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No actual momento histórico, a eleição do Secretário-Geral das Nações Unidas não pode constituir apenas mais uma notícia no meio de muitas outras notícias. Mas deve ser vista como uma extraordinária oportunidade de revigorar um Órgão mundial, absolutamente imprescindível, mas que parece não ter estado à altura daquilo que as exigências actuais reclamam. Neste sentido, deixam-se alguns acenos.

  1. Na Idade Média era o Papa quem dirimia as questões mundiais, já que a noção de mundo, praticamente, coincidia com a ideia de cristandade. Lembremo-nos, por exemplo, de que o Tratado de Tordesillas, que dividia as terras a descobrir entre Portugal e a Espanha, só foi assinado quando chegou o delegado papal.
  1. Com a cisão protestante, obviamente, já não podia ser o Papa a solucionar as questões, pois nem todos lhe reconheciam autoridade. A Europa envolveu-se em guerras intermináveis e deu-se conta de que os velhos princípios do direito já não estavam aptos para resolver as novas problemáticas surgidas com a descoberta e conquista da América. É neste contexto que a célebre Escola de Salamanca, primeiro com os Padres Dominicanos (com Francisco de Vitória que introduziu o tomismo como hermenêutica de estudo) e depois com os Padres Jesuítas, lançaram as bases do «direito das gentes», mais tarde «direito dos povos» e actualmente «direito internacional». O direito internacional tem na sua génese, portanto, muito de «cristão».
  1. Estes mesmos professores (espanhóis, mas também vários portugueses ou que leccionaram em Coimbra e Évora), verdadeiros «modernos» que anteviram que o mundo caminhava para uma globalização da unidade, chegaram a formular a tese do “governo do mundo”: afirmação da necessidade de um organismo que, com poder legislativo, executivo e judicial-coercitivo salvaguardasse os «direitos das gentes», imobilizasse o agressor e, assim, instaurasse a paz possível.
  1. Este desiderato fermentou longamente, pois só se concretizou passados quase quatrocentos anos, com a criação da Organização das Nações Unidas. Porém, fica-nos a sensação de que este imprescindível organismo internacional não tem correspondido integralmente ao que dele se esperava. As causas são múltiplas. Umas, externas, relativas à maior complexidade e conflituosidade do mundo actual. Mas outras são internas, às quais não são alheias as Potências com assento permanente no Conselho de Segurança e com direito de veto.
  1. A gravidade dos problemas mundiais exige, pois, uma verdadeira «refundação» da ONU, verdadeiramente, uma «outra» ONU. Não vai ser tarefa fácil. Mas é determinante para a sua própria credibilização. E, mais ainda, para o bem possível deste mundo que se debate com fracturas de todos os âmbitos, muitas das quais escusadas.
  1. Nesta linha, saúda-se Sua Excelência o senhor Engº António Guterres, pois o humanismo, a abnegação, a capacidade de liderança que já demonstrou em inúmeras tarefas de alta dificuldade asseguram que é a pessoa mais indicada para proceder a esta «recriação» da ONU. Se, enquanto co-nacionais, já tínhamos um motivo de alegria por esta eleição, a sua dedicação ao bem comum assegura-nos motivos de um são optimismo: a certeza de que, com ele, a ONU estará efectivamente ao serviço da pessoa humana e dos seus direitos inalienáveis, da paz e do desenvolvimento integral.
  1. Rezamos a Deus para que o cumule do seu “Espírito de fortaleza e inteligência”.

Lisboa, 6 de Outubro de 2016

+ Manuel Linda

Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança