A Boa Nova do Evangelho para as culturas
Conselho Pontifício de Cultura

A história do Povo de Deus começa por uma adesão de fé que é também uma rutura cultural para culminar na Cruz de Cristo, também uma rutura, elevação da terra, mas simultaneamente centro de atração que dirige a história do mundo para o alto e congrega na unidade os filhos de Deus dispersos: «Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim» (Jo 12, 32).

A rutura cultural pela qual se inaugura a vocação de Abraão, «Pai dos crentes», traduz aquilo que ocorre no mais profundo do coração do homem quando Deus irrompe na sua existência, para se revelar e propor-lhe o empenho de todo o seu ser. Abraão é espiritualmente e culturalmente desenraizado para ser, na fé, plantado por Deus na Terra Prometida.

Esta rutura sublinha a fundamental diferença de natureza entre a fé e a cultura.

Ao contrário dos ídolos que são o produto de uma cultura, o Deus de Abraão é o Totalmente Outro. É pela Revelação que Ele entra na vida de Abraão.

O tempo cíclico das religiões antigas teve o seu fim: com Abraão e o povo judeu começa um novo tempo que se torna a história dos homens em marcha para Deus. Não é mais um povo que fabrica para si um deus, é Deus que dá origem ao seu Povo, tornando-o Povo de Deus.

A cultura bíblica ocupa um lugar único: cultura do Povo de Deus, no coração do qual Ele se encarnou. A Promessa feita a Abraão culmina na glorificação de Cristo crucificado. O Pai dos crentes, aspirando pelo cumprimento da Promessa, anuncia o sacrifício do Filho de Deus sobre o madeiro da Cruz.

No Cristo que vem recapitular o conjunto da criação, o Amor de Deus chama todos os homens a partilhar da condição de filhos.

O Deus Totalmente Outro manifesta-se em Jesus Cristo como Totalmente Nosso: «O Verbo do Eterno Pai, tomando a fraqueza da carne humana, se tornou semelhante aos homens» (Dei Verbum, n. 13).

A fé também tem o poder de atingir o coração de toda cultura, para purificá-la, fecundá-la, enriquecê-la e dar-lhe a possibilidade de se desenvolver à medida sem medida do amor de Cristo. Cristo cria uma cultura cujos dois constitutivos fundamentais são, a um título totalmente novo, a pessoa e o amor.

O amor redentor de Cristo revela, para além dos limites naturais das pessoas, o seu valor profundo, que desabrocha sob o regime da Graça, Dom de Deus.

Cristo é a fonte desta civilização do amor, da qual os homens carregam a nostalgia, depois da queda original no jardim do Éden, e que João Paulo II, depois de Paulo VI, não cessa de nos convocar a realizar concretamente com todos os homens de boa vontade.

Porque o compromisso fundamental do Evangelho, isto é do Cristo e da Igreja, com o homem na sua humanidade, é criador de cultura no seu fundamento mesmo.

Ao viver o Evangelho, dois milénios de história o testemunham, a Igreja esclarece o sentido e o valor da vida, alarga os horizontes da razão e fortalece os fundamentos da moral humana. A fé cristã autenticamente vivida revela em toda a sua profundidade a dignidade da pessoa e a sublimidade da sua vocação (cf. Redemptor Hominis, n. 10).

Desde as origens, o Cristianismo se distingue pela inteligência da fé e pela audácia da razão. Testemunham-no pioneiros como S. Justino e S. Clemente de Alexandria, Orígenes, os Padres Capadócios, o encontro entre o pensamento platónico e neoplatónico e S. Agostinho, depois a integração da filosofia de Aristóteles efetuada por S. Tomás, sem esquecer S. Anselmo, S. Alberto Magno e S. Boaventura, até à época contemporânea ilustrada por Newman e Rosmini, Edith Stein e Vladimir Soloviev, Pavel Florensky e Vladimir Lossky evocados pelo Papa João Paulo II na sua encíclica Fides et Ratio.

«O encontro da fé com as diversas culturas deu vida a uma nova realidade», ela criou assim uma cultura original, nos contextos mais diversos.