Hoje, dia 29 de setembro, a Igreja celebra a festa dos arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel.
O Padroeiro da Polícia de Segurança Pública é São Miguel Arcanjo.
Para assinalar e, ao mesmo tempo celebrar, esta maravilhosa festa de tão elevado valor e imenso significado para a Polícia de Segurança Pública, D. Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, presidiu a uma Celebração Eucarística na Igreja da Unidade Especial de Polícia,

No respeito por todas as normas e exigências que a pandemia dita, estiveram presentes, entre outras entidades, Sua Excelência o Senhor Diretor Nacional e outros ilustríssimos membros da Direção Nacional, bem como outros Oficiais, Chefes e Agentes da PSP.
Transcrevemos a homilia de D. Rui Valério.

HOMILIA NO DIA DO PADROEIRO DA PSP

São Miguel Arcanjo

 

1. No dia em que a PSP assinala e celebra o seu padroeiro, são Miguel Arcanjo, a primeira palavra é de congratulação e de homenagem. Nesta atribuição, discernimos a materialização de uma tríplice dimensão:

a) Em primeiro lugar, a PSP valoriza a tal ponto a segurança e a proteção das pessoas, que atribui a essa dimensão da vida um caráter transcendente. De facto, segundo a Escritura, a identidade própria de são Miguel desenvolve-se na proteção e defesa do primado de Deus, salvaguardando, ao mesmo tempo, o primado da dignidade humana, no combate ao mal e na proteção do povo. Significa, então, que todas as ações desta natureza têm um caráter eminentemente transcendente.

Ora a missão da PSP é precisamente a salvaguarda do primado da pessoa, ao garantir a segurança e ao combater o mal. Como tal, trata-se de uma missão de elevado nível que não se pode considerar equivalente a outras ações, por não poder ser equiparada a nenhuma delas. De facto, nenhuma outra dimensão social pode existir sem que, antes, esteja garantida a segurança. O mesmo se diga em relação ao firme propósito de combater o mal. Na senda do vosso padroeiro, caros Polícias, vós mantendes sempre acesa a chama do bem e da justiça. Por isso, a vossa presença e ação são fundamentais para a vida e para o desenvolvimento do país. Mas torna-se verdadeiramente indispensável em tempos de crise de valores e de relativismo moral, como estão a ser os tempos que atravessamos. Se a Polícia de Segurança Pública, no contexto da pandemia virológica, revelou ser um dos alicerces que sustenta a vida da nação, no contexto atual de pandemia ética, a sua ação torna-se ainda mais relevante. Há quem fale em corrupção sistémica de algumas das principais instituições que sustentam o estado de direito. Por isso, sede exigentes, guardai tolerância zero para com todas as formas de mal. Sobretudo, tende presentes as palavras de santo Agostinho “Se se põe de parte o direito, em que se distingue então o Estado de um grande bando de salteadores?” (De civitate Dei, IV, 4, 1).

b) Em segundo lugar, selais a verdade perene, plasmada ao longo de muitos séculos, segundo a qual só quem está e se sente protegido pode proteger os demais. Um Padroeiro, enquanto protetor, garante a todo o Polícia a certeza da sua permanente proteção, o que gera um sentimento interior de liberdade para agir, sem receio, em defesa dos outros. Por isso, são Miguel proporciona ao vivo a correlação existente entre segurança e liberdade, a qual conduz de forma natural à coragem.

 

c) Em terceiro lugar, o Padroeiro, além de ser protetor, é uma referência e até mesmo um modelo. E são Miguel — cujo nome significa: «Quem é como Deus?» — oferece a todo os polícias padrões existenciais, éticos e profissionais que modelam tanto a identidade bem como o caráter.

 

2. Para melhor esclarecer, partilho convosco o que tão significativamente a Escritura oferece à nossa contemplação.

2.1. Primeiro, São Miguel é perito na defesa do primado de Deus — da sua indiscutível existência e soberania —, contra as investidas do Dragão, da “serpente antiga”, como lhe chama são João. Trata-se da eterna tentação do Dragão sobre os homens, como referia a primeira leitura, levando-os a crer que Deus tem de desaparecer, para que eles se tornem grandes; que Deus é um obstáculo à nossa liberdade e que, por isso, nos devemos desembaraçar d´´Ele. Mas, atenção, esta mesma entidade que personifica o mal não pretende anular e acusar só a Deus. O livro do Apocalipse, conforme escutávamos, também lhe chama “acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante do nosso Deus” (12, 10). Quem põe Deus de lado não enobrece o ser humano, mas priva-o da sua dignidade. Então, o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem anula e acusa Deus também quer aniquilar e acusar o ser humano.

São Miguel revela-se o protótipo do agente da polícia na defesa de todas e de todos, qualquer que seja a sua condição, seja ela frágil, forte, pobre ou rica, crente ou descrente… Só assim se promove e salvaguarda a sua dignidade, tarefa cimeira da PSP.

 

2.2 Segundo lugar, são Miguel protege o povo (cf. Dn10, 21; 12, 1), travando a batalha contra o mal e contra tudo o que destrói as pessoas. Com agrado e reconhecimento, Portugal, quando olha para a PSP, identifica nela os defensores intransigentes da vida e da dignidade das pessoas. Vós sois peritos em dignidade! Como se viu no passado, vimo-lo no presente, agora que um vírus ameaçador, invisível, mas letal, paralisou Portugal e o mundo. Numa tal situação de urgência, a PSP permaneceu firme na frente de combate, realizando ações diversas, mas todas com a finalidade de salvaguardar e proteger a segurança das populações.

2.3 Terceiro, são Miguel, como diz a leitura do Apocalipse, luta e vence o Dragão (“São Miguel e os seus anjos lutaram contra o Dragão… o Dragão e os seus anjos foram derrotados e perderam o seu lugar no céu”). Ele recorda-nos que o mal está destinado a ser vencido, o acusador, desmascarado e a sua cabeça, esmagada, porque a salvação se realizou de uma vez para sempre no sangue de Cristo. Eis que da fonte desta luta brotam duas inolvidáveis certezas: primeiro, que a vitória é certa; segundo, que não há vitória sem combate.

Em síntese, encontramos aqui o sentido do exigente trabalho da Polícia: por um lado, a vossa dedicação e entrega na luta contra a violência, o mal, a corrupção e a delinquência assentam na certeza, inerente ao ADN de todos os agentes da polícia, de que o mal não leva, não pode levar a melhor sobre a humanidade. Caros agentes, são Miguel recorda que o mal está condenado a ser vencido. Porém, deixa-nos este apelo: só haverá vitória se houver dedicação e entrega. E esta é precisamente a vossa missão.

Queridos amigos, sede verdadeiramente “anjos da guarda” das populações que vos estão confiadas! Ajudai o povo a sentir-se em segurança, não só a nível social, com cidades seguras, mas também a nível pessoal, nomeadamente nestes tempos de tantas incertezas e com tantas dúvidas a pairar no horizonte da vida. Ajudai as pessoas a encontrar alegria: a acolher o bem e a recusar o mal.

2.4. Quarto, o evangelho diz: “Vereis o Céu aberto e os Anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem”. Que maravilhosa maneira de afirmar a capacidade contemplativa inerente à dimensão espiritual! Cultivar o silêncio, ter na vida momentos de recolhimento e reflexão, acreditai, habilita-nos a ter um olhar mais fundo sobre a realidade, um olhar que vai muito além das aparências.

Partilho convosco uma confissão que um belo dia me fez um senhor cego, que outrora fora, por diversos anos consecutivos, o campeão de tiro em Portugal e que agora, mesmo invisual, continuava a praticar esta modalidade. Assegurou-me ele que não era com os olhos que via, mas sim com a alma. É este olhar que a dimensão espiritual, tão ligada a são Miguel, fortalece em nós, habilitando-nos, assim, a um conhecimento profundo de nós próprios e dos outros. E aqui quero citar a famosa lição de Sun-Tzu resumida na sua Arte da Guerra: «Se conheces o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, se tiveres cem combates a travar, cem vezes sairás vitorioso. Se ignoras o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, as tuas chances de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo o teu inimigo e a ti mesmo, só contarás os teus combates por derrotas.»

São Miguel desafia-nos a todos a criar um clima favorável e propício ao conhecimento profundo de si e dos outros. Através de alguns momentos de silêncio, de reflexão, quiçá de oração, abrindo-nos à luz que a graça de Deus irradia no coração para vislumbrar o essencial tanto em nós e na nossa vida, como nos outros e nos acontecimentos da cidade. Essa mesma luz, quando resplandece, abre a mente à sabedoria, que é, ao mesmo tempo, a arte de bem viver e a arte de bem fazer e, sobretudo, o talento que nos pode orientar para a prática da excelência.

 

Assim, sob a guia de São Miguel, só a perfeição é aceite e admitida em tudo o que se faz, em tudo o que se é.

São Miguel, proteja a Polícia de Segurança Pública e Portugal. Amen !

 

+ Rui Manuel Sousa Valério

Bispo das Forças Armadas e Forças de segurança