RezNo Ano Santo da Misericórdia

Sede misericordiosos como o vosso Pai do Céu é misericordioso

Com o Bula “O rosto da misericórdia” (em latim, “Misericordiae vultus”), datada de 11 de Abril de 2015, O Papa Francisco proclamou um Jubileu Extraordinário ou Ano Santo da Misericórdia. O que é e como o vamos viver?

É quanto, de forma muito simples, procurarei referir nesta nota pastoral que dirijo afectuosamente aos católicos e a todos os homens e mulheres que servem as Forças Armadas e as Forças de Segurança e às suas famílias.

 

  1. O «Ano Santo»

Desde 1300, a Igreja designa como «santo» o ano em que os fiéis podem beneficiar de especiais graças e indulgências, mediante a conversão e o desejo sincero de progredir na fé, na vida eclesial e na prática das boas obras. E porque essas graças devem constituir motivo de alegria é que se fala em «jubileu», usando, aliás, uma expressão que já nos vem do antigo judaísmo.

Habitualmente, o «ano santo» celebra-se de vinte e cinco em vinte e cinco anos para permitir que todas as gerações possam receber esses bens de natureza espiritual. Mas além desses «anos santos» habituais, a Igreja pode estabelecer outros, motivados por especiais razões. É o caso deste que, assim, se denomina «ano santo extraordinário». O Santo Padre proclamou-o para que, neste mundo de desagregação, individualista e de violência estrutural, os cristãos não se esqueçam que a noção de misericórdia se encontra bem no cerne da nossa fé e para que os homens e as mulheres de boa vontade descubram que a capacidade de sintonizar e fazer nossas as dores alheias é que nos elevam a um patamar que os animais não conseguem atingir.

 

  1. Fé e misericórdia

Parece que, etimologicamente, a palavra «misericórdia» é composta por duas outras, latinas, que, em português, dão «mísero» e «coração». Assim, misericórdia é abrir o coração ao miserável, ao carente. Ou modelar o coração pela compaixão (paixão pelos outros), atitude que nos abre aos irmãos, particularmente a quem sofre.

Nesta linha, o grande misericordioso é Deus, já que faz da história uma história de salvação: volta-Se para nós, mesmo sem o merecermos, procura-nos e cativa-nos. Segundo a Bíblia, Deus é Aquele que manifesta uma ternura visceral pelo Seu povo: ama-o com o coração de uma mãe. Jesus veio realçar esta verdade profunda que o farisaísmo e outras correntes religiosas tinham ofuscado. Para mostrar quem é Deus Pai, contou as mais belas parábolas, entre as quais ressalta a do «filho pródigo»: o rapaz que se afastou da casa do pai, mas que este nunca esqueceu, perdoou e fez grande festa quando regressou.

Mas esta misericórdia de Deus para connosco é protótipo ou modelo do que deve ser a actuação daquele que se move pela fé em Jesus Cristo: compassivo e preocupado com todos, particularmente com os infelizes e sofredores. Cada um tem de ser «próximo» do seu irmão, como o bom samaritano. Por isso, o ensino de Jesus culmina com um imperativo: “Sede misericordiosos como o vosso Pai do Céu é misericordioso” (Lc 6, 36). O que garante a bem-aventurança: “Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7).

 

  1. Misericórdia e obras

Ao longo da história, os cristãos nunca o esqueceram e, individual e colectivamente, deram corpo a instituições que se esforçaram por assegurar a prática da misericórdia, sintetizada em catorze grandes âmbitos: sete da ordem do espírito (dar bons conselhos; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram; consolar os tristes; perdoar as injúrias; sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo; rogar a Deus por vivos e defuntos) e outras sete inerentes ao corpo ou à vida biológica (dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; assistir aos enfermos; visitar os presos; enterrar os mortos). Pensemos nessa extraordinária instituição que dá, precisamente, pelo nome de “Santa Casa da Misericórdia”.

Mas há que alertar para um aspecto: o nosso tempo valoriza muito o que tem a ver com o corpo, mas esquece bastante o espírito. Por isso, estamos mais ou menos sensibilizados para com o que se relaciona com o suporte vital da nossa existência, mas pouco nos importamos com o “dar bons conselhos”, “ensinar os ignorantes”, etc. Ora, se nós não somos somente um corpo, como os animais, só servimos a pessoa humana integral se tivermos estas preocupações de natureza material e espiritual. É toda esta encarnação da fé nas nossas vidas que importa recuperar neste Ano da Misericórdia.

 

  1. O jubileu da misericórdia

Decorrerá desde o dia 8 de Dezembro próximo, Solenidade da Imaculada Conceição, Aquela que nos trouxe a salvação misericordiosa, que é Jesus Cristo, até 20 de Novembro de 2016, data em que se celebra a Solenidade de Cristo Rei, isto é, a certeza de que todos os homens, mesmo que o não saibam, e a história do mundo convergem para o grande porto de salvação que é o nosso Deus. Sim, a nossa fé diz-nos que o mistério de um Deus que nos recebe de braços abertos é a grande meta e o destino da humanidade redimida e das coisas em função da qual existem. Para mais, a 8 de Dezembro comemora-se o cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II, o grande acontecimento do século XX que pôs a Igreja a dialogar com o mundo e a preocupar-se com a sorte deste. Trata-se, portanto, de duas datas particularmente significativas para a nossa fé.

No primeiro dia, o Papa abrirá a «porta santa» da basílica de S. Pedro, no Vaticano. E convida todos os bispos do mundo a também eles abrirem uma «porta santa» nas suas dioceses, no Domingo imediatamente seguinte, dia 13 de Dezembro.

Atendendo à nossa especificidade e a que os militares e polícias, se não estiverem de serviço, regressam às suas famílias, ouvido o Conselho de Consultores, decidi que, no Ordinariato Castrense, a abertura da porta santa se faça na igreja da Memória, nossa Catedral, no dia 10 de Dezembro, uma Quinta feira, com o seguinte programa:

– 14h30 – Celebração penitencial e confissões;

– 15h30 – Procissão do exterior e abertura da porta santa;

– 15h45 – Celebração da Missa.

 

  1. A «porta santa»

É um costume que nos vem da Idade Média passar por uma determinada porta, como sinal visível do desejo de se inserir mais profundamente na vida da Igreja e beneficiar da graça que a move ou do Espírito Santo que a conduz.

Para mais, a porta é um símbolo muito expressivo. Se, por um lado, ela permite a entrada, como que a demonstrar o desejo de o crente se inserir mais na comunidade que aí celebra a sua vida de fé, também é a abertura por onde se sai para o mundo, ambiente onde o cristão tece habitualmente a sua existência e que deve fermentar com a verdade do Evangelho.

Quando, no dia 10 de Dezembro, nos concentrarmos no largo ao lado da nossa Sé (igreja da Memória), abrirmos e entrarmos pela porta, queremos tomar consciência viva desta mesma realidade: os cristãos presentes nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança sabem bem conciliar a vivência da fé com uma específica forma de actuação no mundo. Por isso, entram no espaço sagrado, como que expressão visível do contacto com o divino; mas voltam ao mundo, lugar onde a fé modela o comportamento humano e eleva, em humanismo, a história e a cultura.

 

  1. A indulgência

Devido aos notórios exageros históricos, com consequências dramáticas para a unidade da Igreja, actuamente, não é fácil mostrar em que consiste a indulgência. Não obstante, continua a ser doutrina católica, agora reafirmada pelo Papa Francisco no nº 22 da referida Bula (Misericordiae vultus).

De forma simples, poder-se-ia dizer que a indulgência consiste na recepção de uma especial graça concedido pelo Papa enquanto mediador entre o Céu e a terra (o conhecido «poder das chaves») ou dispensador do tesouro da graça da Igreja. Essa graça não se pode ver como uma espécie de automatismo que santifica a pessoa e a liberta do peso do pecado «instantaneamente», mas como «marco» de renovação da sua vida espiritual e eclesial. Por isso, inerentes à indulgência, estiveram sempre a confissão e a comunhão, dois sacramentos que exprimem bem e operam a renúncia ao mal e a adesão a Jesus Cristo.

Como o Papa quer associar a ele a decisão dos bispos do mundo inteiro de regular a prática da indulgência, na igreja da Memória, concedo a indulgência plenária no dia da abertura da porta santa (10 de Dezembro), durante todo o tempo da Quaresma, tríduo pascal e semana da Páscoa (de 10 de Fevereiro a 3 de Abril, dia da Divina Misericórdia) e na primeira Quinta feira de cada mês, dia em que o bispo ou o vigário-geral presidirão à Eucaristia.

As condições para lucrar a indulgência são as habituais: confessar-se (pode ser com alguns dias de antecedência), participar na Eucaristia e comungar e fazer alguma oração ou obra de caridade pelas intenções do Santo Padre, do Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança e pela Igreja.

 

  1. Igrejas jubilares

A nível religioso, os cristãos das Forças Armadas e das Forças de Segurança e suas famílias beneficiam de uma dupla pertença: ao Ordinariato Militar para Portugal e à Diocese territorial onde habitualmente residem. Isto permite-lhes escolher o «local» onde viver e alimentar a sua fé: ou nas capelanias militares ou nas paróquias.

Ora, como em todas as Dioceses de Portugal, os bispos designarão específicas igrejas para a obtenção da indulgência, os militares e polícias poderão dirigir-se a elas, em pé de igualdade com os outros diocesanos. Não obstante, parece-me justo conceder que se possa lucrar a indulgência em alguns centros de culto mais significativos da nossa Diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança, de acordo com a geografia do país.

Assim, para além da igreja da Memória, Catedral do nosso Ordinariato, poder-se-á obter a indulgência, desde 10 de Fevereiro até 3 de Abril de 2016, nas seguintes igrejas ou capelas:

– na igreja de Santa Cruz, do Centro de Tropas de Operações Especiais, em Lamego;

– na igreja do Centro de Saúde Militar de Coimbra;

– na capela da Brigada Mecanizada, no Campo Militar de Santa Margarida;

– na capela da Base Naval de Lisboa, no Alfeite;

– na capela da Base Aérea Nº 4, nas Lajes, Ilha Terceira (Açores)

– na igreja da Graça, em Évora, enquanto e se lá se mantiver o culto.

 

  1. Peregrinações

É de sempre o uso devocional de, individual ou colectivamente, o crente se dirigir a um santuário ou lugar sagrado para aí realizar especiais actos de piedade ou práticas de penitência. Pensemos nas peregrinações à Terra Santa, nas visitas aos túmulos dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, em Roma e, fundamentalmente, no «caminho de Santiago» de Compostela. Curiosamente, esta prática recrudesceu espontânea e imensamente nos nossos dias. Sinal de que ela corresponde a uma aspiração antropológica profunda.

A nível do Ordinariato, já temos duas peregrinações que eu desejo valorizar sempre mais: a Peregrinação Militar Internacional a Lourdes, na segunda quinzena de Maio, e a Peregrinação Militar a Fátima, a 16 e 17 de Junho. E é frequente que alguns sectores os Unidades organizem outro género de peregrinações, muitas vezes a pé ou de bicicleta. Este ano, porém, incentivo os cristãos de todas as Unidades Militares e da Guarda e Esquadras da Polícia a que, juntamente com os capelães, organizem peregrinações a algum santuário local. A nível do Odinariato, realizaremos, também, uma peregrinação à Terra Santa durante a semana de carnaval. É que o contacto com os locais intimamente ligados à vida física de Jesus é sempre estimulador e facilita a evangelização e a cultura da fé. Para mais, leva força moral aos poucos cristãos que mantêm viva a memória de Jesus na terra em que nasceu. São poucos, pois se não são abertamente perseguidos, pelo menos vêem a sua existência cada vez mais dificultada, já que se encontram encurralados entre uma religião que os não tolera e uma política que, habilmente, os pretende expulsar de lá. Os eventuais interessados poderão, desde já, pedir informações à Capelania-Mor por algum destes contactos: capelania.mor@defesa.pt ou pelo telefone 213 038 643.

 

  1. Misericórdia missionária

Chama-me a atenção a insistência do Papa Francisco na dimensão comunitária e social deste Ano da Misericórdia: não pode ser visto como expressão de uma piedade individualista, mas «obriga-nos» a sairmos de nós para nos aproximarmos de quem sofre. Claro que este sofrimento não se limita aos doentes. Mas há uma infinidade de situações que têm inerente a si algum sofrimento: famílias em dificuldades ou já desfeitas, problemas com toxicodependência ou alcoolismo, situações de luto e doenças crónicas, terceira idade e abandonados, solidão e rejeição, inadaptação ao trabalho ou desemprego, dificuldades económicas e dívidas, desorientação e tristeza existencial, desânimo e pessimismo, etc.

Mas há uma situação que, normalmente, não entra na lista das negatividades e que, entretanto, está presente em muitas vidas: a falta de esperança, consequência da falta de fé. Sim, quantos desesperos, temores, medos irracionais se originam na falta de fé! Esta é, sem dúvida, uma das grandes «periferias existenciais» de que fala o Papa. Por isso, ouso propor aos cristãos uma tarefa que poderia exprimir-se num mote: ao longo deste Ano da Misericórdia, cada militar ou polícia aproxime-se de um seu camarada mais «esquecido» de Deus para lhe propor a luz da fé. Discretamente, amavelmente, com paciência, sem proselitismos, intente-se dialogar sobre a fé e a vida da Igreja. É que hoje, os grandes inimigos da fé são a ignorância e uma mentalidade plasmada pelas notícias agressivas e intencionais da comunicação social a respeito de possíveis comportamentos negativos e pecados de alguns membros da Igreja, especialmente se forem padres ou bispos.

Vamos, pois, estabelecer uma palavra de ordem entre nós? Poderia ser esta: “Um militar conquista para Cristo outro militar; um polícia conquista para Cristo outro polícia”.

 

  1. Outras acções

Tentaremos corresponder ao apelo do Papa e, também nós, realizar a acção que tantos frutos está a dar nas grandes metrópoles, a começar pelos jovens turistas que visitam Roma: as «24 horas para o Senhor». Será celebrada, em todo o mundo, na Sexta e Sábado anteriores ao IV Domingo da Quaresma (4 e 5 de Março). Oportunamente, divulgaremos mais informações.

Pede-se a todos os capelães que, durante a quaresma, promovam uma celebração penitencial seguida de confissões individuais em cada Unidade que lhes está confiada. A celebração penitencial é para ajudar o penitente a tomar consciência do mal e a gerar-lhe contrição ou arrependimento, e não para absolver os pecados: os pecados são perdoados na confissão sacramental que se lhe deve seguir e que é sempre individual. Para estas confissões, o capelão deverá pedir ajuda a dois ou três colegas: ou a outros capelães militares, se os houver por perto, ou a sacerdotes diocesanos da zona.

 

  1. Não esquecer o plano pastoral

Continua actual e deve cumprir-se em todas e cada uma das Unidades assistidas pelos capelães o nosso mini-programa pastoral que passa pelos três vectores fundamentais da vida eclesial:

– ou promover específicas acções de formação ou encaminhar alguns militares e polícias para realizações diocesanas (Cursilhos de Cristandade, Convívios Fraternos, Cursos Alfa, catequese de adultos, retiros, formação de dirigentes escutistas, Acção Católica, etc.);

– celebração eucarística semanal (em dia laboral) em todas as Unidades;

– programação de, pelo menos, uma acção sócio-caritativa (colheita de sangue, recolha de alimentos e brinquedos, apadrinhamento de alguma instituição de solidariedade social da zona, constituição da Caritas Castrense da Unidade ou de uma Conferência Vicentina, etc.).

Além disto, ao longo do ano pastoral, pretendemos dar passos para a criação de um Conselho Pastoral a nível do Ordinariato e em cada uma das Unidades.

 

  1. Dimensão eclesial da fé

Há que fomentar o espírito de partilha e de solidariedade entre os militares e polícias. Se é bem verdade que, para muitos, as condições são difíceis, também é certo que, lá fora, há quem tenha bem mais dificuldades que nós. Não se pede o impossível. Mas pede-se a mesma generosidade que se solicita aos outros cristãos. Por isso, lembram-se os «ofertórios consignados», isto é, os oficialmente instituídos pela Igreja em Portugal e que a Capelania Mor entregará, na íntegra, aos sectores a que se destinam. Sempre que não se celebre Missa dominical na Unidade, devem ser realizados durante a semana anterior ou imediata. São os seguintes:

– 18/10 – Missões;

– 15/11 – Seminários;

– 07/02 – Universidade Católica;

– Durante a Quaresma – renúncia quaresmal e contributo penitencial;

– 28/02 – Caritas;

– 25/03 – Lugares Santos;

– 08/05 – Meios de comunicação social;

– 15/05 – Apostolado dos Leigos;

– 26/06 – Santa Sé;

– 15/08 – Pastoral da Mobilidade Humana.

 

Conclusão

Não vamos pôr a fasquia muito alta e dizer que este Ano da Misericórdia vai constituir uma «revolução» pastoral no Ordinariato. Mas também não vamos passar por ele como se não nos dissesse respeito: isso feriria a nossa consciência de cristãos e, muito mais, a do bispo e dos capelães.

Vamos, portanto, vive-lo na simplicidade e na confiança. Como nos pede o Papa: “Será um Ano Santo extraordinário para viver, na existência de cada dia, a misericórdia que o Pai, desde sempre, estende sobre nós. Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar connosco a sua vida. A Igreja sente, fortemente, a urgência de anunciar a misericórdia de Deus. A sua vida é autêntica e credível, quando faz da misericórdia seu convicto anúncio. Sabe que a sua missão primeira, sobretudo numa época como a nossa cheia de grandes esperanças e fortes contradições, é a de introduzir a todos no grande mistério da misericórdia de Deus, contemplando o rosto de Cristo”.

 

Lisboa, 23 de Setembro de 2015

 

O vosso irmão e amigo,

+ Manuel Linda