No dia 15 de janeiro, a Força Aérea Portuguesa celebrou a sua Padroeira, Nossa Senhora do Ar.
O momento foi assinalado com uma Celebração Eucarística na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, templo da Força Aérea.
Presidiu D. Rui Valério, Bispo das Forças Armadas e de Segurança.
Transcrevemos a sua homilia.

FESTA DE NOSSA SENHORA DO AR
15 Janeiro 2019

Hoje, o dia é de celebração e de contemplação.
1. Celebramos Maria Santíssima, nossa Mãe e Padroeira e aquilo que, através desses títulos e dimensões, Ela nos oferece gratuitamente.
Enquanto Mãe, oferece-nos a vida, não como um fruto amadurecido, pronto a consumir, mas como uma semente lançada à terra que é necessário cultivar e cuidar, dedicando-lhe tempo e energias para que possa crescer e amadurecer.
Enquanto Padroeira, concede-nos a sua proteção e o seu modelo de vida e de ação, assente numa incondicional confiança em Deus e numa dedicação total à humanidade e à causa que cada ser humano é e representa.
2. Dia igualmente de contemplação: Nossa Senhora mostra-se atraída pelo Alto e para o Alto, pelo Céu e para o Céu. O evangelho narra que Ela, Maria, se dirigiu apressadamente para a montanha (cf Lc 1, 39). Ela é a Senhora que “foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (MUNIFICENTISSIMUS DEUS), refere a proclamação do dogma da Assunção de Maria. Hoje evocamo-la como Nossa Senhora do Ar. Também nas palavras do Magnificat (cf Lc 1, 46-55), o maravilhoso hino recitado por Nossa Senhora, revela-se uma mulher fascinada pelo Alto, por Deus e pela sua Glória.
3. Que momento solene este nos é oferecido para vislumbrar no mistério de Maria Santíssima! Este grande segredo da vida era tão querido aos Padres da Igreja, que o formulavam assim: “o semelhante atrai e é atraído pelo semelhante” – “similis similene quaerit”. Maria sente-se atraída pelo Alto e pelas alturas divinas e celestiais porque ela própria é divina, porque ela própria alberga em si mesma a personificação dessa Altura, que é a graça de Deus, a altura da confiança, disponibilidade, pureza.
Caros militares da Força Aérea, temos na nossa Senhora do Ar uma mensagem sublime que, ao mesmo tempo, nos empenha: a nossa vocação é rasgar os céus, é ascender às alturas para o cabal desempenho da missão. Mas o que possibilita essa ascensão às alturas não são nem podem ser apenas as aeronaves de que dispomos. Em nós próprios encontram morada própria as alturas da dignidade, da elevação dos valores e dos princípios de vida que nos regem. “O semelhante atrai e sente-se atraído pelo semelhante”, nós somos atraídos pela Altura do céu porque possuímos em nós altura e elevação de caráter e de princípios.
4. Convém e importa recordar, no entanto, que Maria sobe às alturas na exata proporção ou medida em que, na sua humildade, desce, desce ao nível de serva, faz-se pequena, esvazia-se de si mesma para não ser preenchida senão pela graça do Deus Altíssimo.
Na perspetiva de Deus Omnipotente, de facto, sobe-se na exata proporção em que se desce na humildade e no serviço. Maria subiu porque ousou descer. Aliás, Ela própria nos dá um maravilhoso e surpreendente testemunho sobre a grandeza de Deus e a Sua desconcertante forma de atuar: “Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.” (Lc 1, 51-53) A grandeza de Deus revela-se preferencialmente no seu compromisso com os pequenos, com os últimos. Maria não proclama, através deste maravilhoso hino, a omnipotência de Deus Altíssimo na Sua obra criadora, nem quando cura os doentes ou planeia e cria o universo ou o firmamento, mas no humilde ato de tornar efetiva a justiça sobre a terra, de oferecer dignidade àqueles cujos direitos são esquecidos em nome das múltiplas obrigações para com os poderosos. Nisto está o sentido da nossa vocação enquanto homens e mulheres orientados para as Alturas: mais atenção às margens, aos que se encontram nas periferias da cidade. Só uma Força Aérea como a nossa que cuide e atenda às necessidades dos famintos, pode, além de voar alto, também alcançar aquela Altura digna da Nossa Senhora do Ar.

5. O ar não é apenas aquele elemento natural que sustenta as aves e as aeronaves, permitindo ao ser humano viajar num ambiente que naturalmente lhe estava vedado. O ar é também um elemento vital. Sem o seu contributo permanente, o ser humano extingue-se biologicamente. É por isso que nas línguas bíblicas, o hebraico e o grego, a palavra para designar o ar designa também o espírito, o elemento vital sem o qual seríamos apenas um amontoado físico caótico. E quando o ser humano morre, a Bíblia diz que “exalou o espírito”, ou seja, “exalou o último sopro vital” que o tornava humanamente viável. Atendo-nos à mensagem bíblica, também Deus é Espírito, o princípio vital de tudo quanto existe e sem o qual nada pode subsistir.
Festejarmos hoje a padroeira da Força Aérea significa, assim, reconhecermos a nossa absoluta dependência de um princípio vital que está acima de nós, mas, simultaneamente, habita a profundidade do nosso ser. “Deus é mais íntimo ao ser humano do que os abismos da própria intimidade”, afirmou Santo Agostinho. Sem Ele, esse Espírito que a metáfora do ar tão bem explicita, nenhum de nós poderia alguma vez aspirar a ser.
Sejamos, portanto, fiéis a esta vocação que está inscrita no nosso ser desde que viemos à existência: a vocação para as Alturas, para deixarmos que nasça e se desenvolva em nós essa Altura que é o Espírito de Deus, essa respiração divina que tudo cria e tudo mantém.
Vejo aqui um convite para não nos deixarmos manipular nem pelo materialismo, nem tão pouco pelo que é efémero, relativo, mas interessemo-nos pelo que, sendo vital, é igualmente essencial.
6. Que Nossa Senhora do Ar ou, se preferirmos, Nossa Senhora do Espírito Divino nos proteja, acalentando em nós essa aspiração constante pelas coisas do Alto: a afirmação plena da dignidade de cada ser humano, a bondade permanentemente atualizada em atitudes concretas e o amor pela justiça, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade ao gosto de Deus, onde seja eliminada toda a discriminação e ninguém viva efetivamente, por inércia nossa, em condições indignas de qualquer ser humano.

+Rui Valério,
Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança