecimento podemos sentir algum cansaço, mas nunca “cheios” no sentido de completos… sempre me fascinou esta faceta de termos um fundo de infinito. Enquanto as coisas materiais impõem um limite (por exemplo há uma quantidade do que suportamos) as coisas do espírito – não.
O mesmo princípio se aplica ainda a duas outras dimensões: à memória e à afetividade. Cada momento instante vivido está destinado a ser conservado na memória. Isso representa algo de «infinito». O mesmo em relação à abrangência do horizonte da afetividade traduzida em amizade, amor ou simplesmente compaixão. Não há limites para…..
Como é isso possível?
Esta marca de infinito está inscrita nas faculdades da alma (cf Santo Agostinho) e a Sagrada Escritura explica a sua génese com a narração da criação do ser humano (cf Gn 2, 7). Segundo a Escritura, Deus, ao sexto-dia, pegou no material que tinha criado nos primeiros cinco dias e “formou o homem do pó da terra”. Contudo há um novo elemento que surge “e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida, e o homem transformou-se num ser vivo”. Este sopro, o Espírito Santo, confere ao ser humano a condição divina de infinito.
Caros irmãos, este Sopro divino ao ser conferido a nós, criaturas, torna-nos participantes da própria condição infinita de Deus; o Espírito Santo que hoje recebeis produz em vós novas criaturas, plasmadas pela sua ação à imagem de Cristo Ressuscitado.
O ser humano não foi feito para as fronteiras, mas para o Infinito; as barreiras, as amarras são obra das suas mãos. A Bíblia, que é um livro de pedagogia, é muito clara sobre isso: a transgressão cria bloqueios, barreiras e impede a liberdade. Aliás, a própria narração do pecado de Adão e Eva (cf Gn 3, 1-13) e do assassinato de Caim (Gn 4, 8-16) revela precisamente como são as forças a construir os bloqueios, as intermitências à liberdade do ser humano no apelo de Infinito.
Na missão de segurança é para manter a humanidade na estrada da liberdade, mas para isso é imperioso o mesmo homem não se afunilar nos labirintos do mal.
3. O Espírito, que desceu sobre os apóstolos no Cenáculo (cf Jo, 20, 19-23; At 2, 1-12) veio dar uma orientação, fecundar a identidade daquele grupo que ali se encontrava. Até hoje eram apenas um aglomerado de pessoas, uma soma de sujeitos. O Espírito ao ser soprado sobre eles confere-lhes uma identidade, passam a ter um objetivo comum, com uma missão precisa.
Também o sentido do mundo adquire, com a vinda do Espírito, uma nova configuração: antes era perigoso, ameaçador por isso eles estavam escondidos com medo, retirados e retraídos (Jo 20, 19).
O Espírito mostra aos apóstolos que, afinal, o mundo é feito de pessoas que vivem uma vida normal. Vem em peregrinação de fé a Jerusalém, falam uma língua, têm uma cultura, trilham uma história, acalentam esperanças e vivem o sentido de pátria como referência. O Evangelho que escutávamos ainda é mais radical ao dizer que essas pessoas, como todas, são pecadoras, mas que Deus lhes responde não com o castigo, mas com o perdão.
3º O Espírito mostra-nos que o mundo é o nosso campo de ação, o lugar do nosso trabalho. Não é para fugir dele com medo, mas é para fazer dele um campo para trabalhar. (Jo 20, 19-23).
Caros irmãos, o Espírito que hoje recebeis traz-vos uma nova prospetiva do vosso trabalho. Por vocação já sóis pela lei e pela grei, hoje sois impelidos a reencontrar nesse mundo o lugar da vossa realização como Guardas, mas também como cristãos.
4. Por fim, os discípulos eram medrosos (“estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam com medo dos judeus” Jo 20, 19). Também hoje, o medo está a tomar conta das pessoas. O aparecimento da pandemia só veio reforçar a sociedade de «portas fechadas» que, de fato, já éramos. Socialmente progride muito e velozmente o quanto tudo o que mais central é na vida das pessoas, mais «porta fechada» se torna. Estou a pensar em coisas como as incertezas do futuro, mas também a TV, a Internet, o Facebook…. são as novas casas onde as pessoas passam parte significativa do seu tempo, mas que, paradoxalmente, não as abre para novos horizontes, antes pelo contrário as aninha cada vez mais no reduto do seu individualismo. O Espírito Santo vem escancarar este bloqueio do medo. Como: não é que o Espírito transforme o medo em coragem…. Mas sim, transforma o medo em confiança. Essa é a arma que tudo vence.
Peçamos a Nossa Senhora do Carmo que ilumine e conduza na estrada do serviço e no caminho da santidade a Igreja, particularmente os nossos irmãos que hoje recebem o Santo Crisma. Amen!
+Rui Valério
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança