Afirmação de D. Rui Valério na homilia da Missa de Ação de Graças pelo 177º Aniversário do Regimento de Infantaria Nº14, em Viseu.

Foi hoje, dia 6 de dezembro, na Igreja dos Terceiros, naquela cidade.

Concelebrou D. António Luciano, Bispo de Viseu, numa cerimónia participada pelas entidades locais e pelos militares e civis que servem naquela Unidade Militar.

Animou a Liturgia o Coral Lopes Morago.

Transcrevemos a Homilia do Bispo Castrense.

  1. Viseu, para Portugal, não é só uma das suas várias cidades. Aqui foi o lar de personalidades/colunas que plasmaram tanto a nossa identidade lusa como a nossa nacionalidade de Portugal, o que atribui a este Regimento uma inerente responsabilidade e missão de perseveração que, neste dia de aniversário dos seus 177 anos, importa sublinhar.
  2. De entre os inúmeros nomes que podíamos aqui evocar hoje, há dois que correspondem perfeitamente à substância dos nossos intentos: em primeiro lugar, a figura incontornável de Viriato que nos importa mais pela sua dimensão simbólica de lutador pela liberdade, autodeterminação e unidade de um povo, do que pela matéria histórica da sua pessoa. O RI 14 desfruta do raro privilégio de respirar o ar onde tais valores foram plasmados e de estar circundado por uma paisagem que incute caráter e afina prontidão e disponibilidade para o combate e para a luta. O terreno próprio desta geografia íngreme modela nas almas as atitudes de desenvoltura e capacidade lutadora para enfrentar todos os desafios, inclusivamente os da vida. De facto, perante os todos os obstáculos o ser humano sempre teve duas formas de os abordar: uma, considerar os graus de dificuldade que os mesmos apresentavam e, na sequência disso, desistir deles; a outra foi a de fazer de cada dificuldade um chamamento, um apelo, a agir, a dedicar-se para a superar e, por fim, vencer. É este carater que encontramos configurado naqueles que nunca se renderam perante nada, nem ninguém, mas antes se entregaram à construção de uma pátria livre, autónoma e unida. O RI 14 é herdeiro de tão egrégia linhagem.
  3. A outra figura que para sempre estará indissociavelmente unida a Viseu é São Teotónio. O facto de ser o primeiro santo português a subir às honras dos altares, de ter sido um dos principais conselheiros de D. Afonso Henriques e amigo pessoal de Bernardo de Claraval, fundador da Ordem de Cister, faz dele uma referência determinante da nacionalidade portuguesa. Se D. Afonso Henriques representa a força, o corpo, São Teotónio a alma portuguesa. Foi graças à grandeza da sua estatura moral e espiritual e do prestígio que desfrutava junto da Santa Sé que levou o Sucessor de Pedro a olhar com confiança para esta terra lusa a querer desvincular-se do Reino de Leão e a realizar a sua autodeterminação. São Teotónio foi para Roma uma garantia da autenticidade dos propósitos dos portugueses de então. Podemos até dizer que foi graças a homens como São Teotónio que Roma percebeu que o desejo de formar um país independente não era um devaneio de jovens, mas qualquer coisa de sério, ponderado e justo. E foi também graças a São Teotónio que fomos levados a sério. Nós hoje podemos e até devemos averiguar que fatores formaram uma personalidade humana e espiritual da craveira de São Teotónio. Há duas virtudes que são muito dele: a primeira, era um peregrino, um caminhante da santidade que por duas vezes foi em peregrinação à Terra Santa; era um mendigo do Absoluto; a segunda, era a humildade, tão humilde que não só recusou títulos e honras como até recusou ser Bispo de Viseu e de Coimbra; mas a sua humildade levava-o a ser tratado do mesmo modo como eram tratados todos os demais. Caros Militares do RI 14, a condição de servirdes Portugal nesta cidade de Viseu, onde a memória de São Teotónio é tão viva, confere-vos a honra de poderdes conviver com o fruto da sua influência, mas ao mesmo tempo confere-vos a grave responsabilidade de manter acesa e viva a chama da união do Ser Militar com a dimensão espiritual e concretamente com a fé em Deus. Não é possível compreender D. Afonso Henriques sem São Teotónio, como hoje será difícil desenvolver a Missão que incumbe às Forças Armadas sem o sentido do Transcendente e a abertura à vivência espiritual. Porque é no âmbito desta que se cultiva a liberdade que permite tomar decisões, e se processa o sentido para as diferentes experiências da vida.
  4. A palavra de Deus que escutámos, elucida-nos sobre o caminho que estamos chamados a percorrer, neste tempo litúrgico do Advento, rumo à celebração do nascimento de Jesus Cristo, que veio e vem ao mundo como Luz, Caminho e Vida. Tal itinerário interpela-nos também a nós, militares, pois estamos certos e temos plena consciência de que a nossa vocação de defender e promover a Paz é uma Missão estritamente natalícia. A nós incumbe a exigente tarefa de zelar para que a chama da Paz, acesa com o nacimento do Filho de Deus, não se extinga nem se apague. É em nome dessa chama que existimos, estamos presentes e operamos não só em Portugal, como também em tantos lugares do mundo como na República Centro-africana, no Afeganistão, no Iraque, no Mali, em São Tomé e Príncipe…
  5. A primeira leitura, colhida do Profeta Isaías, apresenta a salvação que o Messias instaurará sobre a terra com a sua vinda. Será uma salvação que se traduz em transformação e mudança: o Líbano, terra desértica transformar-se-á em jardim, o jardim em floresta. Os surdos ouvirão e os cegos recuperarão a vista. O humilde encontrará alegria e o tirano deixará de existir, o escarnecedor desaparecerá e serão vencidos os que só pensam no mal. As injustiças serão implacavelmente destronadas pela justiça e a paz reinará nas nações e almas atribuladas…. Estas palavras oferecem aos Militares um duplo horizonte que ilumina o que são e o que fazem: em primeiro lugar, refere que, em Cristo, é certa a vitória do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas, e os Militares, pela índole da sua vocação e missão, participam dessa vitória, procuram-na por todos os meios e defendem-na. Pelo alcance dessa vitória, o Militar oferece a sua vida, ao mesmo tempo que está consciente que só com Cristo ela será plena. Por outro lado, Isaías oferece uma imagem da salvação integral (cósmica porque é da natureza, social da sociedade, antropológica dos seres humanos…) ou seja, a salvação não é sectorial, nem fragmentada, mas diz respeito à totalidade do real, ao todo da existência… também a implementação da paz implica Missão de agir integralmente, e os Militares têm esta evidência como inspiradora da sua ação, porque a paz é a condição indispensável para que uma nação viva e funcione no seu todo, produza em todas as suas dimensões.
  6. Também o Evangelho, com o episódio da cura dos dois cegos, acalenta uma mensagem para todos nós. Diz-lhes Jesus “Seja feito segundo a vossa fé”. E abriram-se os seus olhos.” Todos nós conhecemos o poema de Fernando Pessoa a clamar “que o sonho comanda a vida”. Verificamos, contudo, que mais do que os sonhos, aos comandos da vida está a fé! Está a confiança dirigida a Quem potencia as nossas capacidades, consagrando-nos seres que, pela fé podem tudo…. Até mover montanhas, até fundar e construir uma grande Nação a partir de um quinhão de terra. Sim, aqui de Viseu compreendemos que Portugal é do tamanho da sua fé. Por isso, uma das marcas deixadas pelos portugueses onde eles chegaram e estiveram é a presença nas almas desses inúmeros povos da fé em Cristo e nas, suas tradições religiosas e culturais, a alegre celebração do Natal como nascimento de Jesus Cristo.