Inspirados pela palavra que escutámos somos provocados a ir ao encontro da condição essencial do ser humano. E qual é essa condição? A de sermos chamados. Ser homem, ou ser mulher significa «ser chamado»: de Moisés diz-se na 1ª leitura que “O Senhor chamou-o da montanha”; na mesma página se diz que Deus “chamou Israel do Egito”; e o Evangelho narra que Jesus “depois chamou a Si os seus doze discípulos”. Esta é a nossa condição fundamental de estar na vida, estamos e somos porque e enquanto somos chamados. Significa isso que:

1º o começo de quem um de nós é sempre constituído por duas pessoas: por Alguém que chama e por nós que somos chamados. Mas até a nível empírico isso é visível: no principio da nossa vida estou a pessoa e aquela que o acolhe e gera, a mãe. E durante os primeiros meses de vida cada um de nós é dois.

2º esta condição remete-nos para o esclarecimento do sentido da nossa vocação, somos chamados ao amor: o Senhor tirou Israel da escravidão do Egito para o transportar sobre asas de águia Trazê-lo até Ele. E fazer de Israel a sua propriedade especial entre todos os povos. E o salmo reza pela mesma aceção: «Sabei que o Senhor é Deus, Ele nos fez, a ele pertencemos». E no Evangelho os discípulos foram chamados para o amor. Que significa serem enviados a libertar e a curar as feridas e fragilidades da humanidade? Não significa, por acaso, tornar salvífico o amor?

3º Amor: ao qual somos chamados, assume três significados fundamentais:

1º. Amor gera identidade, cria raízes, dá-nos uma pertença. Quando nos sentimos e sabemos amados sentimo-nos leves, a vida é um voo, vivemos como se fossemos transportados sobre asas de águia. E sentir-se propriedade de Deus: de entre os seus preciosos tesouros, havia uma parte especial, era a sua propriedade. Quem não é amado não se sente de lugar nenhum. Nós somos de quem nos ama e pertencemos lá aonde fomos amados e amamos. Eis aqui qualquer coisa que nos deve fazer refletir: a onde pertencem hoje as pessoas e nomeadamente as novas gerações de jovens? Dizem que pertencem a uma pátria virtual. Mas é dramático. Significa que, como país, Portugal desistiu de amar os seus jovens? Deus pode dizer que Lhe pertencemos porque Ele ama-nos incondicional e gratuitamente, mas Portugal pode dizer que hoje os jovens aqui nascidos sentem que lhe pertencem? E se não se o não sentem porquê? Que falta?

2º O amor é gratuito e incondicional: “Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores. Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios”. Foi no momento e nas circunstâncias de maior debilidade e fraqueza do homem que, por ele, Cristo deu a sua vida. Não foi quando o homem estava na situação de êxito e sucesso…. Cristo deu a sua vida pelo homem quando o homem mais estava na lama. Isto é, como hoje se diz, a gramática do amor. Lembra uma história sucedida há já alguns anos quando o presidente de um grande clube de futebol nacional foi ter com um determinado jogador que estava acamado no hospital com o dramático diagnóstico de não saber se poderia ou não continuar ainda a jogar e, esse presidente, foi ter com ele, para renovar o contrato com a satisfação de todas as condições apresentadas pelo jogador…. Quando estava doente, na incerteza se poderia ou não continuar a jogar… assim se conquista um homem. Conta-se que o Padre Américo quando lhe consignavam um gaiato que ele nunca tinha visto lhe consignava um considerável quantia de dinheiro para que fosse ao banco depositar…. Que risco correria, mas foi assim que resgatou e salvou tantos homens. Deus assim connosco, quando o ser humano está na sua maior fragilidade é que nos oferece o que de mais precioso tem e o amor salva.

3º O amor na sua forma mais sublime é compaixão, um misto entre o sentimento e a ação. Sendo uma propriedade típica de Deus, Jesus encarnou-a, viveu-a até ao ponto de ser, Ele mesmo, a compaixão do Pai pelo mundo. Ele não só partilhou o nosso sofrimento, nem só comungou da nossa fragilidade, mas Ele salvou o homem perdido, resgatou os aniquilados e iluminou os que andavam nas trevas. Na senda da Sua compaixão amorosa enviou os seus discípulos como apóstolos da compaixão, habilitando-os a vencer o mal, a libertar os amarrados de todas as angústias, a sarar todas as feridas abertas pelas amarguras da vida, a incendiar o ardor da liberdade num mundo tantas vezes refém da incerteza e da dúvida. Eis ao que hoje somos chamados a promover a quem nos devemos sentir enviados.