1. A vantagem do regresso às fontes é que oferece a oportunidade de revisitar os alicerces do presente e impulsiona o discernimento para trilhar o futuro. De facto, as grandes viragens da história desenvolveram-se a partir da redescoberta das origens.
2. Também as Forças Armadas e as Forças de Segurança não surgiram do nada, mas despontaram nos ramos da árvore da história cujas raízes é importante revisitar. E o motivo é simples e despretensioso: responder à pergunta sobre o sentido da sua Missão.
3. Começo por esclarecer que os pilares que sustentam ambas, como de quase tudo o que é “ocidental”, são as matrizes judaico-cristã e greco-romana.
Dessas fontes apreendo, sobretudo na Bíblia, que o mundo para ser e funcionar necessita de paz. Mas a paz não é um conceito abstrato, nem um mero slogan, remete para as noções de “bem-estar” e “salvação”, evocando a ideia de totalidade, inteireza e plenitude.
Para nós, não é difícil perceber como se chegou à formação desse significado: é que, só existindo a paz, é possível existirem todos os outros bens, como a vida, a saúde, a escola, o cultivo dos campos, a vida social… Não por acaso, a Bíblia reserva para a paz a nobre honra de ser a «bênção das bênçãos do Senhor». E o Novo Testamento tem-na como o bem messiânico por excelência. Porque só com ela e a partir dela, são possíveis todas as outras bênçãos.
4. Ora, para servir um bem tão essencial, criou-se toda uma série de funções que, aliás, acabaram por organizar a própria estrutura social; a saber, os profetas, que, enquanto arautos da paz, a apregoavam, os sacerdotes, que a promoviam, e a realeza com os seus exércitos, que a defendiam.
Para esse mundo antigo, particularmente o semítico que deu vida ao texto bíblico, o contrário da paz é tudo o que violenta a integridade do ser humano: o seu bem-estar físico, psíquico, familiar, religioso, político… ou seja, trata-se de um grave atropelo a um bem determinado, ferindo, de alguma maneira, o pleno bem-estar dos povos ou das pessoas.
5. Foi nesse contexto que emergiu a missão dos «defensores da paz», atribuída aos guerreiros e soldados, cujos legítimos herdeiros são, de alguma maneira, nos modernos Estados de Direito, as Forças Armadas e de Segurança.
A missão que as fontes da civilização ocidental atribuem aos Militares e às Forças de Segurança obriga a nunca perder de vista este caráter universalista e integral, contido na manutenção e incremento da paz. Salvaguardar esse bem fundamental é indispensável para a vida e para o desenvolvimento do todo da Nação. Estar ao serviço dos cidadãos é, neste contexto, permitir o pleno desenvolvimento de todos os âmbitos que constituem a identidade ativa do país. É, pois, um erro, contranatura até, pretender encerrar ou reter os Militares e Agentes de Segurança dentro de confins que acabam por esvaziar de sentido a sua missão; a qual, repito, tem a abrangência que a defesa da paz impõe, revestindo-se, portanto, de um caráter universal e imprescindível. Quando se está ao serviço da paz e da vida, defende-se e protege-se não um setor específico ao lado de outros setores, mas serve-se o que permite a existência de todos eles. Sem paz, nada mais é possível; e as Forças Armadas e de Segurança estão em função desse alicerce que permite o surgimento e o crescimento de tudo o mais no país.
Por isso, parece evidente não lhes deverem ser atribuídas tarefas residuais ou parcelares, a menos que tais tarefas resolvam problemas com repercussões globais. De facto, quem serve o todo não pode prender-se ao pontual. Decerto todos queremos ver salvaguardado este bem tão precioso que é a paz, tanto na relação com o exterior como a nível interno. Mas só poderemos salvaguardá-lo se cuidarmos das instituições que lhe estão votadas, proporcionando-lhes os meios e as condições de que necessitam para o desempenho cabal da sua missão.
+Rui Valério