Tudo é possível, com Cristo a nosso lado”


Irmãs e irmãos

1. A Quaresma é por excelência um tempo favorável, oportuno para revisitar aquilo que é estruturalmente significativo para a nossa vida e, consequentemente, para a sociedade.

Relevante é a índole da nossa identidade e a missão de servir Portugal e os portugueses enquanto Forças Armadas e Forças de Segurança; conscientes de que é um serviço desenvolvido na mais profunda abnegação e inspirado nos mais elevados valores éticos e padrões humanistas. O nosso olhar e o nosso coração, iluminados pela luz de um novo amanhecer, reencontram-se com o olhar de Jesus e com o seu amor misericordioso, o Qual se revela como Fonte última do nosso próprio discernimento e a Força determinante para o nosso sentir e agir.

2. Assim, toca-nos particularmente o facto de o próprio Jesus Cristo, o Verbo eterno do Pai feito homem, jamais ter separado a sua comunhão com o Pai da comunhão vivida com a humanidade; a comunhão com o Pai abraçava e integrava a sua união ao ser humano; o serviço a Deus implicava o serviço ao mundo.

Esta é a primeira etapa da nossa caminhada quaresmal: reencontrar a aliança, que liga a nossa missão prestada à Nação com o seu carater transcendental que, enquanto serviço, verdadeiramente possui.

Somos convidados a enriquecer de um novo sentido a nossa ação, desafiados a conferir-lhe um significado de transcendência.

3. Em segundo lugar, temos na Quaresma a oportunidade para reencontrar, de forma pacifica e serena, as hecatombes da existência, os seus fracassos e suas frustrações. Não aludo apenas a um processo simplesmente terapêutico, mas refiro-me sobretudo às Cinzas, símbolo do início deste tempo de conversão, e à Cruz, sinal doloroso e glorioso que marca o final da caminhada quaresmal. Eis a verdade da vida: não há ressurreição sem morte, nem existe vitória sem sacrifício.

A mensagem vibrante da Quaresma pode-se revelar altamente transformadora, na medida em que nos conduz a sermos construtores da vida e de vidas, precisamente a partir e através dos calvários da existência e das suas inúmeras quedas. Para isso, é necessário que ninguém caminhe sozinho, nem se apoie só nas suas forças e capacidades.

Tudo é possível se feito com Cristo a nosso lado. As cruzes serão gloriosas, se levadas com Ele a nosso lado; as tempestades anquilosas da vida, tornar-se-ão mistérios de ressurreição, se vividas em Cristo. Caso contrário, serão experiências sofredoras, circunstâncias tormentosas, aniquiladoras da pessoa e da sua dignidade, e os ocasos da vida tornar-se-ão pedras de tropeço.

4. Por fim, apelo aos irmãos para que jamais estejam ausentes dos nossos percursos nas estradas da vida. Somos feitos para viver em comunhão, não para o isolamento; e a Quaresma desafia-nos a povoar de solidariedade e partilha essa dimensão vital do nosso ser e da nossa missão.

Nesta hora amarga que vivemos, acolhamos e acompanhemos no coração e na caminhada da vida, todas as irmãs e irmãos que sofrem violência: as que padecem perseguição e a destruição mortal da guerra, e, sobretudo, as vitimas inocentes dos crimes de abusos perpetrados por quem deveria ter sido o rosto da Misericórdia e do amor e só foi carrasco e destruidor…

5. Neste ano, o fruto da nossa Renúncia Quaresmal é canalizado para a Igreja da Ucrânia e para as obras de recuperação do terramoto que ocorreu na Turquia e na Síria, de modo a sermos parte da parábola de amor que sara as feridas da guerra, da fome e das catástrofes.

+ Rui Valério
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

Lisboa, 14 de fevereiro 2023