O SENHOR É A MINHA FORÇA

A Palavra de Deus deste dia torna-nos testemunhas da vicissitude dramática de duas mulheres que, de um momento para o outro, se viram acusadas e condenadas pela opinião pública e pelos malignos critérios egoístas dos homens: Susana, na primeira leitura (Dn 13), e a mulher adúltera do evangelho (Jo 8, 1-11). Hoje, o COVID 19, com a sua força e capacidade letal imparáveis, faz com que todos nós estejamos na dramática situação dessas duas personagens. O vírus mortífero, que nos atormenta, não só pôs as nossas vidas em stand by, obrigando-nos a permanecer longe de tudo e de todos, mas é infinitamente pior do que os funestos juízes, escribas e fariseus, que também não hesitavam em condenar à morte vidas inocentes.

Digna de admiração, mas também de ser por nós imitada, foi a reação de cada uma das mulheres:

a) Susana reagiu à iníqua acusação com confiança e oração. O texto bíblico diz expressamente que, na hora do tormento, “Ela, a soluçar, ergueu os olhos ao Céu, porque o seu coração confiava no Senhor” (Dn 13, 35); e que “O Senhor ouviu a oração de Susana” (Dn 13, 44).

Confiança e Oração, são as armas mais poderosas ao nosso dispor para enfrentar e vencer todos os inimigos. Quando existe confiança no Senhor e sobre Ele colocamos e edificamos a nossa vida, somos como aquele homem prudente que construiu sobre a rocha a sua casa, de maneira que nenhuma tormenta a deitará abaixo (cf Mt 7, 24). E a oração aparece uma vez mais como a “janelinha” aberta para o céu, por onde passa a força do Altíssimo que vem inundar a terra e a vida do mundo. Por isso, quanto mais oração houver, tanto mais o sopro divino há de percorrer a história da humanidade.

b) Quanto à mulher do Evangelho, há curiosamente apenas duas referências indiretas sobre a sua atitude. Uma é a sua passividade. Ela quase não tem iniciativa: “foi surpreendida em flagrante adultério”, é trazida pelos escribas até à presença de Jesus que a perdoa e lhe ordena “vai e de agora em diante não tornes a pecar”. Em segundo lugar, “esteve a sós com Jesus” (cf Jo 8, 9). Observamos aqui, nesta mulher de existência paradoxal — como aliás é a existência de todos nós — a presença em crescendo da docilidade face à iniciativa de Deus. Deixa-se ir, deixa-se levar. Os espaços da sua existência são conduzidos pela mão e iniciativa do Senhor, com quem tem uma experiência de grande intimidade, um autêntico tu-a-tu: “esteve a sós” com Ele.

Também nós, enquanto cristãos, somos chamados a depositar em Deus a nossa confiança, que nos subtrai ao desespero perante as mais severas situações da vida. E como a mulher adúltera, também nós somos chamados a criar espaços e tempos de intimidade com o Senhor, de modo a alimentarmos em nós a perceção da sua presença benigna e libertadora.

A ambas as mulheres e a nós também podemos aplicar o famoso salmo 23 que integra a liturgia de hoje:

O SENHOR é meu pastor: nada me falta. Em verdes prados me faz descansar e conduz-me às águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me por caminhos retos, por amor do seu nome. Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo porque Tu estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me confiança. Preparas a mesa para mim à vista dos meus inimigos; ungiste com óleo a minha cabeça; a minha taça transbordou. Na verdade, a tua bondade e o teu amor hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do SENHOR para todo o sempre.

+Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança