VILA VIÇOSA – 08/12/2021
Irmãos em Cristo
1.“Salve, ó Cheia de graça” (Lc 1, 28): te saudamos, Senhora Imaculada, com as palavras de amor e gratidão usadas pelo divino mensageiro. E, tal como ele te revelou o coração aberto do Pai, pulsando de amor e misericórdia pela humanidade ferida de pecado e sedenta de redenção, também nós te abrimos nossos corações para expor, a teus bondosos olhos, as esperanças que os alentam e as feridas que os dilaceram. Aceita o nosso louvor pela graça da proteção oferecida, particularmente ao longo dos últimos meses. Na tempestade que abalou o mar do mundo, a barca da Tua Igreja permaneceu firme, inabalável porque, confiante, se ancorou à Vossa maternal proteção. E – tal como na encarnação de Vosso divino Filho – a salvação irrompeu no mundo, pela disponibilidade do Vosso sim, também nestes momentos decisivos da história, foi exclamado um sim à vida, um sim à comunhão se proferiu; um sim à humanidade foi entoado no eco e na ressonância do Vosso sim à nossa salvação.
O Vosso sim ressoou na entrega incansável dos profissionais de saúde, no combate à pandemia, no serviço abnegado e competente das Forças Armadas e das Forças de Segurança; na solidariedade de tantos homens e mulheres que fizeram das suas profissões uma missão de servir a vida e a dignidade do ser humano; o vosso sim repercutiu-se nos meios de comunicação social que encurtaram a distância entre as pessoas e cultivaram o sentido da responsabilidade; ecoou na voz da Igreja que manteve acesa a chama da esperança. Mãe Imaculada, o Vosso “sim” continua a ser a resposta do mundo ao plano de salvar a humanidade.
No mistério da Vossa Conceição imaculada contemplamos e celebramos o privilégio de terdes sido concebida sem a mancha do pecado original: fostes preservada do mal; não conhecestes a corrupção, nem durante a vida – porque não fostes seduzida pela tentação de acumular para vós o que era de Deus e de Jesus, como também não detivestes para vós mesma o vosso próprio ser, mas o entregastes totalmente ao Senhor, até ao esvaziamento da vossa própria vontade. Realizastes a mais absoluta e plena desapropriação de vós mesma, para serdes toda de Deus.
Não só durante a vida, dizíamos, mas também após a morte ficastes isenta de corrupção, pois o vosso corpo, como celebramos na solenidade da Assunção, não desceu ao túmulo. Incorruptível sempre, na vida como na morte, em tudo, até hoje…
2. Não será – para nós – este o contexto para evocarmos e exaltarmos os dois alicerces que, ao longo de praticamente novecentos anos de história, têm sustentado a Nação? Dois alicerces – que São Nuno de Santa Maria chamava de dois braços: a Igreja e as Forças Armadas.
Na história recente, todos somos testemunhas da mesma vontade de incorruptibilidade a fazer-se sentir. O Papa Francisco não cessa de recordar que a Igreja é chamada a ser sinal de autenticidade e de verdade. Que no seu rosto e coração deve resplandecer a pureza de Maria. Enquanto Mãe dos membros do Corpo Místico, dos batizados, tem de ser pura, como o foi e é a Mãe da Cabeça, a Virgem Imaculada.
Também as Forças Armadas Portuguesas, na esteira de Nun´Álvares Pereira, condestável do Reino, prosseguem o caminho de serviço à Pátria e aos portugueses na estrada da incorruptibilidade. Que a Nação dirija o seu olhar para Nossa Senhora da Conceição e encontre a sua pureza projetada nos seus filhos que, na Marinha, no Exército ou na Força Aérea, na Guarda Nacional Republicana e na Polícia dão o melhor de si a Portugal e ao mundo, e roguemos para que o seu exemplo de apego à verdade seja imitado por outros setores da sociedade.
3. «Salve, ó Cheia de Graça», reunimo-nos em torno do vosso altar de luz, com Adão e Eva, unidos à humanidade da terra inteira. Ao contemplar-vos a esmagar a cabeça da serpente, com o vigor do Vosso calcanhar, e a destronar o jugo do mal, descobre-se o poder da vossa força a atuar na vida das nações que respeitam o nome de Deus. Na vossa presença descobrimos que o mal não tem o domínio total e absoluto sobre a terra. Descobrimos que o pecado foi e é sempre um percalço no percurso da história da humanidade, pois o homem foi feito para a santidade, não para o pecado. É por isso que será uma mancha, um estranho na atmosfera humana, não é conatural. A sua presença, inquieta-nos e atormenta-nos. Um mundo onde o mal impera, é um não lugar, assim como a vida guiada e nutrida pelo mal é uma não vida.
Imaculada Conceição, na vossa companhia constatamos o quão incómodo é o mal para o ser humano, aliás, torna-se insuportável. Por isso, como se revelou em Adão e de Eva, o mesmo ser humano não foi capaz de assumir tal mal, sacudi-o porque simplesmente é terrível e dramático de mais. Então, vemos a eficácia da vitória sobre o mal onde houver homens capazes de resistir às suas tentações, mas também onde houver responsabilidade e sincero arrependimento pelos atos praticados.
4. Pela nossa voz se eleva um hino de gratidão ao esplendor da esperança de Maria que, na simplicidade do seu Fiat, sim faça-se, tornou grande toda a nesga de abertura do homem a Deus (cf Lc 1, 38). Em Cristo, Ela tornou-se a Mãe de todos os filhos e filhas do Altíssimo, recebendo, cada um, o maternal regaço acolhedor para encontrar refúgio e onde derramar as lágrimas sôfregas da solidão e do sofrimento. O manto divinal de Nossa Senhora envolve-nos em cada instante e momento, mas é sobretudo nas horas de aflição, quando a tragédia teima em construir morada na nossa vida que nos sentimos protegidos por ele.
Sentimos-Vos próxima de nós, Mãe Imaculada, possuis os segredos de cada ser humano e no vosso coração pulsa incansável o ardor e a ternura – que são o oxigénio da alma. Sem amor ninguém vive, e ninguém quer viver – e Vós, dais o vosso amor de Mãe a cada vivente e cada vivente, por vós amado e conduzido, vive na fortaleza da esperança. Transforma cada momento doloroso em oportunidade de redenção.
4. “Salve, ó cheia de Graça”: com São Gabriel também nós entramos onde Vós estais. E vós, Virgem Puríssima, estais no coração de Deus e no coração da humanidade. Por todos sóis amada, residis na morada de cada criatura, homem ou mulher que seja. Na Vossa presença, somos transportados para a janela do mundo, pois vós sóis essa janela aberta para o céu. Os homens que andavam nas trevas, oprimidos pelos muros esmagadores da vida mortal e finita, em vós e na ressurreição de Cristo receberam a Boa Nova pela abertura de novos horizontes que se rasgaram para a vida eterna, vida sem crepúsculo, nem ocaso; uma fenda se abriu nas dobras do tempo inclinando-o e fazendo-o mover para a eternidade.
E só debruçados sobre essa janela encontramos o significado da vida presente, das circunstâncias e factos que vivemos e que acontecem no mundo. Só a paisagem divina do céu revela o sentido da história, porque é através de Vós, abertura para a luz da eternidade, que passa a iluminação do significado do que compõe e constitui as vicissitudes da existência. É verdade que, por vezes, somos como a criança pequena que não tem altura suficiente para chegar ao parapeito da janela e, tal como faziam os nossos pais, que nos pegavam ao colo para alcançarmos a visualização da paisagem que se vislumbrava através dela, também Maria, nossa boa Mãe, pega-nos nas suas imaculadas mãos e ergue-nos ao patamar de onde se vislumbra a fonte e a luz da vida, o rosto de Jesus e o coração do Pai.
Com o coração acolhedor, hospedamos o amor e o sentido de Deus – «fizeste-nos para vós, Senhor e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em vós» (Santo Agostinho, Confissões, 1).
E vós, Senhora, fostes a primeira a protagonizar o desapego de vós mesma para voltardes para Deus todo o vosso ser, para elevar o Vosso olhar totalmente para Ele. «Como será isto, se eu não conheço homem?» (Lc 1, 34). Consideráveis vós o anúncio do Mensageiro divino, olhando para a vossa condição de virgem e jovem donzela; mas eis que este vos convida a focar o Alto, a contemplar a força omnipotente de Deus: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.» (Lc 1, 35) Nesta mudança de perspetiva, em que se opera uma autêntica conversão, realiza-se e condensa-se a nossa salvação. Essa, reside na centralidade de Deus como fonte, critério e meta da vida e da história. Na sua humildade plena, Nossa Senhora acata esta descentração de si, para estar totalmente focalizada em Deus.
Nossa Senhora da Conceição, concedei-nos a graça dessa dócil transformação a que são chamados todos os homens e todas as mulheres. Para se desapegarem de si mesmos, para descentrarem de si o olhar, e o voltarem para o Alto. Nessa mudança reside a beleza da plenitude de todo o ser, de todo o ser pessoal, como de todo o ser criado.
5. «Salve, ó Cheia de Graça», aclamamos em comunhão com Cristo, em quem Deus nos escolheu, antes da criação do mundo».
Cristo é o grande fruto da caminhada que Deus tem feito com a humanidade ao longo da história. Ele desceu do Céu, tendo entrado no mundo pelo portal do sim, da disponibilidade de Maria.
Os novos tempos, por Ele inaugurados, nascem sob o signo do apelo «não temais». Maria foi quem primeiro recebeu o convite – «Não temas, Maria» (Lc 1, 30). E foi sob a luz do não-medo que se construiu e percorreu todo o caminho de dois mil anos de santidade, civilização e salvação, sendo Portugal uma das etapas fundamentais desse percurso de fé e de esperança. «Não tenhas medo» uma fonte que conferiu coragem às comunidades ocidentais contra os bárbaros, uma água refrescante que transmitiu bravura e ousadia aos navegadores portugueses que, da ocidental praia lusitana, rasgaram os mares para darem novos mundos ao mundo e criarem a civilização da proximidade e interação. Não temais: lema que lançou os cristãos de todos os tempos a não desistirem de ninguém e a não recearem ninguém.
Mas hoje, está a surgir um tempo em que o medo está novamente a despontar como determinante. Se o resultado do não temor foi uma sociedade e uma cultura cheias de enormes e significativos valores e feitos civilizacionais, sejam cristãos, sejam humanistas, é caso para nos perguntarmos: “que sociedade e que cultura advirão das sementes do medo e do receio?” A Escritura, particularmente o Evangelho, contém a resposta para essa eventualidade; pensemos no servo da parábola que recebeu um dracma e, por medo da severidade do seu senhor, o foi esconder debaixo da terra (cf Mt 24, 25). Recordemos o que sucedeu a São Pedro quando caminhava sobre as águas, mas ao sentir medo, começo a duvidar e a afundar (cf Mt 14, 30). Lembremos os apóstolos na hora da prova, a cruz, que ficaram paralisados pelo medo.
O medo bloqueia, paralisa, afunda. Por isso, o nosso olhar se volta novamente para vós, ó Maria. Fazei-nos escutar novamente o apelo a não ter medo, a confiar sempre, a ter fé. Que nenhuma circunstância, que vicissitude alguma nos paralise.
“Não tenhais medo – exortava S. João Paulo II, ao iniciar o seu fecundo pontificado, e mostrava-nos o modo de vencer esse medo – abrir as portas a Jesus Cristo!”. Maria, Ela própria, protagonizou, com o seu sim, essa abertura. Confiar n’Ela é escancarar todo o nosso ser à vida de Deus, que nos santifica e à Sua força que nos investe como obreiros de um tempo novo.
Santíssima Virgem Maria, Imaculada Conceição, nossa Mãe e Rainha de Portugal! TOTUS TUUS MARIA.
+ Rui Valério
Bispo das Forças Armadas e Forças