Homilia da Missa, no Mosteiro da Batalha, na cerimónia comemorativa da batalha de La Lys, promovida pela Liga dos Combatentes.
Esta celebração, com a qual iniciamos a Semana Maior ou Semana Santa, parece contraditória: a exultação e o triunfo dos Ramos contraposto à ignomínia do sofrimento e da morte da Paixão. Não obstante, o espírito da liturgia interliga estes dois momentos com toda a naturalidade. E, de facto, um supõe o outro.
A morte violenta de Jesus não foi um acaso, um acidente inopinado: estava prevista nas Escrituras como condição de resgate. A expressão “pelas suas chagas fomos curados” (Is 53, 5), é uma verdadeira profissão de fé que aparece literalmente em ambos os Testamentos. É que ela é uma morte salvífica e expiatória em nosso benefício. De resto, a auto-consciência disto levou o Senhor a antecipar com toda a naturalidade: “Isto é o meu corpo. […] Este é o cálice do meu sangue que vai ser derramado para remissão dos pecados” (Mt 26, 26-27). Eis, pois, a razão pela qual se associa o júbilo dos ramos à via dolorosa e ao Calvário: este é penhor de salvação e redenção. Sem ele, não atingiríamos a nossa vocação meta-temporal, não se daria o cumprimento da aliança entre Deus e o seu povo, não teríamos acesso à grande Pátria, que é o Reino de Deus.
Esta celebração, lida em chave da memória que fazemos dos antigos combatentes, projecta-nos para a compreensão de um mistério semelhante. É triste -muito triste- que a humanidade não se entenda com o irmão que está ao lado. É triste que, continuamente, troque aquele bom convívio enriquecedor de todos, a que chamamos paz, pela agressividade compulsiva que leva ao aniquilamento da pessoa e dos bens do outro. É triste que seja, muitas vezes, a partir desses momentos de maior ferocidade e destruição, que organizemos e contemos a história do mundo.
Mas, precisamente porque assim tem sido é que valorizamos o sacrifício daqueles que, numa certa semelhança com Jesus Cristo, também sofreram paixão e morte para que outros pudessem sobreviver, para que nos fosse possível tecer a nossa vida pessoal e colectiva com liberdade, segurança e paz, valores sem os quais não seria verdadeiramente uma existência humana.
Associamos, pois, os combatentes a Jesus Cristo. Não enquanto expressão da ferocidade, mas como agentes para a obtenção dos bens mais nobres. Se se assemelharam com o Salvador no sofrimento e na morte, agora, com Ele, tomem parte na glória eterna. E nós saibamos ser dignos dos valores pelos quais lutaram: a capacidade de vivermos como irmãos nesta «aldeia global», pois ela é, por natureza, o espaço do Reino de Deus e jamais o lugar das trevas dos infernos. Mesmo que a realidade o pareça negar. É que a mesma liberdade que o há-de actuar também o pode desdizer. Mas o sadio optimismo cristão garante-nos que o futuro é de Deus e do bem e não do demónio e sua fúria destruidora.
Pedimos a Deus nos dê forças para a instauração deste Reino de Paz, pelo qual tantos sofreram e morreram. E fazemo-lo por intercessão da Virgem Maria que, aqui ao lado, em Fátima, há cem anos, fez a promessa solene: “Se os homens se converterem, virão tempos de paz”.
+ Manuel Linda