A FORÇA DA FÉ NA HORA DA FRAGILIDADE
Estamos a viver uma hora dramaticamente difícil. Talvez, que me lembre, das mais difíceis por que passou Portugal nos últimos tempos. Mas tal como evolui a propagação do vírus, também vai evoluindo o nosso mundo interior. Perante os primeiros casos, ficámos perplexos; depois, passámos ao medo, etapa em que nos encontramos atualmente; poderá seguir-se a angústia, situação agora vivida, por exemplo, em Itália; posteriormente, poderá sobrevir o desespero e eventualmente a «morte» como desfecho. Este é o trágico caminho que um ser aparentemente tão insignificante como um vírus pode impor à interioridade do ser humano. É assim que nos apercebemos da nossa fragilidade enquanto seres humanos e tomamos consciência da precariedade da vida que nos foi dada como um bem precioso e escasso.
Todos estamos de acordo de que a proliferação do vírus tem de ser detida: a tal propósito estão dedicados os médicos, o SNS, a DGS, o Governo e outras instituições, a par da ação pontual, mas determinante, de cada cidadão. Esta é, igualmente, uma hora solene para a fé. Aos crentes e a todas as pessoas de boa vontade propõe-se a urgência de vencer o medo. Só assim se evitará a entrada na terceira fase, a da angústia. É por isso que somos chamados a observar rigorosamente todos os conselhos e diretivas das entidades competentes e, em simultâneo, a deixarmo-nos iluminar pela fé que nos fortalece na Confiança em relação a Deus e aos outros.
“Não tenhais medo” — é o apelo mais vezes repetido ao longo de toda a história da salvação. Só a confiança vence o medo. Neste momento, evoco a figura de São Pedro que, caminhando sobre as águas ao encontro de Jesus e começando a afundar-se, lhe pede socorro: «Salva-me, Senhor!» Jesus respondeu: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (Mt 14, 30-31). Mais do que a coragem, a fé, a confiança absoluta no amor de Deus, há de salvar-nos.
É, pois, dessa fé salvadora que nos fala o evangelho deste terceiro domingo da quaresma (cf Jo 4, 5-42). É Jesus quem nos oferece a «água viva» que nos revigora e recria para a vida eterna «a água que Eu lhe der, há de tornar-se nele em fonte de água que dá a vida eterna.» E essa vida infinita realiza-se na comunhão de amor vivida hoje, aqui e agora, em Cristo, ao serviço dos irmãos. Todos somos chamados a ser como a água do rio que nasce na montanha, corre pelas encostas e vales e vai vencendo todos os obstáculos do caminho. Deste modo, vivendo a partir de Cristo que é a nascente, se nas horas mais difíceis permanecermos juntos e unidos, seremos uma torrente capaz de ultrapassar todas as barreiras, incluindo a que hoje tanto nos aflige e preocupa.
Um Santo Domingo
+ Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança