Deus é o Senhor da Vida e nós temos a obrigação de a proteger
Em toda a Bíblia perpassa esta ideia absolutamente estruturante: Deus é o Senhor da vida. E a liturgia da palavra desta Missa abria com esta garantia: “Não foi Deus quem fez a morte”. Sim, logo nos princípios, foi Ele quem pôs ordem no caos para que surgisse a vida biológica; foi Ele quem insuflou em Adão um “sopro de vida”, e assim apareceu a vida humana; foi Ele quem cumpriu a promessa dos Profetas que anunciaram que, a dado momento da história, Deus enviaria o Seu próprio Filho para nos libertar do pecado e da morte e nos tornar participantes da Sua vida divina. Note-se, pois, a progressividade: vida biológica, vida humana e vida divina.
Mas poder-se-á perguntar: e quem nos garante que é assim? São Marcos fornece a resposta neste Evangelho agora proclamado: quem o garante é Jesus que ressuscita esta adolescente, filha de Jairo. De facto, é Jesus quem garante a vida biológica ao ressuscitar aquelas células inertes; é Ele quem se preocupa com a qualidade desta vida humana ao ordenar que dessem de comer à menina; e, ao impor silêncio para que não se divulgasse o que tinha acontecido, os estudiosos da Sagrada Escritura vêem já uma referência à própria vida divina em nós operada pela morte e ressurreição do Senhor, pois só a experiência do Ressuscitado nos capacitará para nos convertermos em testemunhas da sua vida em plenitude.
Resumindo: estas leituras falam-nos de Deus como amigo, protector e Senhor da vida. Ele é o Deus da imortalidade que, de acordo com o seu exemplo, nos chama a proteger a vida biológica –pensemos no que afirma o Papa Francisco na recentíssima encíclica sobre a ecologia-, nos coloca frente ao dever grave de velar, amparar e promover toda a vida humana, ainda que, para isso, tenhamos de ceder alguns dos nossos bens e conforto, e nos faz ver que a vida humana reclama vida divina: o paradigma da vida humana não é a vida dos animais, mas é a vida divina.
Ora, por mais estranho que pareça, é aqui que se fundamenta a razão ética da existência das Forças Armadas e das Forças de Segurança e, neste caso concreto, este prestimoso e prestigiado Ramo que é a Força Aérea. A defesa da vida humana, da sua dignidade e exigências –em ética médica designadas por “santidade e qualidade de vida”- não é um opcional, algo com o qual me possa comprometer ou não de acordo com os meus interesses ou estado de humor. Não. A defesa da vida humana é uma absoluta responsabilidade de cada pessoa enquanto tal e das pessoas associadas em grupos, em comunidades, das quais a mais abrangente é a comunidade nacional ou nação. É, pois, nesta que, em primeiro lugar repousa a responsabilidade de fornecer aos seus cidadãos os meios e os instrumentos para que se possam sentir seguros face às potenciais ou reais agressões á sua vida, liberdade, paz e forma de organização, a democracia.
Podemos perguntar-nos: e, no nosso tempo, é necessária a defesa da vida e destes valores sem os quais não atinge o timbre de humana? A resposta não precisa de ser dita com palavras: basta olhar ao redor e ter presente o que se passa bem pertinho de nós. Por isso, menosprezar a defesa nacional –que tem várias vertentes, mas uma das quais é a armada- é o mesmo que real ou potencialmente estar a colocar em perigo a vida humana. O que é pecaminosamente grave.
Mas atenção a um dado: os inimigos da vida dizem que matam por razões superiores, por motivos de uma necessária regeneração, pois, segundo ele, o Ocidente está corrompido. Pois bem: temo que sejamos obrigados a dar-lhes alguma razão na análise que eles fazem à nossa cultura e estilo de vida. Estamos, de facto, em tempo de fortíssima desagregação de valores, pois, para muitos, àquilo que é preto pode chamar-se branco e àquilo que é branco pode chamar-se preto, desde que assim se queira. Mas, afinal, o nosso desejo é que faz a realidade das coisas? O bem e o mal só dependem do que eu quero ou da fidelidade ao que eu quero? Entra aqui o tema da vida divina: se a nossa vida humana não é aferida pela vida divina, ficamos sem critérios de actuação ou passamos a ter como modelo a vida biológica e animal. Este é o problema do Ocidente. Aqui reside a nossa vulnerabilidade.
Caros cristãos, concluo como comecei: em Jesus Cristo, o nosso Deus mostrou-se o Senhor da vida e vida em qualidade ou plenitude. Acolher a vida nova de Deus em nós, pela fé e pelos sacramentos, é condição de fecundidade e de cumprimento da nossa existência, quer a nível pessoal, quer a nível de comunidade nacional.
Que o Senhor Jesus nos faça compreender que a dignidade suprema e a vida verdadeira reside em quem se aproxima d’Ele com fé.
+ Manuel Linda