Transcrevemos a Intervenção do Ministro da Defesa Nacional, José Alberto Azeredo Lopes, por ocasião da Cerimónia de Condecoração do Bispo das Forças Armadas e de Segurança, D. Manuel Linda, dia 3 de abril no Salão Nobre do MDN.
Se a César haveremos de dar o que é de César e a Deus o que é de Deus, quem é e a que vem um bispo das Forças Armadas e de Segurança que tem de Deus, naturalmente, mas também de César, pelo quadro funcional em que se insere? Quem é e a que vem este bispo das Forças Armadas e de Segurança?
Sou e sirvo – ouço Vossa Excelência Reverendíssima responder – os Servidores da Paz.
Servir os Servidores da Paz.
Eis Dom Manuel Linda. Eis o sacerdote. Eis o estudioso (mais que o estudioso, eis o discípulo!) de Dom António Ferreira Gomes, respondendo ao desafio implícito – são palavras do nosso homenageado – que o saudoso bispo do Porto nos deixou: «o de repensar e ajuizar, à base da sempre perene Revelação cristã, as novas questões com que a humanidade continuamente se confronta».
Quando, neste nosso mundo repleto de muitos, talvez demasiados Césares, «se parecem globalizar os medos e as fobias – estou, mais uma vez, a citá-lo –, as vinganças [e] os ressentimentos (…) mais do que uma efectiva justiça (jurídica, económica e social)», talvez caiba a Deus, «seja qual for a forma de O nomear» (na feliz expressão que aqui lhe roubo), talvez caiba aos cuidadores das coisas do espírito (se não quisermos ousar a simplicidade) promover uma dignidade humana que só se pode realizar em liberdade e em fraternidade.
O homem, o sacerdote que tão bem serviu e serve os Servidores da Paz não é senão arauto desse repensar e desse ajuizar, porque compreendeu que «a paz possui uma configuração ético-social: [que] ela é fundamentalmente projeto, sã utopia, empenho que deve dizer respeito» a cada um e aos «anjos da paz», como recentemente lhes chamou, mais que a todos os outros.
O homem, o sacerdote que soube e sabe ser camarada entre camaradas, não é senão exemplo do «saber (con)viver, fruto da amizade cívica e da sã interligação da pessoa com o seu semelhante, num humanismo de fraternidade que os cristãos gostam de apelidar de ‘civilização do amor’».
O homem, o sacerdote que quis e soube abrir-se ao que une na diferença dos credos, não fez senão dar voz ao «autêntico e efetivo apelo evangélico à fraternidade universal da humanidade».
Compreendamos: lá, onde não houver comunhão e compromisso em favor do bem comum, não haverá comunidade – nem civil, nem religiosa, nem militar –, mas apenas indivíduos movidos pelos próprios interesses.
Este homem, este sacerdote, que dentro de dias será o meu Bispo, porque Bispo do Porto, foi e é também cidadão entre cidadãos, que é outra forma de se dizer da «fé no homem e na sua capacidade de chegar a uma efetiva fraternidade».
Sou e sirvo – os Servidores da Paz. Sou e sirvo a mesma farda e a mesma condição. Como da mesma dor, do mesmo júbilo, do mesmo pão. Sou e sirvo, «vosso Irmão e Amigo».
Pessoa de trato simples, soube V. Ex.ª exercer estas funções de um modo em que, coisa pouco comum, foi a função a ser dignificada e não, como infelizmente acontece com demasiada frequência, os votos de função a serem demasiado largas para quem as veste. Soube unir, sem deixar de deixar, aqui e ali e como quem não quer a coisa, palavras de alerta como palavras de alento. Tudo aquilo de que precisam as nossas Forças Armadas e as nossas Forças de Segurança, essa andragogia que estudou em D. António Ferreira Gomes mas que aqui exerceu em aulas práticas, em aulas intensas.
Fui apreciando, Dom Manuel Linda, a sua serenidade culta e afável. E por isso, como Ministro da Defesa Nacional, deixe-me que lhe diga que sei dar valor a quem, num cargo por definição de tempo curto e limitado, faz o que tem a fazer como se o seu tempo não tivesse fim. Mas sabendo, como Dom Manuel Linda sabe como poucos, que os cargos são isso mesmo: transitórios, num tempo certo ou ainda mais curto do que aquilo que se dá como certo.
Espera-o, agora, uma nova aventura, porque a Igreja o chama para outros desígnios. Desejo-lhe, como poderá imaginar até por interesse próprio e algo egoísta, as maiores felicidades. É uma tarefa pastoral enorme. Mas tenho a certeza de que, como sacerdote e agora como meio militar ou ¾ de militar, nunca lhe faltarão a vontade, o engenho e, repito, a sabedoria para, olhando para trás, nunca deixar de ver as sombras carinhosas e benevolentes de D. António Ferreira Gomes e de D. António Francisco, seus enormes antecessores.
«Até nos tempos mais sombrios – escreve Hannah Arendt – temos o direito de esperar ver alguma luz. E é bem possível que essa luz não venha tanto das teorias e dos conceitos, como da chama incerta, vacilante e muitas vezes ténue, que alguns homens e mulheres conseguem alimentar em quase todas as circunstâncias e projetar em todo o tempo que lhes foi dado viver neste mundo.»
Que assim seja, D. Manuel Linda. E, estou certo, sê-lo-á.
Muito obrigado.
https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=b8cc2156-4ccc-473f-9241-e730276dad4d