Em sintonia com o próximo Sínodo dos Bispos sobre “os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, também o Ordinariato terá presente este tema ao longo do ano pastoral.
Projecto pastoral 2017/18
Os jovens e a fé
Para uma reflexão e consequentes acções pastorais, partilham-se estes pensamentos com os fiéis deste nosso Ordinariato, leigos e capelães. A estes, de forma especial, apela-se à criatividade pastoral para que o Reino de Deus cresça mais entre nós.
- VER
Há dias, um casal amigo parou-me na rua para «desabafar» as mágoas que sente a respeito da situação religiosa do filho, um jovem na casa dos vinte anos. Que foi educado religiosamente, que frequentou a catequese e fez o Crisma, que os acompanhou à Missa de Domingo, que rezaram em conjunto, que lhes parecia dado às coisas de Deus e da religião. E, entretanto, a entrada na Universidade alterou tudo: passou a contestatário, a fazer comentários cínicos sobre a religião, a não aceitar mais frequentar a Missa, a atacar os padres, a viver de maneira completamente indiferente à fé. E pior que isso: porventura a influenciar negativamente a irmã, três anos mais nova que ele.
Este casal quase repetia textualmente as questões levantadas pela parábola do homem que semeou boa semente no seu campo, mas que, entretanto, foi conspurcado pelo joio do seu inimigo (cf Mt 13, 24-43): quem fomentou esta aversão à fé?; quem «deu a volta» ao nosso filho?; quem o revirou do avesso?; será que nós não soubemos semear nele a boa semente da educação religiosa?; será que nós falhamos no nosso dever de educação?; será que os colegas e os professores lá da Universidade têm mais ascendente nele do que nós?; quem é o inimigo que semeia mentiras e joio?; será que continua a ser impossível conciliar a fé com a ciência?; será que…
Causou-me pena a amargura daquele casal. E sabemos que estas situações são aos milhares e se encontram por todo o lado. Por ventura, nas nossas próprias famílias.
- JULGAR
Não é aqui o lugar de fazer o diagnóstico e nem sequer de inventariar as causas. Seja como for, sabemos que o nosso mundo se caracteriza por alguns vectores que convém ter presente: o regresso do iluminismo, isto é, a crítica azeda a tudo o que não é digerível pela razão raciocinante; a «tecnologização» do pensamento que leva a uma quase adoração dos «novos deuses» oferecidos pela técnica e pela ciência; a animosidade às religiões instituídas, propondo-se a alternativa de uma vaga espiritualidade panteísta, típica da «new age» ou da «era do aquário»; um certo pansexualismo que desbota a consciência e a torna mais intransitiva ou obstaculiza uma verdadeira relação com os outros e, muito mais, com o «grande Outro»; a cedência, à maneira adolescente, à pressão do grupo que se afirma pondo em causa os «dados adquiridos», comumente aceites; a complexidade e a mutabilidade das sociedades contemporâneas que cortam com o passado em nome do futuro; as incertezas sociais, a vulnerabilidade da vida e a insegurança que criam um sentido de fragilidade, de individualismo e de tristeza e solidão existenciais; a comunicação social que quase apresenta a Igreja como um «bando de malfeitores»; enfim, a multiculturalidade e o pluralismo que criam a ideia de que, se há tantas religiões, é sinal de que são meras criações humanas.
Temos de nos dar conta disto. Como refere o documento preparatório para o Sínodo dos Bispos sobre “os jovens, a fé e o discernimento vocacional” (Outubro de 2018), a gente nova, “hoje, vive a própria condição num mundo diverso da geração dos pais e dos seus educadores”, o que conduz a “uma outra expressão dos desejos, carências e sensibilidade”: a multiculturalidade relativiza as certezas; o pluralismo favorece as escolhas pessoais, muitas vezes ditadas pelo egoísmo; a contínua circulação desvitaliza as raízes familiares e tradicionais e o que estava inerente a essa dimensão; o «mundo virtual», as tecnologias da comunicação e as redes sociais levam os jovens a adquirirem uma concepção do mundo quase sempre e só formada a partir de pessoas do seu grupo etário, ou seja, de colegas e amigos que, também eles, andam à procura.
Evidentemente, tudo isto gera instabilidade. Mas onde esta se repercute mais é no campo da fé. O que já levou alguns pessimistas a afirmarem que este nosso tempo será caracterizado, pela primeira vez na história da humanidade, pelo aparecimento de uma geração ateia. Ou, pelo menos, por uma geração indiferente ao fenómeno religioso.
- AGIR
Eu, porém, não partilho desse pessimismo. Tenho visto muitos e muitos jovens que vivem a sua fé de uma forma que me espanta: portadores de uma espiritualidade assinalável, dedicadíssimos aos outros, verdadeiros testemunhos de fé, de alegria e de esperança. Não nos esqueçamos deles! Há que animá-los e ajudá-los a prosseguir.
Mas, evidentemente, também há os indiferentes (que são muitos) e os opositores (poucos). Proponho que neste nosso ano pastoral de 2017/18 lhes dediquemos o melhor do nosso empenho e do nosso ministério. Cada crente e cada capelão saberá descobrir o que fazer no contexto em que se inserem esses jovens militares ou polícias. Aqui não existem esquemas pré-fabricados. A realidade é que «impõe» o que fazer. Não obstante, sugerem-se alguns aspectos a tentar, no todo ou em parte:
– reformulação da pastoral juvenil no nosso Ordinariato;
– valorização das antigas «palestras» de “formação moral e cívica”, mormente na recruta ou noutros meios de inserção na vida militar e policial (no caso do Exército, estão formalmente previstas nos pontos 7 e 8 da alínea a) do ponto 361 do actual RGSUE);
– organização de um tempo de «cultura religiosa» para voluntários (quinzenal ou mensal);
– criação de grupos para reflexão sobre o documento preparatório do Sínodo e outros textos que venham a surgir;
– divulgação dos dois questionários e incentivo ao preenchimento online do segundo (http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20170113_documento-preparatorio-xv_po.html e http://youth.synod2018.va/content/synod2018/ en.html);
– lançamento de movimentos eclesiais juvenis, especialmente a «Missão País» e os «Cursos Alpha», nos Estabelecimentos de Ensino Superior Militares e Policial;
– prestar especial atenção às Escolas de Formação de Sargentos (Ramos e Forças de Segurança) e presença assídua e discreta do capelão;
– contacto pessoal do capelão com todos os militares, de tal forma que nenhum jovem termine o contrato sem que o capelão tenha falado pessoalmente com ele;
– eventual criação de um «núcleo de evangelizadores» (dois ou três colaboradores) que aborde estes militares e polícias jovens, de acordo com o espírito do ponto anterior;
– preparação mais intensa dos sacramentos da iniciação cristã, segundo as orientações que se esperam dos vários «Conselhos» ao longo deste ano pastoral;
– possibilidade de instauração da catequese de adultos, de «lectio divina» ou, no mínimo, de um grupo de jovens de inspiração eclesial;
– formação de coros, grupos musicais, leitores e acólitos para as celebrações semanais da Eucaristia nas capelas de cada Unidade, como é de norma entre nós;
– dentro do possível, privilegiar os jovens nos grandes momentos celebrativos, mormente as peregrinações a Fátima e a Lourdes;
– organizar peregrinações a pé a santuários locais ou regionais;
– «enviar» jovens às acções de formação que as dioceses territoriais venham a organizar;
– convidar algum jovem crente a fazer uso das redes sociais para o envio diário de um pensamento e divulgação das acções religiosas no interior da Unidade;
– implicar os jovens na evangelização dos outros jovens, mormente mediante as redes sociais, fotografias com mensagens, criação de uma página web da capelania, etc.
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Caros fiéis do nosso Ordinariato, se os Apóstolos se pusessem a inventariar as dificuldades do tempo e as suas quase nulas possibilidades, ainda hoje a fé não teria saído do Cenáculo. Não obstante, eles foram para o mundo. Aliás, de acordo com a ordem expressa do Mestre. E sabemos bem dos resultados.
Vamos, também nós, na certeza de que o Espírito que assistiu a eles é o mesmo que assegura o êxito da nossa evangelização. E confiamo-nos a Nossa Senhora.
Lisboa, 24 de agosto de 2017
O vosso bispo e irmão,
+ Manuel Linda