Reflexão do 5º Domingo da Quaresma

O desígnio de Deus é comunicar a vida que ultrapassa definitivamente a vida biológica.

Jesus, pela Palavra, pelo agir, pelo estar, pelo proceder mostra isto mesmo ao ser humano: Ele vem realizar o desígnio de Deus e dar aos seres humanos a vida definitiva. Identificar-se com Jesus na entrega obediente à vontade de Deus, que é também entrega de doação aos irmãos, corresponde a entrar na vida definitiva, na dinâmica da ressurreição.

1. Maria e Marta mandaram dizer a Jesus: “Senhor, o teu amigo está doente”. Jesus disse: “Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem”.

O ser humano precisa de se conhecer a si mesmo, como ser biológico e como ser amado por Deus.

Importa cair em si, ter noção da fragilidade biológica, saber dos limites da natureza humana, ter consciência de que estamos expostos à erosão, aos vírus, à fragilidade do sistema imunitário, da saúde psíquica e biológica.

Estes limites da nossa condição física e finita, quando se transformam em oração, em prece, em súplica, em ligação a Deus, dão abertura à intervenção da força do Espírito, tornam-se ocasião para transformar o finito em infinito, permitem que ser humano se liberte dos laços da morte, fazem com que Deus tire força da nossa fraqueza.

A grandeza de Deus manifesta-se na nossa pequenez. Se nos abrirmos aos horizontes de Deus na nossa existência, viveremos não para o que é perecível e mortal, mas para o que constrói imortalidade e esperança para o futuro.

2. “Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo”.

Jesus faz um convite direto aos seus discípulos para acolher a Luz do Espírito, a Luz de Deus, para poderem caminhar sempre (quando tudo corre bem e quando algumas coisas correm menos bem), com lucidez interior, seja de dia seja de noite. Aqueles que não colocam a sua confiança em Deus só conseguem andar quando veem a luz deste mundo, com os critérios e os interesses deste mundo, sendo que o seu horizonte fica reduzido ao que é finito. Aqueles que vivem na lucidez de Deus continuam a fazer caminho mesmo no meio da ansiedade, mesmo no meio do temor, mesmo através do imprevisível. A lucidez interior de Deus potencia todas as competências do ser humano, faz superar-nos, faz abordar as circunstâncias do tempo com a serenidade de quem sabe que é amado, com a sensibilidade de quem confia no meio da humildade, com a força de quem tem um horizonte infinito.

Por isso Jesus não tem qualquer receio dos que o pretendem apedrejar, e por isso afirma perentoriamente aos seus discípulos: “O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo”.

3. Primeiro Marta e depois Maria vão apressadamente ao encontro de Jesus e dizem-lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”.

É uma espécie de oração de lamento. Uma oração de quem sabe que a ausência de Jesus na vida, no tempo, no espaço, nas operações económicas e financeiras do ser humano, na vida familiar e doméstica, na vida das empresas e das instituições… faz vir ao de cima os seus limites, a ausência de esperança, a finitude, a negação do sonho, a intriga, a divisão, as tensões estéreis, a força das trevas.

Quando Jesus não está, quando Deus não faz parte, quando o Espírito Santo não atua por nós, connosco e em nós, tudo fica reduzido, tudo fica encerrado no ciclo de vida biológica e a morte biológica é sinónimo de fim, de vazio, de nada: em nada acreditei para além de mim, em nada confiei para além do meu ego, como desaparece o mim e o ego fica exatamente o “nada”… o “vazio”.

E Jesus responde a Maria, a Marta e a cada um de nós: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá”.

Todo aquele que é amigo de Jesus, todo aquele que adere à sua mensagem, todo aquele que vive e acredita n’Ele, vive já a dinâmica da ressurreição, da vitória do amor sobre todo o sofrimento, sobre todas as adversidades que querem sugar a esperança e a alegria. Quem se identifica com Jesus e o segue no caminho do amor e no dom da vida, não dá qualquer relevo à finitude, vive com o foco na vida definitiva, pelo que o definhar da vida biológica não é mais do que uma passagem (a Páscoa) para a verdadeira vida.

Ganhamos a consciência de que a existência terrena em circuito fechado, isto é sem o horizonte de Deus, não passa de um “sem sentido”, de um gastar-se pelo que fica, de um esgotar-se por e pelo nada.

No episódio de Lázaro de Betânia, Jesus não diz só que é a ressurreição e a vida, mostra, efetivamente, que é a ressurreição e a vida.

4. “Tirai a pedra”…

“Lázaro, sai para fora”…

“Desligai-o e deixai-o ir”…

Jesus vem oferecer a vida plena: “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10, 10). Tirem as pedras que querem separar a vida biológica da vida espiritual. Cada um de nós é um todo e a vida que nos vem de Jesus faz-nos superar uma e outra vez os obstáculos, os cansaços, os medos, as

vicissitudes da vida biológica. Tirai as pedras que vos fecham em túmulos de trevas e de vermes. Vinde para a Luz. Saiam para a beleza de Deus, para a paixão pela vida, para a procura de sentido e de soluções de alegria. Não se deixem amarrar pelos temores e medos que vos transformam em múmias. É preciso ir, desenvolver todas as potencialidades e competências, servir, dar ânimo.

Viver a dinâmica da ressurreição implica retirar todas as pedras do pecado, desembaraçar-se das amarras que não nos deixam evoluir no bem, ir para semear e fazer crescer a beleza do amor.

5. “Vou abrir os vossos túmulos… infundirei em vós o meu espírito e revivereis”…

Este espírito transmitido aos desanimados, aos derrotados, aos fechados sobre si próprios, aos egocêntricos, aos que vivem em circuito fechado é o “ruah”, o sopro de vida divina, que transforma completamente o ser humano, fazendo com que os corações de pedra (duros, insensíveis, autossuficientes) se transformem em corações de carne (sensíveis e voltados para lá de si mesmos) capazes da fidelidade à aliança com Deus e do serviço aos irmãos.

O Espírito Santo dá origem a uma nova criação, a uma dinâmica de vida, de ressurreição, de superação, de passagem para horizontes divinos. E Deus transforma a tempestade em bonança, o desespero em esperança, o caos em cosmos, a ansiedade em passos de solidariedade, o individualismo em comunidade, as trevas em luz, a morte em vida. Em cada instante da história Ele está presente, recriando o seu Povo, transformando-o, renovando-o, encaminhando-o para a vida ressuscitada, para a vida plena.

Identificar-se com Cristo, acolher Jesus, viver segundo o Seu Espírito, é entrar na dinâmica da Ressurreição… vencer as entropias da vida física e da história… lidar de forma construtiva com as pedras do caminho e com os imprevistos… retirar os nós do presente e do passado que nos impedem de caminhar e de evoluir… deixar-se transformar pela Luz do Espírito, que nos renova e nos faz… viver na presença de Deus que nos eleva o horizonte para o infinito e nos faz renascer pelo Espírito à medida que enfrentamos amorosamente e criativamente as circunstâncias desta passagem terrena.