DOMINGO DE RAMOS
O Senhor caminha connosco
Todos os anos somos tomados por uma emoção de júbilo, própria do Domingo de Ramos, a qual advém de nos depararmos com Deus que caminha para nós, vem ao nosso encontro, quer entrar nas nossas vidas, como entrou na cidade santa de Jerusalém. Também este ano, em plena circunstância da pandemia, a celebração do nosso acolhimento será vivida, quem sabe um pouco apreensivamente, mas sem dúvida com muita confiança e até ao ritmo do cântico «Hossana ó Filho de David! Bendito o que vem em nome do Senhor!».
1. Jesus mostra-nos que, ao invés de quanto dizia Aristóteles, Deus não é «imóvel», mas caminha para nós e se embrenha na poeira e nas dificuldades das nossas estradas; sobretudo quando são percursos feitos de troços árduos, exigentes, ou então são autênticos vales escuros onde não chega sequer a luz do sol…. É por isso que a procissão, tão caraterística deste dia, surge como imagem de algo bem mais profundo, ou seja, como a imagem de Jesus que caminha connosco e nos leva até mais além, transporta-nos ao Deus vivo. É desta subida que se trata: tal é o caminho, a que Jesus nos convida.
2. O Senhor está connosco, como esteve sempre com o Seu povo. Por isso, depois da profissão de fé feita por Pedro em Cesareia de Filipe, Jesus encaminhara-Se como peregrino na direção de Jerusalém para as festividades da Páscoa. Caminha para o templo na Cidade Santa, para aquele lugar que, de modo particular, garantia a Israel que Deus estava próximo do seu povo. Caminha para a festa comunitária da Páscoa, memorial da libertação do Egipto e sinal da esperança na libertação definitiva. Jesus sabe que O espera uma Páscoa nova, e que Ele mesmo tomará o lugar dos cordeiros imolados, oferecendo-Se a Si mesmo na Cruz. Sabe que, nos dons misteriosos do pão e do vinho, dar-Se-á para sempre aos seus, abrir-lhes-á a porta para um novo caminho de libertação, para a comunhão com o Deus vivo. Ele caminha para a altura da Cruz, para o momento do amor que se dá. O termo último da sua peregrinação é a altura do próprio Deus, até à qual Ele quer elevar o ser humano.
3. A solidariedade do Senhor com os mendigos deste mundo – que somos – não só nos oferece conforto na quarentena, nem apenas suaviza o sofrimento…. Mas inaugura novos caminhos, rompe novas estradas, estabelece novas rotas; tanto é assim que hoje, domingo de Ramos, quando recordamos a passagem de Jesus pelas estradas de Jerusalém, também descobrimos que, essas mesmas estradas, deixam de ser meras vias de passagem e se transformam em caminhos de Vida. As mesmas estradas percorridas por Jesus se transformaram em caminhos de doação ao Pai e pela humanidade.
4. Por isso, a nossa prece repete «Bendito o que vem»: “sim, vem Senhor, entra nas nossas vidas, nos nossos lares, nos nossos hospitais, entra em Portugal, porque a tua vinda além de nos dar a alegria do teu conforto também nos traz novos rumos, abre-nos novos caminhos, dá-nos novas estradas, resgata-nos da escravidão do medo e conduz-nos à terra prometida da paz e da serenidade. A tua companhia transforma os nossos trilhos em Caminhos de amor e solidariedade.
Os Padres disseram que o homem está colocado no ponto de intersecção de dois campos de gravidade. Temos, por um lado, a força de gravidade que puxa para baixo: para o egoísmo, para a mentira e para o mal; a gravidade que nos rebaixa e afasta da altura de Deus. Por outro lado, há a força de gravidade do amor de Deus: sabermo-nos amados por Deus e a resposta do nosso amor puxam-nos para o alto. O homem encontra-se no meio desta dupla força de gravidade, e tudo depende de conseguir livrar-se do campo de gravidade do mal e ficar livre para se deixar atrair totalmente pela força de gravidade de Deus, que nos torna verdadeiros, nos eleva, nos dá a verdadeira liberdade.
No início da Oração Eucarística, durante a qual o Senhor entra no meio de nós, a Igreja dirige-nos este convite: «Sursum corda – corações ao alto!». O coração, segundo a concepção bíblica e na visão dos Padres, é aquele centro do homem onde se unem o intelecto, a vontade e o sentimento, o corpo e a alma; é aquele centro, onde o espírito se torna corpo e o corpo se torna espírito, onde vontade, sentimento e intelecto se unem no conhecimento de Deus e no amor a Ele. Este «coração» deve ser elevado. Mas sozinhos somos demasiado frágeis para elevar o nosso coração até à altura de Deus; não somos capazes disso. É precisamente a soberba de o podermos fazer sozinhos que nos puxa para baixo e afasta de Deus. O próprio Deus tem de puxar-nos para o alto; e foi isto que Cristo começou a fazer na Cruz. Desceu até à humilhação extrema da existência humana, a fim de nos puxar para o alto rumo a Ele, rumo ao Deus vivo. Jesus humilhou-Se: diz hoje a segunda leitura. Só assim podia ser superada a nossa soberba: a humildade de Deus é a forma extrema do seu amor, e este amor humilde atrai para o alto.
O salmo processional 24, que a Igreja nos propõe como «cântico de subida» para a liturgia de hoje, indica alguns elementos concretos, que pertencem à nossa subida e sem os quais não podemos ser elevados para o alto: as mãos inocentes, o coração puro, a rejeição da mentira, a procura do rosto de Deus.