Com os tempos singulares que hoje se nos apresentam devido à exigência da quarentena, é-nos oferecida uma ocasião favorável para celebrar e viver a Páscoa, encarnada na história, no concreto da vida. A densidade do Mistério salvífico de Cristo vem ao nosso encontro como graça presente e atuante nas vicissitudes do nosso dia a dia, bem como no quotidiano da humanidade. Para além de participar, via TV ou pela internet, nas celebrações pascais, o que podemos fazer (mais) nos “templos” das nossas casas? Avanço com algumas sugestões:

  • Quinta-Feira Santa, memorial da instituição da Eucaristia. Neste dia, as famílias, reunidas em suas casas, ao sentarem-se à mesa para tomarem a refeição comum, podem deixar-se inundar pela força da memória e mergulhar na comunhão com Jesus Cristo que “quando chegou a hora, pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele… tomou então o pão e, depois de dar graças, partiu-o e distribui-o por eles dizendo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós; fazei isto em minha memória. Depois da ceia, fez o mesmo com o cálice” (Lc 22, 19-20). Foi no decorrer de uma refeição, a ceia pascal, que Jesus Cristo instituiu a Eucaristia. Assim, condimenta a tua refeição com a memória desse evento salvífico e a comunhão que ele significa: procede à leitura de um texto bíblico apropriado e recorda que o pão é o alimento que une os irmãos em Cristo num único corpo e numa só família.
  • Sexta-Feira Santa, a oferta oblativa de Cristo ao Pai para a salvação do mundo. Podes viver a via sacra na tua casa, em sintonia com o caminho de amor que Cristo quis percorrer por nós. Mas ao mesmo tempo, tem presente que, este ano, também os corredores e enfermarias dos hospitais, os lares isolados, as casas e as estradas, as casernas, os supermercados… são estações da via sacra e até do Calvário, porque estão lá pessoas que arriscam as suas vidas por nós. O próprio mundo hoje está transformado num imenso Gólgota marcado pelo sofrimento que esta pandemia incute, mas também preenchido pela grandeza do amor ao próximo. Os profissionais de saúde, os Militares e Forças de Segurança, camionistas, quem trabalha para que a vida continue, mas também quem está em quarentena para se resguardar e resguardar os outros… não são tudo gestos orientados ao mesmo sentido do sacrifício pelos irmãos e pelas irmãs?
  • Sábado Santo, o silêncio desce à terra, a Palavra emudece. Cristo “foi pregar também aos espíritos cativos” (1Pe 3, 19), uma descida solidária e libertadora. Podemos fazer deste dia um dia de silêncio, não por faltarem as palavras, mas porque elas abundam. Palavras de agradecimento e louvor. A orientar-nos estará certamente Nossa Senhora, com quem este dia está particularmente relacionado, por haver sofrido a ausência silenciosa de Cristo. Façamos, pois, do nosso Sábado Santo um dia de solidariedade para com os que labutam na manutenção do essencial para a vida, na solidariedade para com os frágeis e os que sofrem, mas que aflore nos nossos lábios o cântico do Magnificat (Lc 1, 46-55).
  • Domingo da Ressurreição, a vida nova de Deus vence a morte, a luz destrona as trevas. Que, em cada um de nós seja ressurreição! Curiosa a unanimidade dos evangelhos em mostrar que a boa nova da vitória sobre a morte é grandiosa de mais para ficar silenciada no íntimo de uma pessoa ou circunscrita a um restrito número: a ressurreição exige ser anunciada, divulgada, testemunhada, proclamada; exige a multidão, o povo, as testemunhas… Pois bem, uma forma viva e concreta de celebrares hoje ressurreição é testemunhares a ressurreição de ti próprio, ou seja, uma firme vontade de abraçar e encetar uma vida nova, diferente, transformada; uma vida de mais oração, mais santidade, mais solidariedade… Anunciaremos a ressurreição de Cristo sempre que deixarmos morrer em nós o homem velho e ressuscitarmos para a vida divina que consiste na eterna vitalidade do amor.

A Ressurreição de Jesus não nos dá só uma brisa leve e suave de esperança, faz mais do que isso; oferece-nos uma rajada, um vento impetuoso, um fogo ardente que transforma a vida e o mundo. É um ato criador de uma nova história e de uma nova humanidade.

Cada um de nós seja empapado pela força e luz da nova vida de Deus, atuante em Cristo e derrama na Igreja, para, com a graça do Ressuscitado, ousarmos reconstruir o mundo a partir do dia de Páscoa.